Os números são um número para entreter o pagode

14 jan 2022, 10:58

São muitos os candidatos e dois, só dois, a disputar o cargo de próximo primeiro-ministro. Isto para dizer que se entende que estes dois, Costa e Rio, quando juntos, têm direito a uma hora para discutir, enquanto os outros candidatos, mesmo quando debatem com um desses dois privilegiados, só tenham 25 minutos. Muito bem!

Para ouvir números como argumento, é bom que sejam desta clareza. Aprecio números que me conduzem a uma soma elucidativa. Se era para dizer que uns candidatos valem mais que os outros, é bom que isso salte aos olhos: um debate de Rio e Costa vale 60 minutos, isto é, não só mais, como mais do que o dobro dos outros. É só fazer as contas: os candidatos de eleição, uma hora; os outros, 25 minutos, menos de meio hora. Foi a melhor lição do debate de ontem.

E ninguém teve de dar essa lição. Repararam? Não foi preciso explicar esse privilégio de Costa e Rio. Pois é, além de parcos e claros, os melhores números, em debates, nem precisam de serem trocados por miúdo, até podem não aparecer. Rio ou Costa, só um, e só um deles, nos vai governar – logo, é natural que seja com eles que passemos mais tempo. Com todo o respeito, é assim. Quando deixar de ser assim, será assado, mas até lá temos de resolver a questão do dia 30.

Pena foi que ontem perdemos esse tempo de debate. Com números. Costa e Rio pareceram dois candidatos à direção da associação de contabilistas certificados. Números, taxas, percentagens. Costa até nos abanava com um calhamaço de algarismos, o Orçamento de 2022. Imagem irónica que só nos lembrava que esses números, tão precisos e contados, são a prova de um inconseguimento. A tanto número do Orçamento de 2022 faltou-lhe, antes de chegarmos a ontem, ainda havia Governo, ter sido convincente com palavras.

Faltou-lhe política.

Como faltaram, também ontem, palavras. Em vez delas, como lançou, no debate, o ainda há pouco (2018) vice-presidente da Assembleia-Geral da Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas, Rui Rio: “Eu é que era só números, só números e depois [Costa] debita só números…”

De facto, os dois, foi só números. IRC? De 21 por cento, para 19, depois 17, e destes para 13… Salário médio? 1100 euros, 1200, 1300..  Inflação? Um qualquer número que vem aí, lá fora, disse-se, já está em 5 por cento… E eu que, no sofá, me esqueci da calculadora. Nunca a trago quando venho para uma conversa aprender.

Ah, e houve o voo da TAP que, vindo de Madrid, passa por Lisboa e vai para São Francisco, custa 190 euros, e, se direto de Lisboa para São Francisco, custa 600… Mas, essa, percebi. E encolhi os ombros, tanta vez dedilhei no computador uma procura de preços de viagens aéreas e estes apareciam com milhentas (eis um número exato adequado) variantes. Percebi, quero dizer, confirmei: nos nossos debates políticos evocam-se tanto os números porque nada esconde melhor.

Acresce a esta avalanche de algarismos debitados, o facto de quem os pratica saber que está a abusar-nos. Ontem, na manhã do debate, os jornais económicos noticiavam: “Portugal no último lugar do ranking de literacia financeira da Zona Euro.” Em 19 países, eu traduzo, letrinha por letrinha, somos o décimo nono, os maiores em não saber. Por isso nos debates os políticos insistem no numerês. É de propósito para não entendermos.

E mesmo que se fale 60 minutos, mais do que 25, o tanto número acaba por impedir a política. O PRR com os seus milhares de milhões, zeros impressionantes, são traduzidos por metáfora, bazzooca, e nunca pela razão política para a qual a Europa acorda, escassez da energia e a destruição do ambiente. Ontem, tirando a disparidade de um bilhete da TAP, por Espanha e América, o resto do mundo só foi referido uma vez: a tal inflação da Alemanha que já vai em 5 por cento.

Nos debates, o que tem de ser, a razão política, deitamo-la fora de mansinho, mas ela voltará a galope. A tal taxa do IRS, ou do IRC, ou do diabo a quatro, será depois o que um assessor do subsecretário de Estado das Finanças soprar, e o futuro primeiro-ministro, Costa ou Rio, assinará por baixo.  

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