Não há imagens que mostrem o que se passou na casa de banho da discoteca e só duas pessoas o sabem: o futebolista, que já deu várias versões contraditórias, e a alegada vítima, que desde o início tem um relato consistente. Julgamento vai começar rapidamente e o brasileiro pode ser condenado até 12 anos de prisão
Primeiro não a conhecia, depois tinham estado no mesmo local mas não se tinha passado nada, uns minutos mais tarde a jovem tinha praticado um ato sexual que ele não queria e agora, afinal, foi tudo consentido. Quando Daniel Alves teve oportunidade de falar perante a juíza, esteve 45 minutos a responder a perguntas, mas as várias versões que foi dando contribuíram decisivamente para que fosse detido.
Foi a 20 de janeiro e, até hoje, o futebolista mantém-se numa prisão nos arredores de Barcelona, por suspeita de ter violado uma jovem de 23 anos, numa discoteca de Barcelona, na madrugada de 30 de dezembro de 2022. Da alegada vítima pouco se sabe: apenas que a justiça tem protegido a sua identidade, que já testemunhou em tribunal e que renunciou desde logo a qualquer indemnização caso ele seja condenado. E o mais relevante: que desde o que disse aos funcionários da discoteca Sutton e à polícia naquela noite, a quando apresentou formalmente queixa, uns dias mais tarde, e até ao depoimento perante a juíza, tem contado sempre a mesma versão.
A defesa do jogador tem visto frustradas as suas tentativas de alterar a prisão preventiva e o facto de todos os intervenientes já terem sido ouvidos, as autoridades terem recolhido todas as provas no local e a vítima ter sido de imediato atendida num hospital, cujo relatório aponta para sinais de violência, jogam contra Dani Alves. É que a investigação está muito avançada, as diligências estão praticamente todas feitas e o tribunal tem entendido que não vale a pena alterar a prisão preventiva até ao julgamento, que deverá começar ainda este ano.
Daí que, segundo a imprensa espanhola, o novo plano da defesa se foque essencialmente em três estratégias, a começar por uma batalha judicial com os testes psicológicos que devem ser feitos à vítima. A juíza deu a ordem para se atestar o estado psicológico em que se encontra a jovem, o que normalmente ocorre nos casos de violação, mas o advogado Cristóbal Martell entrou em ação e conseguiu que um perito que pode ser contratado pela defesa esteja presente nesta avaliação à vítima e que os testes sejam gravados, o que, segundo especialistas judiciais, não é nada comum em Espanha.
Além disso, a defesa pode estar prestes a pedir nova prova pericial para sustentar a sua última tese: que as relações sexuais foram consentidas. Para isso, baseia-se na interpretação que faz das imagens de videovigilância, uma vez que Cristóbal Martell sempre sublinhou a existência de um curto período de tempo entre a entrada de Dani Alves na casa de banho da zona VIP da discoteca, onde ocorreram os factos, e a posterior chegada da jovem de 23 anos. Ou seja, para a defesa, esta é uma evidência fulcral para descredibilizar o relato da alegada vítima, pois vai alegar que os supostos dois minutos de diferença mostram que a jovem quis entrar ali para ter um encontro sexual com o jogador.
A terceira via da defesa pode passar por colocar Dani Alves a depor novamente em tribunal. A primeira vez que o fez foi na tal audiência do dia 20 de janeiro, em que apresentou várias versões e em que nunca falou em penetração, mas antes em sexo oral praticado pela alegada vítima. Durante esses 45 minutos, o máximo que o futebolista foi capaz de admitir é que não contou logo isso para “proteger” a jovem e a família do próprio. Ora, entretanto, as provas desmentiram-no: tanto o ADN recolhido na vítima, como na sua roupa e na casa de banho, assim como o relatório médico, apontam para a penetração, e com sinais de alguma violência. Perante isto, a defesa já admitiu mais esta nova versão, mas insiste no consentimento. E só com Dani Alves a falar novamente com a juíza conseguirá ter oportunidade de o sustentar.
O que a alegada vítima e outras testemunhas disseram em tribunal
Até agora, além das mudanças de versão de Dani Alves, o que a juíza tem para justificar mantê-lo preventivamente preso assenta fundamentalmente no relato da jovem de 23 anos. E o que disse ela?
Que a 30 de dezembro foi com uma prima e uma amiga, pouco antes das 2h00, à discoteca Sutton, e que foram convidadas por um grupo de mexicanos para a sala VIP. Aí, garantem que um funcionário da discoteca as abordou, para se aproximarem da mesa onde se encontrava Dani Alves. O jogador, em tribunal, negou ter pedido ao funcionário para o fazer, mas este já testemunhou e corroborou a versão das três mulheres.
Na altura da denúncia, o El Periódico da Catalunha teve acesso à versão da vítima, segundo a qual Dani Alves ofereceu bebidas às três, enquanto se colocava atrás desta jovem, lhe pegava na mão e a colocava no seu pénis. A jovem garante que se afastou, mas o jogador não terá desistido. A prima acrescentou, em tribunal, que Dani Alves também lhe chegou a tocar na zona da vagina, enquanto a amiga o descreveu como um “nojento”, que a rodeou pela cintura com os braços. Destes momentos, assim contados pelas três, há imagens de videovigilância, mas a defesa do futebolista interpreta-as ao contrário, ou seja, que demonstram que não havia sinais de assédio ou violência, mas um à-vontade entre ele e as três jovens.
