Folhetim de voto: direita a crescer, esquerda a encolher

10 jan 2022, 07:20

A três semanas das legislativas, as sondagens mostram um cenário parecido com o de 2019. Mas há mais direita, menos esquerda e mais bloco central: PS+PSD=70%. Há mais partidos, mas as sondagens dão outra vez o “centrão” a crescer, nota o jornalista de política Filipe Santos Costa, na coluna diária de análise e opinião à campanha. Faltam 21 dias para as eleições

Pulso. A três semanas das eleições, a sondagem publicada pelo Público no sábado passado ajuda a medir o pulso ao andamento da pré-campanha e à evolução das intenções de voto. No essencial, confirma as tendências que vêm de trás: vitória do PS (38%), com aproximação do PSD (32%). Na segunda liga, a surpresa é a disputa entre PCP e BE pelo terceiro lugar (ambos com 6%), e um Chega aquém das expetativas alimentadas pelo seu líder, empatado com a Iniciativa Liberal nos 5%. Mas atenção: se há partido em que pode haver voto envergonhado (ou seja, não declarado nas pesquisas de opinião), é o Chega. Mais abaixo, temos o CDS a desaparecer (2%), o PAN a lutar pela sobrevivência (2%) e o Livre a lutar pela relevância (1%).

 

Comparação com 2019. Se comparamos esta sondagem com as sondagens feitas em 2019, igualmente a três semanas das eleições, há dados interessantes. Para isso, apoio-me na Poll of Polls do site europeu do jornal online Político, que pega, não numa sondagem, mas na ponderação das várias sondagens que são conhecidas em cada país. Vejamos, então, o que nos diz a comparação das sondagens em Portugal a três semanas das eleições de 2019 e a três semanas das eleições de 2022 (os últimos dados agregados do Político ainda não incluem o estudo de sábado do Público, mas os dois resultados coincidem quase totalmente).

  • PS estagnado nos 38%
  • Forte crescimento do PSD, que em 2019 estava nos 24% (acabou por ter 27% nas eleições, e as sondagens foram dando conta desse crescimento)
  • Erosão do espaço à esquerda do PS, sobretudo com a queda do BE (estava nos 10% em 2019)
  • Grande recomposição do território à direita do PSD: eclipse do CDS (tinha 5% de intenções de voto a três semanas das legislativas de 2019), e Chega e Iniciativa Liberal com crescimento meteórico.

 

Consequências. Estes rearranjos têm consequências na correlação de forças entre esquerda e direita: 

  • a três semanas das eleições de 2019, a esquerda toda junta (somando-lhe também o PAN), valia 59%; hoje, vale 53%, segundo o Público;
  • a direita, que valia 31% em 2019, subiu agora para os 44% na sondagem do Público (ou 43% na ponderação do Politico);
  • conclusão: a esquerda continua a segurar a maioria absoluta das intenções de voto (fica acima dos 50% com ou sem PAN, o tal partido que pode oscilar para um bloco ou para o outro). 
  • A direita toda junta subiu 13 pontos percentuais - graças ao crescimento exponencial da IL e do Chega, mas também do PSD; neste lado do espetro político só o CDS está em queda.
  • A esquerda toda junta perdeu 7 pontos percentuais, mais de metade por responsabilidade do BE, mas também com desgaste do PCP.

 

Regresso do bloco central. Numa eleição fortemente bipolarizada, sobretudo no apelo de António Costa ao voto útil da esquerda, as sondagens indicam que o peso do chamado bloco central pode voltar a crescer. O estudo de intenções de voto do Público dá 70% à soma de PS mais PSD. Ou seja, acima do que aconteceu nas legislativas de 2009, 2011, 2015 e 2019. 

Os dois grandes partidos do sistema receberam 64,1% dos votos em 2019. Foi um dos piores desempenhos eleitorais de sempre bloco central. Só por três vezes a soma dos dois partidos do “centrão” ficou abaixo desse valor, e isso aconteceu sempre na primeira década da nossa democracia, antes das maiorias absolutas de Cavaco Silva, que marcaram um antes e um depois na nossa história eleitoral, retirando peso aos partidos à esquerda e à direita dos dois grandes.

