Presidenciais, fama e objetivos. Cristina Ferreira, a entrevista

2 fev, 08:30

Apresentadora e diretora de Entretenimento e Ficção da TVI falou sobre tudo na estreia do programa CNN Entrevista

Quando fiz este convite, ainda não tinhas lançado um novo produto [o Pipy]. Porque é que as pessoas se riem ou porque é que toda a gente neste momento no país, pelo menos é essa a minha perceção, está a falar sobre isto?

Primeiro porque há uma profunda incapacidade ainda de lidarmos com a sexualidade e de falarmos dela. Eu notei isso ao longo destes mais de 20 anos de televisão que tenho. Eu e o Manuel [Luís Goucha], quando estávamos no Você na TV, fomos dos primeiros a falar abertamente de sexualidade. As pessoas já não têm memória, mas nós tivemos um dia até que colocámos as senhoras do público, na altura nós tínhamos pessoas a assistir connosco no público, nós colocámo-las a ver um filme pornográfico em direto, ou seja, quem estava lá em casa não via, só estava a ver as reações das pessoas que estavam no estúdio a ver esse filme. E é incrível de perceber como o nervoso miudinho… como os sorrisos surgem, quando se fala de uma coisa tão natural que devia ser falada, explorada, tanto nas escolas como na televisão, como em locais onde as pessoas abertamente podem ouvir falar desses mesmos assuntos. Eu, quando lanço esta bruma íntima, sei que ela iria dar que falar. Confesso que não achei que fosse ao nível que acabou por acontecer.

Portanto, surpreendeu-te, de facto, o nível da discussão pública em torno do que é que é uma bruma, para que é que ela serve...

Surpreendeu-me acima de tudo as inúmeras vozes que se levantaram para tentar encontrar ou um lado bom ou um lado mau de um produto que já existe no mercado há muito tempo, que está presente em farmácias deste país e só naquele dia é que se lembraram de tentar perceber “então, mas isto é um produto que deve estar no mercado ou não deve estar no mercado”. E só essa discussão já foi muito válida até para falar de algo que é tão comum e que tem que ver com os odores íntimos, por exemplo, sejam de homens, sejam de mulheres, passaram a ser discussão de café, passaram a ser discussão de casal, passaram a existir conversas que, possivelmente, se não tivesse havido este lançamento, não teriam nunca existido. Eu, quando o lanço, é óbvio que era num tom provocatório. Só o nome já é provocação, óbvio. Claro que eu podia ter dado um nome muito mais suave, um nome que, à partida, não se percebesse logo exatamente aquilo que era. Mas eu quis fazê-lo de propósito.

E ocorreu-te logo este nome?

Foi o primeiro, aliás, isto é um lançamento que já foi muito mediático, acho que estamos nesta entrevista ainda antes da continuação de todo este projeto. Aviso já que a provocação vai continuar e o desassossego, porque eu acho que nós precisamos todos de ser desassossegados, não só neste tema, mas em muitos outros temas em que hoje em dia dificilmente damos a nossa opinião. Dificilmente estamos dentro da discussão. Eu acho que as redes sociais nos trouxeram coisas muito boas, trouxeram-nos outras muito limitativas, que é esta dificuldade que temos às vezes de dizer o que pensamos com medo do que o outro possa vir a dizer.

Mas quando te colocas nesta discussão, ou em qualquer outra que tenhas travado nestes anos de exposição pública, há riscos também?

Eu não penso neles, confesso. Eu sei que para algumas pessoas pode existir esse risco, “como é que ela se sujeita a isto?”, “como é que depois de tantos anos já de construção de um percurso, ela faz este tipo de lançamentos?” Eu acho que isso é algo muito inato em mim, desde o início. Eu gosto muito de recomeços, eu gosto muito de criar projetos, eu gosto muito de pensar na sua comunicação. Eu acho que passei ao lado de uma carreira de marketing, devo confessar. E isto é algo que eu vou continuar a fazer. A discussão não nasce e o avanço não nasce se não houver esta discussão.

Mas com a provocação e a discussão vêm também críticas e elas também surgiram. Uma delas que eu apanhei também nas redes sociais vem de Paula Cosme Pinto, que se intitula como ativista pela igualdade de género, que sobre ti escreve que estás a camuflar com o selo do empoderamento lucros obtidos à conta de inseguranças femininas. O que é que se responde a isto?

