Darwin Núñez sem clickbait

29 dez 2022, 17:12
Liverpool-West Ham

«Quem é que defende?», o espaço de opinião de Sofia Oliveira no Maisfutebol

Encaixámos seis meses desde que o Benfica oficializou a venda de Darwin Núñez (13/06/2022) ao Liverpool. O meu primeiro desejo para 2023 é que os discípulos de Hugo Gil que associaram os meus comentários sobre a evidente epifania de Jürgen Klopp a um alegado ódio ao clube da Luz tenham encontrado psicólogo no Natal. O meu segundo desejo passa por anunciar àqueles que não se preocupam com a sua saúde mental e que, assim sendo, torraram o dinheiro para o psicólogo em vinho de pacote, que até o Florentino suplente no Getafe é mais jogador do que João Palhinha. Se este anúncio não ajudar na superação dos vossos traumas, aconselho-vos a continuar no vinho de pacote.

Encaixados seis meses, Darwin é, actualmente, o alvo favorito de paródias a respeito do desacerto na finalização. Ou seja, a crítica mais badalada ao avançado uruguaio é a incapacidade de transformar em golos as várias oportunidades que lhe surgem. Tendo em consideração os seis golos apontados por Paulinho nos últimos quatro jogos, ainda vamos descobrir que aconteceu a Darwin o que aconteceu a Cristiano Ronaldo em ‘The Switch’, anúncio lançado pela Nike em 2016.

Nem eu, que acho que a diferença entre ter gastado 75 milhões de euros fixos e mais 25 dependendo de variáveis por Darwin Núñez ou agarrar nessa quantia, pô-la na sanita e puxar o autoclismo acaba por ser ténue, irei usar a quantidade de golos falhados por Darwin para balizar a sua qualidade.

Quê? Se ele tivesse concretizado todinhas as que falhou, podíamos estar a falar de um novo Haaland? Isso não é futebol, é estatística acrobática adaptada. Se tu não és o tipo que levou a sua entidade patronal a gastar (para já) 80 milhões num jogador com manifestas dificuldades em dominar uma bola, tu não podes dizer que, frente ao Aston Villa, “Darwin fez um jogo incrível”. Corrijo: claro que podes, se o Klopp disse.

Analisando friamente, a exibição de Darwin Núñez contra o Aston Villa foi um bom retrato do jogador. Não foi perfeito porque lhe faltaram golos e a verdade é que Darwin, quando não aparenta ter a auto-confiança de Ron Weasley, costuma marcá-los. Perante um adversário que optou por manter a linha defensiva subida, Darwin teve o contexto ideal para utilizar a sua maior arma: ameaçar a profundidade através da velocidade. O problema é que as lacunas do uruguaio começam no seu ponto mais forte, já que, no futebol, ser-se Usain Bolt não basta.

Continua a haver uma forte tendência para Darwin cair em fora-de-jogo, culpa da errática escolha do momento para atacar o espaço. Quando um jogador, de forma recorrente, aplica características individuais no contexto errado, é sinal de que estamos perante um jogador com lacunas tácticas. Também é certo que, muitas vezes, assistimos a lances em que as soluções apresentadas pelos jogadores não são as melhores e o sucesso aparece, ou a lances em que os jogadores, através das suas características individuais, melhoram cenários anteriores recorrendo a soluções pouco aconselhadas pela teoria, mas eficazes (por exemplo, na jogada entre Messi e Gvardiol, ninguém defenderia, no primeiro milésimo de segundo em que Messi toca na bola, que o melhor caminho para o golo seria levar o defesa-central croata para perto da linha de fundo). Contudo, não vejo que estas variáveis possam atenuar a queda de Darwin para os foras-de-jogo.

Depois das deficiências no timing, vêm os dividendos que o avançado não retira quando nele acerta. Afastando, desde logo, as vantagens conquistadas através do ataque à profundidade que resultaram em oportunidades falhadas – à frente explico o porquê de ignorá-las agora –, Darwin juntou jogadas às quais não conseguiu dar seguimento, perdendo a bola na tentativa de guardá-la ou de procurar combinar com os colegas. Aqui, convém recordar que o nível dos defesas da Premier League – em antecipação, nos duelos – complica a vida a alguém que, na Liga Portuguesa, se habituara a olhar quase sempre de cima para baixo.

Este último ponto leva-nos a uma das maiores debilidades no seu jogo, que é a relação com a bola. A sua parca qualidade técnica não o atrapalha só na finalização, também o atrapalha quando necessita de tocar na bola longe da baliza contrária, prejudicando o colectivo. Dissecando algumas das oportunidades desperdiçadas por Darwin, percebemos que as abordagens foram inadequadas, provenientes de um jogador que, a juntar à pressão que possa estar a sentir por querer mostrar serviço, revela pouco critério. Por vezes, olhar para Darwin Núñez dentro de um campo de futebol é como assistir às saudosas vitórias de Lito Vidigal. Lá surgiam, mas Lito não sabia explicar muito bem como. Se o aspecto da falta de critério não melhorar com Klopp, dificilmente melhorará durante a sua carreira.

Para mim, continua a ser difícil de explicar a aposta do técnico alemão num perfil que parecia ter deixado para trás com a perda de protagonismo e consequente saída de Origi da sua equipa. A frente de ataque do Liverpool, nos últimos anos, foi sendo composta por jogadores que aliavam à capacidade de ataque ao espaço um alto nível de execução em espaços curtos ou em espaços largos, e que utilizavam o poder das combinações para desmontar blocos baixos e cerrados de forma a chegar ao golo. Ao contratar Darwin, fica aquela sensação de que Klopp chegou ao supermercado em busca dos habituais bens-essenciais e, como não havia manteiga, comprou um pote de graxa de sapatos para barrar nas torradas.

Encaixámos seis meses desde que o Benfica oficializou a venda de Darwin Núñez (13/06/2022) ao Liverpool. Mais golo, menos golo. A minha opinião não mudou.

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