Sósia de Darwin foi do Benfica à recuperação física

27 nov 2020, 09:27

Amigos de João Peixe destacam semelhanças com o uruguaio; antigo avançado cresceu no clube encarnado mas não teve oportunidades; passou por 27 clubes e tem uma vida estável aos 45 anos, como massagista e técnico auxiliar de fisioterapia

«Depois do Adeus» é uma rubrica dedicada à vida de ex-jogadores após o final das carreiras. O que acontece quando penduram as chuteiras? Como sobrevivem os que não ficam ligados ao futebol? Críticas e sugestões para o email vhalvarenga@mediacapital.pt.

João Peixe foi um dos avançados mais promissores da sua geração. Em 1994, por exemplo, fez dupla com Nuno Gomes na campanha que levou Portugal à conquista do Campeonato da Europa de sub-18. João, da formação do Benfica, seguiu por empréstimo para o Estrela da Amadora. Nuno ficou no Boavista, afirmou-se na Liga e mudou-se para o clube encarnado em 1997.

Filho da Nazaré e do Nazarenos, João Peixe chegou ao Benfica com 12 anos e era a grande esperança de golos no futuro da equipa principal. Porém, viu-se envolvido em polémicas em torno do seu clube e da seleção nacional, na transição para sénior, comprometendo definitivamente as aspirações de uma carreira ao mais alto nível.

A recente transferência de Darwin Nuñez para o emblema da Luz levou os amigos de João Peixe a destacar as semelhanças entre o uruguaio e o português. Sobretudo, as notórias parecenças físicas entre ambos. «Quando o Darwin começou a aparecer, comecei a receber de muitos colegas, amigos, inúmeras mensagens a falar-me da parecença. Não só em termos físicos, como até na maneira de jogar. Mas o Darwin é melhor do que aquilo que eu era.»

Já lá vamos,

Antes de mais, como tem sido a vida de João Peixe desde que terminou a carreira de jogador em 2012, no Valonguense, o 27.º clube na carreira do ponta-de-lança?

«Curiosamente, assinalei na última sexta-feira dez anos como massagista e técnico auxiliar de fisioterapia. Tenho o meu gabinete na Maia e, no fundo, trabalho na área da recuperação física das pessoas, através das minhas mãos, da minha experiência e dos equipamentos que tenho ao meu dispor. De um modo geral, atendo todo o tipo de pacientes, mas recebo muita gente que joga futebol e que pratica desporto», começa por explicar.

João Peixe interessou-se pela área quando se lesionou com alguma gravidade aos 19 anos, num momento decisivo da carreira: «Sempre gostei de tornar os momentos negativos em positivos. O que mudou o rumo da minha carreira foi uma lesão que tive com 19 anos, que fez com que não participasse no Mundial de sub-20 no Qatar em 1995. Fomos campeões europeus de juniores em 1994, íamos ao Mundial e eu lesionei-me uma semana antes. Foi uma rotura do ligamento lateral interior, num timing muito prejudicial. A partir daí, começou a nascer em mim um interesse pela recuperação e pela fisioterapia.»

«Sempre pensei nisto para o futuro e comecei a trabalhar nesta área em 2010, embora só tivesse deixado de jogar em 2012. Durante três épocas, também fui empresário de jogadores, mas apostei mais nesta área da recuperação física, comprei logo os equipamentos, investi e felizmente tive retorno. Para além disso, tenho alguns apartamentos alugados, permitindo-me ter algum conforto e estabilidade financeira. Sempre fui uma pessoa bem orientada, mesmo quando jogava», salienta o antigo avançado.

João Peixe esteve ligado a clubes de futebol mas admite que seria difícil voltar a esse meio, face ao seu caráter incerto, por comparação com a segurança garantida pelo gabinete que tem na Maia: «Estive ligado aos Veteranos do Custóias durante oito épocas, ajudaram-me muito neste percurso, e estive também uma época no Valonguense. Desde então, já tive vários convites de equipas de futebol, mas são situações em que financeiramente não compensa, porque os clubes não podem pagar muito.»

«Se calhar num campeonato profissional já compensaria, mas teria de ser algo bem ponderado, porque não poderia trocar o certo pelo incerto. Estou numa situação estável, há dez anos, e podia deitar tudo por água abaixo. Neste momento, prefiro a estabilidade», diz, garantindo estar a resistir aos efeitos da crise económica provocada pela pandemia de covid-19: «De 15 de março a 1 de junho estive sem trabalhar, nesta segunda vaga tenho trabalhado bem mas claro que também noto menos pacientes para tratar, cerca de menos 20/25 por cento.»

«Sei que o Darwin vai ter o sucesso que eu não tive»

Voltemos então ao futebol e comecemos por 2020. Quais são os pontos em comum entre João Peixe, crónico goleador nas camadas jovens do Benfica e da seleção nacional, e Darwin Nuñez, jovem uruguaio que tem demonstrado enorme qualidade com a camisola encarnada?