Olha, eu não respondo a ninguém, eu li muito poucas, acho que muitas vezes quando somos objeto dessas mesmas críticas e há muita gente a falar de nós, o melhor que temos a fazer é não ler nem o muito bom, nem o muito mau, acho que isso te impede depois de seguires o teu caminho. Como deves calcular, tudo aquilo que fiz neste projeto, e é um projeto que já leva mais de um ano, as pessoas é que não têm noção de que isto já leva muito tempo de trabalho, Foi tudo muito pensado, foi tudo muito calculado e foi tudo muito, por eu saber desta minha exposição e deste julgamento e desta análise muito precisa, foi tudo muito pensado, muito calculado e eu nunca colocaria nada no mercado que eu não tivesse a certeza que o pudesse fazer ou que não cumprisse todas as regras legais que me são exigidas. Quando a questão, porque eu no início quando lancei o projeto… - fala-se que é um projeto para mulheres e que é um projeto que as tenta libertar de algumas coisas - eu nem nunca gostei muito da palavra empoderamento feminino, devo-te confessar que é até hoje uma palavra que não me encaixa bem, nem em mim, porque acho que não é isso que está em questão. Eu acho mesmo que quando se fala disso parece que olhamos muito para as mulheres líderes, para as mulheres que estão em empresas, para as mulheres que são diretoras, e eu não acho nada disso. Eu quero que uma mulher que seja empregada de limpeza seja tão livre como uma mulher que... lidera uma empresa gigante e gera um milhão todos os dias e isso só o consegue fazer se ela tiver a sua liberdade de escolha, se tiver a sua liberdade de opinião. Portanto, o que eu quero perguntar é, até que ponto esse tipo de opinião não é ela exatamente aquilo que advoga em relação ao lançamento do meu produto? Qualquer opinião dessas que faça com que cada mulher questione se pode ou não pode usar, se pode ou não pode pensar naquele produto, sim, às vezes para se libertar de algum constrangimento que possa ter, se não é isso que a está a fazer esconder-se no seu casulo. Gostava que pensassem nisso.

Estas posições, de alguma forma, que vêm de ativistas feministas, acreditas que podem acabar por subverter o objetivo principal do feminismo?

Acho que qualquer extremismo, também dentro de um movimento como é o movimento feminista, pode fazer exatamente o contrário daquilo que é o objeto. E eu não ponho em causa que essas pessoas têm como objetivo maior que a igualdade seja de facto atingida e adquirida por todos nós, porque é esse o objetivo. Agora, eu acho que ultrapassam às vezes determinados limites que nos fazem depois questionar a tal ideia de feminismo, que é pensarmos se afinal o que querem é a igualdade ou se o que estão a tentar advogar é a superioridade da mulher em relação ao homem. E isso eu tento que nos meus discursos, naquilo que eu faço... não seja ultrapassado. Eu recebo, para que as pessoas possam entender, centenas de mensagens por dia. Sou eu que as vejo todas. Não há ninguém que gira as minhas redes sociais a não ser eu. Sou eu que penso em tudo, sou eu que a maior parte das vezes publico, quando estou em programas de televisão tenho alguém que o faz comigo, porque estou a apresentar e, portanto, para fazer de uma forma imediata não o posso fazer, mas sou eu que leio as mensagens, sou eu que respondo às mensagens, sou eu que analiso as pessoas para as quais trabalho e que são o meu objeto de estudo naquele momento. Portanto, eu sei o que é que ouço, eu sei o que é que leio há muitos anos. E eu sei que há muitas mulheres que leriam essa crónica, por exemplo, e que ficariam profundamente constrangidas porque não sabiam se estavam a fazer alguma coisa de errado ou não. E é só isso que eu não quero. Acho que cada uma de nós tem de ter essa perceção que podemos ter escolhas erradas, mas não fazemos nada de errado se estamos a tentar construir o nosso caminho em liberdade. Isto da liberdade é algo muito difícil de definir e eu acho que a estamos a pôr em causa a partir do momento em que não deixamos que ninguém se expresse às vezes contra a maioria, porque essa pessoa tem medo de ir contra a maioria. E muitas vezes, a história tem-nos ensinado - eu fui professora de História - que é quando estamos contra a maioria que nascem muitas vezes as melhores coisas.

E contra a expectativa da maioria, pelo menos na altura, em 2020, tu admitiste uma candidatura à Presidência da República uma vez. Ainda pensas ser presidente?