As notícias da morte do “centrão” talvez tenham sido precipitadas, apesar do aparecimento de novas forças políticas com representação parlamentar, sobretudo à direita. 

 

Rio não bipolariza. Sublinho “sobretudo à direita”, porque tem sido notória a dificuldade de Rui Rio em bipolarizar o seu eleitorado potencial. Segundo as sondagens, o crescimento do PSD é inferior ao crescimento acumulado do Chega e da IL, o que indicia que não há bipolarização deste lado. De resto, no debate com Francisco Rodrigues dos Santos, viu-se Rio a “recomendar” o voto no CDS como segunda opção para o eleitorado não socialista. E também foram claras as dificuldades de Rio no embate com André Ventura, sem capacidade de lhe fazer frente para secar a eventual fuga de eleitores para o novo partido de direita populista. É como se Rio contasse mais com os outros partidos do que com o seu para uma eventual maioria de direita, confiante de que o PSD será sempre a força liderante desse espaço - porém, tudo indica que não está a ser a força liderante no crescimento desse espaço.

Ao invés, António Costa tem-se mostrado implacável no apelo ao voto útil. E, a acreditar nas sondagens, o PS é o partido com maior resistência no lado esquerdo do espetro - se não cresce, pelo menos não encolhe, ao contrário do que parece estar a acontecer com PCP e BE. Viu-se como Costa arrumou o ex-parceiro de geringonça Jerónimo de Sousa, no debate entre ambos, e não deixou de apelar ao voto útil no embate com Rui Tavares, apesar de este ser, de todos os líderes da esquerda, o mais “coligável” com o PS. Veremos o que acontece amanhã no frente-a-frente entre Costa e Catarina Martins.

 

Imbróglio. A ministra Francisca van Dunem (que agora acumula a Administração Interna com a Justiça) recebe hoje os representantes dos partidos para tentar encontrar saídas para o imbróglio dos eleitores com ordem de confinamento, por causa da covid, no dia das eleições. Há várias sugestões em cima da mesa, mas algumas são ilegais e outras não são consensuais.

 

Mesmice. O Diário de Notícias de hoje olha para a evolução das campanhas eleitorais desde o início da democracia, com a ajuda de especialistas. E conclui que, no essencial, pouco mudou nestes 47 anos. Os meios são outros, mas as técnicas são gastas.

 

Programas. Nos últimos dias foram apresentados os programas eleitorais de vários partidos. A maior parte das leituras é um fastídio - é o caso do programa da Iniciativa Liberal, com 586 páginas. Mais um bocadinho, e era a biografia do Churchill. Da memória que tenho e da pesquisa que fiz, nunca nenhum partido apresentou um programa tãããão longo. Deve ser para compensar anos de política feita em modo de poupança de carateres no Twitter e nos cartazes de rua. Está desde este fim de semana disponível aqui. Felizmente também há a versão condensada, um sumário de 13 páginas.

Ao pé da IL, os programas do PS e do PSD parecem exercícios de austeridade programática. O do PS tem 122 páginas (pode ler aqui), aqui espremidas numa página com 12 “grandes prioridades”. O do PSD tem 165 páginas (está aqui) e não há folha com prioridades que nos valha. O CDS apresenta as ideias da sua “direita certa” em 15 compromissos e 17 páginas.

O Público e o Diário de Notícias fizeram exercícios de comparação dos programas do PS e do PSD, e o Eco fez o mesmo com os documentos do CDS e da IL. 

Na apresentação pública do seu programa, Rui Rio definiu-o como um documento de “rigor”, “atitude reformista” e “equilíbrio financeiro”. O PS foi o primeiro a lê-lo, para acusar os sociais-democratas de apresentarem apenas “um cheque em branco”. Nas 165 páginas não há um cenário macroeconómico credível, acusam os socialistas. Rui Tavares acusou o programa social-democrata de ser “irrealista”. Estranhamente, ainda nenhum partido reagiu às 586 páginas do programa da IL.

