Relatório da Inspeção-Geral das Finanças alerta que existiram várias “irregularidades” nos apoios dados a projetos culturais entre 2020 e 2022. Registaram-se também pagamentos de subsídios a artistas “em excesso”
Mais de 123 milhões de euros de subvenções públicas foram atribuídas pelo Fundo de Fomento Cultural a entidades e fundações culturais sem qualquer acordo escrito ou qualquer garantia de que o projeto para o qual foi enviado o dinheiro tenha tido os resultados ou os impactos previstos.
É esta a conclusão do relatório da Inspeção-Geral das Finanças (IGF) que avaliou se, entre 2020 e 2022, os apoios dados pelo Fundo de Fomento Cultural - um dos principais meios para apoiar a cultura em Portugal - obedeceram a critérios de legalidade, regularidade e transparência. No decurso da investigação, os inspetores detetaram também milhares de euros “pagos em excesso” e uma série de projetos que receberam fundos e não foram sequer iniciados.
Tudo isto provocou danos à saúde financeira do fundo que viu as suas receitas cair de forma acentuada. Segundo o relatório da IGF, entre 2020 e 2022, as receitas do fundo, que está na dependência do Secretário de Estado da Cultura, registou uma “tendência de redução, obrigando a um aumento das transferências do Orçamento do Estado e ao uso quase integral do saldo da gerência anterior, para fazer face a medidas de apoios excecionais”. Isto, avisam os inspetores, “pode colocar em causa a sua sustentabilidade”.
Nesse mesmo período em que as receitas sofreram uma grande queda, e em que o Executivo de António Costa lidava com a emergência da pandemia de covid-19, o Fundo de Fomento Cultural, segundo o relatório, “concedeu subvenções públicas, num total de 123,7 milhões de euros”. Desses, uma grande parte (77,1 M€) foi para fundações culturais. No entanto, o dinheiro foi pago sem “afetação a uma atividade concreta e determinada e sem ter sido celebrado protocolo ou acordo escrito (que formalize as obrigações das partes) ou efetuada avaliação dos resultados e/ou impactos alcançados com o financiamento público”.
Só no programa ‘Garantir Cultura’, que foi criado em 2021 para fazer face aos impactos da pandemia no setor, a IGF detetou, em 81 processos, várias “irregularidades”, nomeadamente “despesas não elegíveis, ou referentes a período diferente do definido” ou ainda “sem relação direta com o projeto respetivo”. Além disso, garantam os inspetores, o fundo pagou 81,5 mil euros a projetos que não foram nem concluídos, nem devolveram o valor do apoio.
Subsídios a artistas irregulares
Considera a IGF que a administração do Fundo de Fomento Cultural revelou “falta de adequada avaliação do cumprimento dos objetivos de interesse público cultural” e que esse mesmo critério deveria constar dos relatórios de execução financeira e material, apresentados pelos beneficiários. No total, o fundo apoiou despesas do programa ‘Garantir Cultura’ no valor de 7,1 milhões de euros.
Outro dos alvos da investigação da autoridade foi o Subsídio de Mérito Cultural, que se trata de um apoio dado a artistas considerados importantes, mas que estejam em situação de carência económica. Em 2022, este subsídio foi atribuído a 116 beneficiários que receberam um total de 492 mil em euros.
No mesmo ano, ainda que estivesse previsto que o pagamento aos artistas fosse pago em 12 mensalidades, o fundo acabou por transferir o subsídio durante 13 meses - pelo que foi registado um pagamento em excesso de 38 mil euros. Para além disso, a apreciação efetuada a uma amostra de 26 processos evidenciou também que foram utilizados critérios de análise distintos para beneficiários antigos, “falta de dados sobre o património imobiliário ou financeiro (para atestar a carência económica)”; não junção de declaração da Segurança Social comprovativa da situação de carência económica ou de documento demonstrativo de doença ou incapacidade impeditiva do exercício profissional”; ou mesmo “incongruências na condição de recursos; e não localização de pedidos ou de deliberações / atas de mérito no processo de atribuição”.
O relatório, que foi homologado no dia 5 de maio do corrente ano pelo Secretário de Estado Adjunto e do Orçamento, José Brandão de Brito, deixou igualmente cinco recomendações ao Conselho Administrativo do fundo, nomeadamente a promoção de “regulamentação das linhas de apoio financeiro, assegurando a definição de pressupostos de atribuição e a subordinação aos princípios constitucionais de igualdade, justiça, proporcionalidade e imparcialidade” e, visto que o Fundo não elabora planos anuais ou estratégicos/plurianuais, a “elaboração de planos de atividades e/ou estratégicos anuais e plurianuais e assegurar a avaliação regular dos resultados alcançados e dos benefícios sociais atingidos com as subvenções públicas concedidas, criando estrutura interna para o seu acompanhamento, controlo efetivo e avaliação”.
Além disso, a IGF pede que se estabeleçam “protocolos ou contratos com os beneficiários que identifiquem as atividades concretas a realizar e os direitos e deveres das partes”. E que se esclareça as “situações irregulares identificadas”, tal como se “adota os mecanismos de recuperação para os cofres do Estado das despesas não justificadas”. A inspeção pede também que se confirme se os beneficiários do Subsídio “cumprem os requisitos exigíveis e assegurar a regularização dos eventuais pagamentos em excesso”.