É algo que está muito distante da minha realidade de hoje em dia, devo confessar. Foi algo que, na altura, eu penso também pela forma como... eu gosto de política. Gosto muito de política. Tenho muita curiosidade em relação a tudo o que seja político, em relação aos políticos do nosso país e não só. E gosto muito de os conhecer e de conhecer o seu propósito. E de perceber de onde vêm, porque é que estão ali naquele lugar e [perceber] a forma como depois o exercem. E isso, de alguma forma, durante muito tempo, deixou-me ali, “será que é isto que eu um dia também gostaria de fazer?” Seja na política mais de proximidade, como uma presidente de Câmara Municipal, seja na representação maior da nação, que é ser Presidente da República. Se me perguntasses, algum dia tu pensarias ser primeira-ministra, eu dizia-te imediatamente que não. Sei que não tenho capacidades para o fazer, sei que não seria. Em relação ao cargo de Presidente da República, eu até ao dia em que morrer não te vou dizer que não vou ser candidata, porque não sei se o vou fazer ou não. Por muito que me digam... todas as coisas que possas imaginar. Por muito que questionem “quem é ela para algum dia pensar que pode vir a ser Presidente da República?” Mas uma coisa eu deixo-te aqui: se eu um dia me pensar em candidatar, se eu um dia fosse eleita, eu iria tentar ser a melhor Presidente da República deste país. Como também uma vez já disse no Web Summit e que ficou também guardado na memória das pessoas, se isto tudo acabasse um dia eu podia ir vender bifanas, mas eu ia ser a melhor vendedora de bifanas deste país. Porque não há nada em que eu me meta que não tente fazer da melhor forma que sei e fazê-lo de forma perfeita. E portanto, se fosse Presidente, seria na mesma medida.

E falavas sobre aquilo que gostas de fazer, de conhecer os políticos. Tens a consciência que todos os políticos querem ser entrevistados por ti? Quando há campanhas eleitorais, todos vão ao teu programa.

Tive essa perceção algumas vezes, quando percebemos que em períodos de campanha eleitoral, imediatamente as equipas recebem esse feedback de que gostaria de vir ao programa. Eu sei que a primeira entrevista, e a mais mediática de todas, foi a do primeiro-ministro já em exercício [à data António Costa], quando ele faz uma cataplana em direto num programa de televisão meu, e aquilo mexeu muito na altura com as cabeças. “Como é que é possível... um primeiro-ministro de avental, num programa da manhã, estar a ser entrevistado por alguém que supostamente não é jornalista e não teria essa possibilidade de fazer as perguntas, qualquer jornalista gostaria de fazer?” Eu acho que naquela altura se conheceu mais daquele homem do que muitas vezes em algumas entrevistas que são feitas por jornalistas em espaços de informação que o devem ser da forma como o são. Eu ali não vou fazer a entrevista da mesma maneira que tu farias uma entrevista a um primeiro-ministro. O objetivo não é esse. Não, e eu acho que os dois lados devem coexistir, porque é tão difícil nós conhecermos quem são as pessoas que nos representam, quem são as pessoas que estão ali para serem eleitas por todos nós, que eu quero saber. Se tem irmãos, o que fez com os irmãos? Em que escola andou? Quem foram os professores? Que notas tiveram? De que forma é que encararam a partida de alguém próximo? Porque isso diz muito da pessoa e alguns deles - na última campanha muitos deles choraram, se bem te recordas - são alvo depois de algum gozo por causa disso. Mas a pressão a que estão sujeitos leva a que naqueles instantes, quando ouvem alguém próximo a falar, que essas lágrimas caiam. E eu acho que se percebe quando alguém está a fingir ou quando alguém está a ser profundamente sincero. E é isso que eu pretendo nessas mesmas entrevistas. E eu acho que eles sentem, os que querem ser entrevistados por mim, que eu não estou ali com qualquer tipo de julgamento, eu só quero perceber que percurso é este que chegou aqui para ser candidato.

Qual dos candidatos é que gostavas mais de entrevistar? Candidatos à Presidência da República, não formalmente ainda apresentados como tal, mas dos nomes que se vai falando?

Olha, não sei. Nenhum deles me desperta até agora grande curiosidade e eu gostava muito que se chegasse àquela definição básica: pronto, agora são estes três ou estes quatro e eu gostava. Há alguns... o lugar é um lugar de profundo respeito. Por isso é que eu percebo as pessoas que se interrogam quando eu digo que um dia gostaria de ser. Mas também tens pessoas que te estimulam nesse sentido, ou que te estimularam. Eu acho que nós não podemos banalizar a ideia de que queres ser Presidente da República. E acho que no dia em que apresentas uma candidatura, tu tens de imediatamente mostrar o que é que tu queres fazer com aquela candidatura e que tipo de Presidente da República tu vais ser. Portanto, acho que é óbvio que o almirante [Henrique Gouveia e Melo] é alguém que todos nós queremos conhecer, até porque foi sempre muito reservado, nós sabemos muito pouco da sua vida. Eu gosto de pessoas que aparentemente são austeras, de tentar perceber se aquilo é mesmo de verdade ou não e se eu o consigo desmanchar. A ideia de desmanchar um político é algo que me agrada em diversos sentidos, seja nas posições que tem, nos discursos que tem, ou seja até nessa sua austeridade que às vezes cai por terra.