A partir daqui, a alegada vítima garante que Dani Alves lhe pediu para passar por uma porta, que ela não sabia que dava para a casa de banho da zona VIP. Já lá dentro, tudo contado por ela, o futebolista ter-se-á sentado e dito que ela não podia sair dali. Terá então pegado na sua cabeça, com violência, aproximando-a do pénis, tentando que ela praticasse sexo oral. Enquanto isso, segundo a mesma denúncia, dava-lhe bofetadas, pegava nela e penetrava-a, até ejacular. Depois, ter-se-á levantado, vestido e dito: “Saio eu primeiro”. Na casa de banho não há câmaras, mas as imagens de videovigilância da discoteca mostram que os dois estiveram lá dentro 16 minutos. Numa das versões de Dani Alves, o futebolista relatou que teriam sido quatro, mas foi desmentido por esta prova.
Depois de sair da casa de banho, a jovem pediu à prima e à amiga para irem embora e desatou a chorar. Em tribunal, uma delas garantiu que reparou logo que ela tinha uma ferida no joelho. Foi quando as três saíam da discoteca que se deu um momento crucial para o processo: o porteiro da discoteca, ao ver a alegada vítima tão abalada, perguntou-lhe o que se tinha passado. Ela disse apenas que tinha tido problemas com “uma pessoa muito importante”, mas ele, que também já testemunhou em tribunal, juntamente com mais três funcionários da discoteca, disse-lhes para voltarem a entrar e ativou o protocolo para agressões sexuais. Mais tarde, foram os responsáveis da Sutton que a levaram ao hospital, mais um momento essencial para a acusação, uma vez que foram logo feitas perícias ao corpo da jovem e recolhidas amostras de sémen, que provaram a penetração que ele chegou a desmentir. A polícia também foi de imediato chamada, isolou o local e recolheu várias amostras que viriam a contradizer Dani Alves.
Preso devido ao risco de fuga (e não só)
O relato da jovem foi “contundente” e “persistente”, segundo o mandado de detenção, além de ser o mesmo desde a noite de 30 de dezembro, a queixa na polícia no dia 2 de janeiro e o testemunho depois em tribunal. É por isso, mas não só, que a juíza não atendeu aos pedidos da defesa até agora. O advogado Cristóbal Martell tem tentado libertar o seu cliente da prisão de Brians 2, perto de Barcelona, onde se encontra detido, na área dos agressores sexuais. Mas, na última decisão do tribunal, a 21 de fevereiro, pode ler-se que existe “um elevado risco de fuga”, tanto por causa da “elevada pena” que está em causa – Dani Alves pode ser condenado até 12 anos de prisão -, como pelos “graves indícios de criminalidade”.
O tribunal considerou que o futebolista tem capacidade financeira suficiente para fugir de Espanha assim que fosse libertado, mas a defesa garante que não: até porque, entretanto, foi despedido do Pumas, clube mexicano onde jogava, e perdeu outros contratos publicitários. Pormenor curioso: quando foi questionado pela juíza quanto ganhava, no dia 20 de janeiro, Dani Alves disse 30 mil euros por mês. Com o contrato ainda em vigor na altura na mão, a magistrada corrigiu-o de imediato: eram 300 mil euros por mês.
Outro facto que não ajuda Dani Alves neste aspeto é a sua nacionalidade, uma vez que Espanha não tem acordo de extradição com o Brasil, e lhe seria então relativamente fácil voltar ao seu país e nunca mais responder à justiça espanhola. A defesa garante que ele quer colaborar, propôs que ele comparecesse até diariamente às autoridades, que lhe fosse retirado o passaporte, que fosse proibido de sair de Espanha, além de contactar com a vítima. Propôs ainda que saísse da prisão com pulseira eletrónica. Mas, até agora, nada funcionou.
O advogado tem-se queixado do relatório “tendencioso” dos Mossos d’Esquadra e do auto da juíza “quase acrítico e descuidado”, e garante que os indícios não são “evidentes e contundentes”. Baseada na interpretação que faz das imagens de videovigilância, a defesa tem sublinhado que, se entrou “em contradição” no momento da entrada na casa de banho da sala VIP, a jovem também poderá ter “adornado” a história com outros elementos que a “distorçam”.
Na recente resposta a estes argumentos, o tribunal é claro: os indícios “amplamente descritos” qualificam o ocorrido como uma agressão sexual e são “tão abundantes” que nem sequer exigem um exame “minucioso” das imagens de videovigilância da discoteca. Sobre a falta de lesões na vagina da vítima, que a defesa também tem extrapolado, o tribunal refere que isso não “neutraliza” outros indícios, que têm de ser analisados em tribunal, como os que constam no relatório médico ou os que resultam das recolhas de ADN.
O tribunal desvaloriza ainda o facto de Dani Alves se ter apresentado às autoridades por iniciativa própria, alegando que ele “desconhecia o alcance da investigação e os indícios de criminalidade”. Agora, refere a decisão que o manteve em prisão preventiva, há maior perigo de fuga por isso mesmo: porque ele tem consciência do que o pode esperar.
O jogador chegou a Barcelona no dia 17 de janeiro, tendo sido detido três dias depois. Tinha estado em Santa Cruz de Tenerife, no funeral da sogra. Num primeiro momento, a mulher de Dani Alves, Joana Sanz, defendeu-o e até o visitou na prisão. Nos últimos tempos, nas redes sociais, tem deixado mensagens que a afastam do marido.