«Acho piada às observações e em parte até concordo. Existem algumas parecenças físicas, na cara, no cabelo, é avançado como eu era, joga no Benfica como eu joguei. Mas, embora eu também tivesse muito potencial, é preciso dizer que o Darwin é melhor do que aquilo que eu era. É muito rápido e muito bom tecnicamente», faz questão de frisar.

João Peixe recorda que era um finalizador nato, um ponta-de-lança mais fixo. «O Darwin é muito bom de cabeça, por exemplo, mas eu era melhor. Na finalização, eu era muito bom. Por outro lado, o Darwin é extremamente rápido, algo cada vez mais importante no futebol moderno. Ele é ponta de lança do clube do meu coração e sei que vai ter o sucesso que eu não tive. Vai durar pouco tempo no Benfica», perspetiva.

O Benfica pagou 24 milhões de euros por Darwin Nuñez em 2020. Em 1995, não investiu no maior goleador da sua formação, campeão europeu de sub-18. Sem aprofundar a comparação, João Peixe admite que aqueles eram tempos diferentes: «Hoje em dia há mais exposição dos jovens e melhores condições. Juntamente com o Nuno Gomes, com quem eu fazia dupla na seleção, éramos os melhores pontas-de-lança daquela geração, mas eu nem sequer apanhei uma equipa B. Subi a sénior, estive no plantel principal, mas fui emprestado ao Estrela da Amadora. Fica a mágoa por não ter sido aposta do Benfica, mas já passou.»



«Ao nível do Intercidades, foi um currículo rico»

O jovem avançado foi cedido ao Estrela da Amadora e marcou três golos em dez jogos na Liga, sob o comando técnico de Fernando Santos. Porém, tudo mudou em abril de 1995. «Como disse antes, lesionei-me uma semana antes do Mundial de sub-20 no Qatar. Aquilo deu polémica porque os médicos da Federação diziam que não dava para eu recuperar, enquanto o médico do Estrela dizia que sim, que era possível.»

«Eu era jovem, tinha 19 anos, só queria estar no Campeonato do Mundo e dei algumas entrevistas a criticar a decisão. Como o médico do Estrela dizia que era possível…enfim, a verdade é que nunca mais fui chamado à seleção. Devia ter ficado calado e hoje percebo que a decisão dos médicos da Federação foi a correta. A lesão que foi, apesar de não ser grave, era impeditiva», desabafa João Peixe.

Em poucos meses, a carreira do avançado passou do céu ao inferno. A segunda polémica consecutiva provou ser mais um sério obstáculo no seu processo de formação: «No fim da época, não quis continuar no Estrela com o mister Fernando Santos porque apareceu um empresário a iludir-me com Inglaterra. Fui para lá com a autorização verbal de um dirigente do Benfica, só que de repente tudo mudou.»

«Estava a treinar no Darlington, equipa treinada por um empresário conceituado chamado David Hogdson. Ele primeiro via os jogadores ali e depois colocava-os em clubes superiores. De repente, a minha namorada diz que recebi em casa uma carta do Benfica a exigir que me apresentasse no clube, sob pena de incorrer numa infração. Porquê? Não sei ao certo, mas nessa altura o Dominguez estava a regressar de Inglaterra para jogar no Sporting, depois de ter sido formado no Benfica, e isso pode ter influenciado. O nosso empresário era o mesmo, o Ângelo Martins», explica o ex-jogador.

De regresso a Portugal, João Peixe foi emprestado a Académica e Alverca, duas equipas da II Liga: «As coisas não correram muito bem na Académica e foi a partir daí que comecei o meu périplo. Fui um jogador de topo até aos meus 20 anos, ganhei tudo o que havia para ganhar. Depois, acabei por fazer um percurso diferente, por jogar em muitos clubes, mas orgulho-me muito do meu percurso, porque nunca desisti e fui sempre muito disciplinado.»

«Perdi o comboio do topo, digamos que perdi o Alfa Pendular, e só apanhei o Intercidades. De resto, continuei a minha carreira, fiz golos e consegui vários feitos. Ao nível do Intercidades, foi um currículo rico», brinca João Peixe, explicando: «Consegui dez títulos. Fui bicampeão de juvenis pelo Benfica, campeão da Europa de juniores pela seleção, fui campeão na II Divisão B pelo Sp. Covilhã e pelo FC Marco e uma vez na III Divisão pelo Tondela. Para além disso, consegui sete subidas de divisão, por Sp. Covilhã, Marco, Benfica de Castelo Branco, União da Serra, Tondela, Torreense e Valonguense.»

Para a história ficam os 27 clubes que João Peixe representou ao longo da carreira, um registo invulgar no futebol: Nazarenos, Benfica, Estrela da Amadora, Académica, Alverca, Desp. Aves, Desp. Beja, Oriental, Sp. Covilhã, Sanjoanense, FC Marco, Ionikos (Grécia), Pedras Rubras, Sp. Pombal, União Micaelense, Académico Viseu, Estarreja, Benfica de Castelo Branco, União da Serra, UD Rio Maior, Tondela, Torreense, Penamacorense, Custóias, Perafita, FC Vila e Valonguense.

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