E aí consegues identificar-te… ou seja, também em alguns momentos da tua carreira tiveste de te apresentar de uma forma mais austera como proteção?

Acho que todos temos esses momentos em que precisamos de mostrar ao outro algum tipo de poder, algum tipo de seriedade, algum tipo de “eu não estou aqui a brincar”. Mais ainda quando és mulher, definitivamente, mais ainda quando és uma mulher nova, quando te vestes de uma forma que não é estereotipada em relação às mulheres que estão em conselhos de administração ou que estão em cargos de liderança e quando dizes coisas que às vezes não são expectáveis. E eu sei que às vezes... sabes a ideia do salto alto ou dos ténis? Às vezes vais com o salto alto e com o fato para que percebam que estás ali de uma forma séria. E eu gostava cada vez mais que isso não fosse olhado dessa forma. E por isso mesmo vou a muitas reuniões de conselho de ténis. Porque isso não muda nada na forma como eu ali estou. E por isso mesmo acho que... eu tive uma entrevista há muito pouco tempo com a Helena Sacadura Cabral em que ela me dizia que gostava muito que as mulheres tentassem não ser homens. E eu acho que é isso que nós todas devemos fazer. Nós somos mulheres, como os homens são homens, e por isso mesmo a única coisa que devemos ser na vida é mulheres sem tentar ser homens.

Se eu te perguntar, do ponto de vista político, se és de esquerda ou de direita, o que é que me respondes?

Eu acho que nunca o disse em televisão e, portanto, esta é a primeira vez que o vou fazer. Eu sou naturalmente de uma família de direita, embora eu acho que tenha, ao longo do meu percurso, recebido muita influência de esquerda. E por isso mesmo eu sou aqui esta mistura que não sei muito bem definir.

Pões-te na direita ou na esquerda?

Põe-me na direita.

E porquê? O que é que na ideologia e no projeto político da direita corresponde mais à tua própria visão que tens para o país?

Eu acho que tem muito que ver com a visão económica da direita, devo confessar, que sempre foi talvez aquela que foi mais falada. Nós somos fruto daquilo que vivemos na nossa infância, não tenho dúvida nenhuma. Acho mesmo que nos definimos enquanto pessoas nos nossos valores, que podem vir a ser alterados, até aos nossos oito, nove, dez anos. Fruto do que observamos, fruto do que ouvimos, e eu sempre fui muito de ouvir. Eu venho de famílias humildes, que não são de grandes empresas, que não são de nada disso, mas ouvi-os sempre falar muito de economia. Ouvi-os muito sempre falar destes temas e sempre viraram muito mais à direita. E, portanto, acho que isso é um registo que me vem da infância e desses valores que eu notei no meu pai, na minha mãe, num tio, em alguém que me é muito próximo. Diz-se que eu acho que a política é um bocadinho como o futebol. Quando tu tens uma família inteira que é do Benfica, tu podes querer ser a ovelha ronhosa e ser do Sporting, mas fica-te sempre ali alguma coisa do Benfica.

A política é necessariamente uma área de poder. Acho que pode dizer-se que a televisão também, até porque os próprios políticos, como já conversámos, procuram a exposição mediática. Sentes que, de alguma forma, que ter poder em televisão, que é o que tens neste momento, é difícil?

Não. Se soubermos usar é a coisa mais prazerosa e fácil de fazer televisão. Porque é tu saberes que a tua voz e a forma como fazes uma pergunta ou dás a tua opinião pode fazer a diferença no espectador que está do outro lado. Eu não tenho nada a ideia de que a televisão tem de ser educativa. Nunca tive. Eu sei que esta foi sempre uma opinião minha de alguma forma controversa. Eu acho que, como num restaurante, todos temos um menu. A TVI sei que tem um menu. A RTP tem um menu. E tu vais ao restaurante que queres no dia que queres e escolhes o teu menu. Há dias em que tu sabes que aquilo te vai acrescentar alguma coisa, que estás a contribuir para ser uma pessoa saudável, porque escolheste o prato mais saudável. Há dias em que tu vais porque queres mesmo comer o que te engorda. E, portanto, a pessoa é livre de escolher o programa que não lhe traz absolutamente nada, a não ser “estou a ver isto. Isto tem alguma graça”. Ou queres-te informar e escolhes o programa que te pode vir a dar isso. A televisão tem um poder imenso.