 

Como devia ser. É estranho que os compromissos eleitorais de quem faz política todos os dias e tem de ter em permanência propostas para os problemas do país demorem tanto tempo a ver a luz do dia. Concordo com o que escreveu no sábado, no Público, o Francisco Mendes da Silva. Como a política devia ser: os partidos deviam ter em permanência “programas activos, conhecidos da generalidade das pessoas, que (...) vão debatendo e promovendo ao longo do ciclo político”. Como a política é (e não apenas em Portugal): “Os partidos têm estruturas bastante amadoras, sem hábitos de estudo e pensamento, e na maior parte do tempo limitam[-se] a navegar as polémicas do dia-a-dia.”

 

Concisão. O texto do Francisco não é sobre programas, mas sobre os debates, e responde (bem, em minha opinião) à crítica de que estes debates de 25 minutos não dão para nada, só servem para soundbites e não para a discussão profunda de programas políticos. Não sei em que debates nas últimas décadas alguém ouviu essa discussão aprofundada de programas políticos, tivessem eles uma hora ou hora e meia. Em todo o caso, os debates devem ser o momento por excelência para o apelo ao voto, para dar o argumento definitivo capaz de cativar o eleitor. Isso pode passar por propostas políticas? Claro que sim. Mas, e cito outra vez o Francisco Mendes da Silva, “a tão curta distância das eleições, era suposto que todos os programas estivessem tão claros na cabeça dos candidatos e dos eleitores – tão mastigados, contestados e explicados –, que fosse fácil aos líderes transmitir em poucos minutos a sua mensagem, de forma simples, sucinta e cativante.”

 

Debates. O trabalho de campo da sondagem do Público começou antes do arranque dos debates televisivos, que tem sido o único vislumbre de pré-campanha até agora; em todo o caso, ainda apanhou os primeiros quatro dias de debates - e não temos como saber em que medida esses desempenhos mexeram na simpatia eleitoral dos entrevistados.

Mas entre os primeiros debates, muito focados em tática política, e alguns que aconteceram entretanto, com discussão substancial de propostas alternativas, vai uma grande diferença. Já vimos debates suficientes nesta semana para saber que, em 25 minutos, é possível perder-se em peixeiradas, cilindrar um adversário com bons argumentos, ou expor propostas contrastantes em discussão construtiva. É possível ser pedagógico e eficaz, como tem demonstrado Rui Tavares. É possível mostrar-se sereno e bem preparado, como tem feito Catarina Martins. É possível ser contido e letal, como António Costa fez. É preciso trabalho de casa e saber que mensagem se quer passar, qualidades que por vezes parecem faltar a Rui Rio (embora tenha “genuinidade” para dar e vender). E é possível corrigir o tiro e emendar a postura, como fez Francisco Rodrigues dos Santos, que ontem se apresentou calmo e assertivo frente a Costa. E bem humorado sem perder o foco, como João Cotrim Figueiredo se mostrou face à metralha argumentativa de André Ventura. 

 

Direitas. É perfeitamente possível a direita demarcar-se do Chega e expor o vazio do seu discurso, conforme fez ontem o líder da IL. Mas é preciso querer. Quanto a Ventura, é sempre tóxico e sempre mais do mesmo. Não admira que, como dizia ontem Cotrim, durante o debate a dois, “ninguém queira” entender-se com o Chega - não é por haver “um arranjo” ou porque “o sistema”. É mesmo porque Ventura é infrequentável. Mas apresenta-se quase sempre bem preparado nos debates para disparar sobre cada adversário, que é o seu único objetivo (como ontem, quando confrontou Cotrim com a proposta da IL de obrigar os alunos do ensino superior a pagar os respetivos cursos).

 

Tendência inverno 2022. Há uma curiosa tendência nestes debates: a atenção de cada interveniente aos programas dos adversários. Alguns, como Ventura, usam essa arma para atacar o adversário, e para fugir a falar do próprio programa (o do Chega tem 9 páginas, que não passam de uma colagem de soundbites desgarrados). Noutros casos, o uso dos programas eleitorais alheios como arma de arremesso por vezes permite debates interessantes sobre diferentes visões do mundo. Apesar de tudo, quando tantas vezes nos queixamos de haver politiquice a mais e políticas a menos na campanha eleitoral, discutirem-se programas eleitorais é um ganho. Ou então, fui eu que acordei excessivamente otimista.

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