Mas tens essa responsabilidade, ou seja, quando dizes que a televisão não tem obrigatoriamente de ser educativa, há um risco de entorpecer as audiências com aquilo que nós produzimos?

Não. Eu sei que, por exemplo, os reality shows são programas que são olhados com algum descrédito e algum desdém até por algumas pessoas no sentido de que género de formato é este que só estupidifica as pessoas. Eu tenho a opinião exatamente contrária. Que género de programa é este em que eu me posso ver ali? Em que eu me posso refletir naquela pessoa que está ali dentro, sem nunca ninguém ter perceção do que é. Mas eles vão um bocadinho mais além, ou seja, os reality shows têm uma parte de jogo, de intriga, de discussão. E o que é a nossa vida? Isso reflete a nossa vida. Não é um jogo diário em que todos nós andamos... a enfrentar, seja quem for, seja no trabalho, seja na família, seja onde quer que seja, talvez com menos pressão, porque eles ali sabem que estão a ser vigiados, eles ali sabem que estão a ser... e eu até tenho alguma pena de que nos últimos tempos, com algum receio dos tais cancelamentos, como se costuma dizer, que as pessoas se coíbam, eu não sou nada a favor de violência nem de comportamentos agressivos, e aliás quando eles existem são imediatamente penalizados por uma equipa inteira que gere pessoas. E aquelas pessoas, tu podes dizer “que horror, quem são aquelas pessoas?” É o teu primo, é o teu irmão e és tu quando estás naquela situação.

E esse receio do cancelamento é porquê? Porque hoje em dia há um excesso politicamente correto, é isso?

Porque ninguém suporta que o outro não goste dele. Porque ninguém suporta que o outro tenha uma opinião que não seja favorável em relação a ti. Andamos todos à procura de aprovação. Andamos todos à procura que digam “és o maior, gosto muito de ti, revejo-me muito em ti”. Se alguém diz que o que tu fizeste é péssimo, tu tens dificuldade em colocar-te nesse papel de “eu errei”.

Mas tu também, com o percurso que tens, ainda procuras também essa aprovação externa?

Confesso que não. Procuro a minha própria aprovação diariamente. E eu sou a pessoa mais difícil de me agradar, confesso. Porque sou, não sei se é - os signos podem ser para aqui chamados, embora haja muita gente que não acredite nisso - o meu lado perfecionista que dizem que os virgens têm que me leva a isso, à tentativa de não errar, quando isto contradiz, às vezes, um discurso que eu já tive que é “deixem-me errar”. Porque quando tu atinges determinado patamar, ou que as pessoas entendem que já é um patamar elevado dentro da classificação de uma empresa ou daquilo que é olhar para uma mulher na sociedade, não te permitem errar. E aquilo que te leva a evoluir é tu fazeres e errares. Não tenho dúvida nenhuma que é no erro que tu aprendes mais.

E qual foi o teu maior erro até hoje?

Não tenho nenhum, sabes? Eu errei. Mas se me perguntares qual foi aquele erro que tu hoje mudarias porque te trouxe muitos dissabores, não há nenhum. Eu entendo, por exemplo, que para algumas pessoas foi um erro tremendo a minha passagem da SIC para a TVI na altura em que eu vim.

E para ti não foi?

Não foi. E há uma frase que eu usei várias vezes, quando depois, com o processo em tribunal e com tudo aquilo que saía na imprensa e os valores que eram avançados, eu disse muitas vezes, nos olhos até de pessoas que me amam profundamente, nem que eu tivesse ficado sem nada, aquela foi a minha escolha.

Mas questionas-te sobre este tema, se houve justiça em relação a ti, porque o processo terminou, houve acordo, os valores não são, nem nunca serão divulgados, mas no fim sentes que foi justo para ti?

Para mim é óbvio que não foi. Não foi justo sequer o processo ter existido, devo-te confessar. Porque houve da minha parte, desde o início, uma assunção e uma vontade de cumprir aquilo que estava estabelecido e, portanto, eu sinto que dessa forma eu teria honrado todos os meus compromissos. Depois, porque não há nenhum outro processo que tenha existido em relação a isto e depois, porque muito recentemente, quando foi a transferência do Ruben Amorim, eu revi-me muito nas reações e naquilo que foi dito em relação a um homem que no futebol decide quebrar um contrato no local onde toda a gente diz que ele estava a ser incrível. Num sítio onde era impossível ele não estar feliz e ele muda. E aquilo que disseram é “que grande treinador, ele vai à procura do que é o melhor para ele e do que quer para ele”. Sabes quantas pessoas disseram isso em relação a mim? Muito poucas. E por isso é nesses dias que tu olhas e percebes que ainda há uma diferença entre áreas da sociedade, que ainda há uma diferença entre ser homem e ser mulher. E eu, para o bem e para o mal, sou uma das mulheres mais mediáticas deste país. Culpa minha também, por muitas das coisas que fui fazendo ao longo do percurso. Eu quis ser notada, muitas vezes, outras não fiz para o ser e acabei por ser. Mas há um percurso.

Algumas pessoas com quem eu fui falando para me preparar para esta entrevista disseram - confirmarás se é verdade ou não - que tu já na faculdade tinhas um dossier completamente cheio de ideias de programas. Isto é verdade?

É. Eu, das coisas que mais gosto de fazer é inventar. criar. E acho que tenho essa capacidade, esse dom natural. E quando, imagina, uma viagem, eu neste momento eu sei que há quem não entenda o porquê de às vezes ter de sair do país para ser Cristina. Só vivendo na minha pele é que conseguiriam perceber, porque eu vou hoje em dia comprar batatas e eu tenho pessoas a olhar para ver se eu levo um quilo de batatas, dois quilos de batatas ou de que forma é que eu escolho as batatas. E esse olhar constante dos outros não te permite viver assim. E o ir para fora faz-me andar de avião e faz-me ser a Cristina só. Quando alguém me pergunta como é que se chama e o que é que faz, tu não imaginas a felicidade que isso me traz. Quando estou nessa área de ser Cristina só, é quando eu tenho as minhas melhores ideias. É quando eu estou livre, sabes? E por isso mesmo eu gosto muito de o fazer. E toda a gente das equipas com quem eu trabalho, quando eu viajo, dizem, “pronto, lá vai ela”. Porque já sabem, quando eu regresso, eu vou voltar cheia de vontade de fazer. Eu leio uma revista, eu leio uma Visão, leio uma Sábado… eu acabo de a ler e tu podes não acreditar, mas eu tenho 20 ideias diferentes para introduzir no programa da manhã, numa novela, no que quer que seja. A estética a mim traz-me muito. Coisas bonitas, ou que eu entendo como bonitas, porque isto da arte tem muito que se lhe diga, a mim inspiram-me muito e são essas coisas, o que eu vejo, o que eu sinto. Eu ontem fui ver a peça da Cláudia Raia, por exemplo, que fala sobre a menopausa. E eu saí de lá cheia de coisas na minha cabeça, que eu sei que um dia eu vou introduzir de alguma forma em televisão. E, portanto, isto é tão natural que às vezes a história do “és uma idiota porque estás sempre cheia de ideias” é minha e há muito tempo. Eu fazia trabalhos de grupo que eu sei que se apresentavam aos outros completamente diferentes daqueles que as pessoas faziam.

E provavelmente é por isso que as pessoas com quem eu falei ainda se lembravam de trabalhos em que tu tiravas... não posso revelar as minhas fontes. Mas há uma pressão permanente. Desde que fiz este convite, fui fazendo a minha pesquisa e todos os dias há notícias sobre ti.

Todos. Todos os dias. E as pessoas não têm noção disso. As pessoas sabem que se fala muito de mim. As pessoas sabem que todos os dias alguém está a falar de mim.

Eu tinha essa ideia, mas coisa diferente é de repente perceber que há dez, 15 ou 20 notícias por dia...

Não te assustaste um bocadinho?

Assustei-me um bocadinho, confesso…e dificultou-me bastante a preparação da entrevista… mas é assustador.

Agora pensa: não és a Cristina. Agora imagina o que era se vivesses a olhar para isso tudo todos os dias ou se vivesses condicionada por tudo aquilo que dizem em relação a ti. Eu se um dia juntasse tudo o que já foi dito sobre mim, tudo o que já foi escrito sobre mim e fizesse uma exposição e às vezes até com o que foi dito num dia e o que foi dito no outro eu acho que as pessoas se iriam impressionar tanto com aquilo que já se fez em relação a mim e aí eu sinto muita injustiça na forma como não posso, em tribunal, defender-me porque sou figura pública. Aí eu sinto muita injustiça. Porque tu hoje podes-te sentar numa cadeira em televisão a dizeres o que quer que seja sobre mim, e não acontece nada. E essa pessoa continua a falar sobre ti. E isso é a mais profunda injustiça. Agora eu tenho clipping. Todos os dias eu sei tudo o que escrevem tudo sobre mim. Se eu te disser que não o abro há quase um ano, é mesmo verdade.

E isso é pacificador…

Muito.

Consegues viver com o que se escreve sobre ti?

Há coisas que me chegam. É inevitável. As pessoas, ainda agora neste lançamento, as pessoas mandavam todos os reels, tudo aquilo que se escrevia. E eu, como vejo as mensagens todas, é impossível. Alguns eu nem sequer abri. Eu sabia que não valia a pena.

Disseste numa entrevista “incomoda-me a maldade e o mau profissionalismo, ao ponto de em certas reportagens colocarem declarações minhas sem nunca terem falado comigo”. Isto foi em 2009. Estamos em 2025. Já era assim nessa altura?

Sim. E agora está pior. Certo, sendo que eu, quando me fizeste este convite, eu disse que não gosto muito de falar nem de dar entrevistas por isto. Porque eu sei que tudo o que já falámos até agora vai estar durante um mês a ser título... em algum site, em alguma imprensa, no que quer que seja. E vai sê-lo muito mais vezes enviesado de forma que se goze com a Cristina, que continua a dizer que um dia pode vir a ser Presidente. E isso, essa maldade fina, sabes? Essa maldade de te destruir, porque eu acho que isso é uma característica muito nossa e lamento ter de o dizer, mas acho. A felicidade dos outros corrói, causa inveja. Causa porque tu, quando não consegues aquilo que vês o outro a conseguir, não é porque tu não és bom. Tu interrogas é o porquê dessa pessoa ter conseguido e tentas arranjar algo que lhe mine essa felicidade. E isso é que me causa alguma apreensão no futuro, sabes? Porque eu acho que está tão disseminada a maldade que aquilo que se faz hoje em dia em sites que eu não considero imprensa, mas que... mas descrevem e têm uma divulgação gigantesca. É que essa incapacidade de discernir o que é que me apresentam à frente e eu julgo algo sem ter ido investigar primeiro, se aquilo que me estão a dizer é verdade ou não. Eu temo mesmo muito pelo futuro das próximas gerações e temo muito também pelo futuro da imprensa, embora eu ache que as pessoas lúcidas e com discernimento vão continuar a perceber onde é que está o jornalismo bem feito, a investigação bem feita e vão à procura dela.

Mas consideras que foste de alguma forma, e que o criticismo que existe por vezes em relação a ti ainda vem de uma campanha que um grupo de comunicação social fez contra ti?

Não tenho dúvida nenhuma.

Ainda é isso?

Ainda é isso. E como é que se vira a página disto? Nem sequer olhar para isso. Continuares a viver sabendo de... eu sei da minha honestidade. Eu sei da minha honra. Eu sei aquilo que faço todos os dias. E também sei que os que todos os dias comigo trabalham sabem exatamente quem é que eu sou. Eu não posso nunca desejar que alguém que tenha apenas uma perceção, eu digo isto muitas vezes: quem está do outro lado tem apenas uma perceção sobre mim. Não me conhece. Não sabe como é que eu acordo. Não sabe em que é que eu penso à hora de almoço. Essa pessoa pode ter a perceção que quiser. Eu não a vou mudar. Eu não vou mudar. Para te dar um exemplo, na altura da minha mudança, eu olhando para os comentários que as pessoas me escreviam, eu tinha pessoas que me escreviam há dois anos. “Adoro a Cristina, a Cristina é a maior, que bem que esteve nesta entrevista”. Naquele dia, e a partir daquele dia, os comentários passaram a ser completamente contrários. “A Cristina é isto, a Cristina é aquilo”, como é que é possível chamar-me todos os nomes? O livro que eu acabei por lançar depois que levei à Assembleia da República tem um título que me foi dito muitas vezes. E tu percebes o que é que aconteceu à cabeça daquela pessoa para no dia anterior dizer que tu és uma inspiração e que gosta de ti e neste dia, porque tu fizeste uma escolha na tua vida, dizeres que tu és a pior pessoa do mundo.

É o quê? O que é que a levou a chegar ali?

E muitas notícias, muitos títulos foram feitos, incluindo, por exemplo, a dos MILHÕES?? que me foram pedidos na altura, para que existisse essa vontade das pessoas dizerem “como é que é possível ela ter feito isto”.

Mas isto tem custos para ti? Ou já teve, eventualmente?

Eu pago as minhas contas todas. Todas. Nunca ficarei a dever nada a ninguém.

Sobre isso, a revista, um projeto que chegou ao fim, fizeste esse anúncio há pouco tempo e sempre disseste, também fui ver entrevistas em 2017, em que já dizias, se correr mal, fecha-se, abre-se outro. Mas recentemente escreveste que houve parceiros da revista que ficaram com o vosso dinheiro e que um dia falarias sobre isso. É o momento para falar sobre isso. O que é que aconteceu?

Não é, digo-te só uma palavra, ou uma frase: há insolvências que se abrem porque se dão jeito.

Estamos a chegar ao fim. Tu quiseste ser jornalista...

Sim.

E entraste aqui com esse objetivo em primeiro lugar.

Fiz o meu estágio na RTP primeiro, no programa que se chamava Regiões e que ainda hoje existe, é o Portugal em Direto. E quando vim para aqui já tinha feito o curso de apresentadora e já tinha percebido que o jornalismo era tão sério que eu não poderia brincar muito, nem com as palavras nem com as imagens. E eu queria fazê-lo.

Foi isso que te desviou?

Foi, foi isso. Foi o facto de eu gostar de poetizar as coisas, eu gostar de brincar muitas vezes com a imagem e com as palavras e eu sentia que, para ser jornalista, não o poderia fazer. E como o meu feitiço se adequava mais à área do entretenimento, eu percebi que poderia ser muito melhor ali do que enquanto jornalista.

E já pensaste alguma vez para contigo própria “como é que eu consegui chegar até aqui?” Isto não é uma bajulação, é um facto. Chegaste longe, bastante longe, onde provavelmente muitas pessoas que hoje estarão a fazer o seu curso de apresentadores estarão a pensar que também querem chegar ali. Tu, quando chegas a casa à sexta-feira, fazes esta reflexão, de facto, como é que isto foi possível?

Às vezes ainda me parece um bocadinho, porque eu acabei por não procurar muito, sabes? Eu não fui, eu fui fazendo o curso, agora há um curso daqui, faz, agora há isto. A única coisa que eu fiz foi não perder nenhuma oportunidade que tive na vida. Eu acho que foi isso que me fez chegar aqui e depois ter muita paciência. Há uma coisa que as pessoas não sabem em relação a mim, é que eu tenho muita paciência e eu acho que também nunca disse isto, mas eu quando fui chamada para ser colega do [Manuel Luís] Goucha estava aqui há meses e aquela era a oportunidade de vida de qualquer pessoa. E dizem-me para ser co-apresentadora com o Goucha. E eu disse que “se for para ser boneca eu não venho”. E eu acho que aí marquei a minha posição. E durante um tempo eu fazia exatamente o mesmo que o Goucha. E o Goucha ganhava dez vezes mais do que eu. Éramos os dois já os apresentadores daquele programa. Eu dou isto muitas vezes como exemplo a algumas pessoas que chegam e querem estar no cimo da montanha. Para chegar lá, tu tens de fazer o caminho todo. E às vezes tens de ter muita paciência. Se trabalhares... este é o único conselho que eu dou sempre a toda a gente. Se trabalhares, se confiares em ti e se quiseres aprender todos os dias, tu chegas lá. Não há ninguém que te impeça, sejas homem ou mulher. Por isso é que eu digo muitas vezes, não sou a favor de quotas, e isto pode ser polémico, mas eu acho que cada uma de nós só não consegue o que não quer.

Mas tens sonhos ainda por concretizar? Profissionais? Pessoais?

Não, só isto de fazer. Só isto de pensar num projeto e “bora lá, malta, vamos fazê-lo”. Eu sei que já deixei marca, de alguma forma, na comunicação. É impossível tu falares destes anos de televisão e não meteres lá o meu nome se um dia falares. Será esse o meu objetivo? Não. Eu gosto muito de ser reconhecida. Eu já disse uma vez, se um dia alguém escrever na minha lápide alguma coisa, que seja, “ela ousou fazer diferente”. É a única coisa que eu gostava que se escrevesse, porque eu acho que a diferença nos desassossega, a diferença incomoda, mas a diferença faz evoluir.

Última pergunta. Ainda sabes onde estão as estacas?

Estão no sítio, que é curioso, onde a própria autarquia da minha Câmara Municipal deixou lá uma placa e curiosamente na placa não tens nem que eu sou apresentadora, nem que eu sou administradora, nem que eu sou diretora, nada. Daqui a 100 anos quem olhar para aquela placa não sabe o que eu fui na vida, mas diz só “malveirense de coração”, porque eu nunca me vou esquecer do sítio de onde vim.

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