Quem é o treinador que quer fazer Cristiano Ronaldo feliz?

3 jan 2023, 23:57
Rudi Garcia (LUSA)

Filho e neto de espanhóis fugidos da Guerra Civil, nasceu em França, mas confessa-se um apaixonado por Espanha, pelo tiki-taka e por bons jogadores. Na Roma fez com Totti uma parceira de sucesso durante dois anos e em França recuperou o bom futebol de Balotelli. O desafio é agora fazer o que Rangnick e Ten Hag não conseguiram. A avaliar pela primeira amostra, pelo menos parece ter percebido que Ronaldo não é um jogador como os outros.

Sentado ao lado de Cristiano Ronaldo na cerimónia na sala de imprensa do Al Nassr, o francês Rudi Garcia bateu três vezes palmas ao discurso do jogador, sorriu frequentemente e assumiu uma posição conciliadora: o que ele quer, garantiu, é tornar o português feliz.

Nada disto é verdadeiramente novo, porém.

Rudi Garcia já o tinha dito antes, numa entrevista ao jornal As. Na qual, curiosamente, revelou que até tinha estado perto de orientar o português em 2021, no Manchester United.

«Acho que qualquer treinador estaria encantado por treinar uma grande estrela como Cristiano Ronaldo. Em novembro de 2021 já estive muito perto de o fazer, quando pude ir para o United. Cheguei a ter duas reuniões com John Murtough e Darren Fletcher, mas no final eles escolheram Ralf Rangnick. Estive muito perto e estava muito motivado para ir.»

Ora esta abertura e esta disponibilidade para compreender a especificidade do que significa orientar Ronaldo marcam claramente uma rutura com o passado.

Tanto Ralf Rangnick como Erik ten Hag falharam redondamente em fazer o português feliz. Ambos quiseram torná-lo uma peça a mais dentro da máquina, capaz de responder aos mesmos direitos e deveres de todos os outros, o que criou um ambiente difícil no balneário.

Rudi Garcia parece ter percebido que Ronaldo não é um jogador igual aos outros, sobretudo num país como a Arábia Saudita, e mostra estar disponível para criar o ambiente certo.

«Na minha vida tenho visto que os grandes, grandes jogadores como Ronaldo são os mais fáceis de treinar», disse agora na apresentação.

«Não tenho nada para lhe ensinar, estamos aqui para partilhar ambos conhecimento. O meu objetivo é fazê-lo feliz. Quero que o Cristiano tenha prazer em jogar e ganhar no Al Nassr.»

Tudo certo, tudo muito bonito, mas quem é afinal Rudi Garcia?

Neto e filho de espanhóis, nasceu em Nemours, a 80 quilómetros de Paris, para onde os avós tinham emigrado, como tantos conterrâneos, para fugir à Guerra Civil Espanhola. Com seis anos de idade apaixonou-se por Espanha e todos os anos faz férias na praia de Garrucha, na costa de Almería, de onde os avós eram naturais.

A influência espanhola marcou-o tremendamente e Rudi Garcia deixou-se fascinar pela cultura do país, naquela que é uma semelhança com Cristiano Ronaldo, aliás. Ficou célebre um vídeo do francês a cantar o El porompopero no balneário da Roma, por exemplo.

Filho de um treinador, cresceu num clube pequeno e jogou futebol durante... nove anos

Para além da cultura, também o futebol o influenciou.

Rudi Garcia passou vários meses em Espanha, no final da formação como treinador, a beber conhecimento do modelo castelhano. Começou por fazer um estágio no Valencia, depois passou algumas semanas entre Real Madrid, Racing Santander e Real Sociedad. Inspirou-se no tiki-taka e tornou-se um treinador de ataque. No Lille e na Roma, aliás, várias vezes foi comparado a um mini-Guardiola, o que ele sempre disse ser um exagero: o Barcelona de Pep, garantia, era demasiado complexo para poder ser replicado por outra equipa.

O que é certo é que também ele é apaixonado por bons jogadores.

Já elogiou em várias entrevistas a qualidade do tridente Busquets-Xavi-Iniesta no Barcelona e no currículo conta com a projeção de vários jovens de grande talento: Hazard, Aubameyang, Gana Gueye, Origi, Sidibé, Lucas Digne, Pellegrini, Romagnoli, Emerson Palmieri, Leandro Paredes, Anguissa, Kamara, enfim, a lista é longa.

Rudi Garcia é, de resto, um homem do futebol e que praticamente cresceu no futebol. Isto apesar de dever o nome Rudi a um ciclista: o alemão Rudi Altig, de quem os pais eram fãs.

Ora o pai, precisamente, José Garcia, foi jogador do Dunquerque e posteriormente treinador do modesto Corbeil-Essonnes, clube no qual inscreveu o filho quando era apenas criança. Rudi Garcia cresceu a jogar futebol no Essones. A carreira começou verdadeiramente em 1983, quando assinou contrato profissional com o Lille, e acabou nove épocas depois, devido a várias lesões nas costas e nos joelhos. Rudi Garcia tinha então 28 anos.

O francês pendurou as botas, foi tirar uma licenciatura em Educação Física e treinava por carolice o modesto Corbeil-Essonnes, o tal clube onde crescera durante a formação.

«Aprendi com Totti na Roma que os grandes jogadores são os mais fáceis de treinar»

Quatro anos depois, e já com o canudo na mão, tornou-se preparador físico do St. Étienne.

A partir daí foi sempre a subir. Houve um dia em que o treinador principal ficou doente e Rudi Garcia orientou a equipa até final da época. Desceu de divisão, é verdade, mas nunca mais voltou a ser adjunto. Le Mans, Dijon e por fim o Lille, que conduziu a uma histórica dobradinha em 2011. Foi duas vezes eleito o melhor treinador francês.

Transferiu-se então para a Roma, que conduziu a dois segundos lugares, antes de ser demitido no terceiro ano. Em Itália experimentou a aventura de treinar uma estrela planetária: Totti.

É verdade que no último ano as coisas não correram bem, o eterno capitão da Roma chegou a revoltar-se após ser substituído num jogo com o Torino, mas nas duas primeiras épocas foi uma parceria de sucesso. Após a saída do treinador, ambos teceram elogios mútuos.

«Quem mais me surpreendeu foi Rudi Garcia. No início temi que não tivesse força para o campeonato italiano, mas quando chegou teve um impacto extraordinário. Ele não media as palavras, nem externamente nem internamente. Toda a gente sabia como era, quando ele falava ou era branco ou era preto. Com ele não havia dúvidas», referiu Totti.

Mais tarde, no Marselha, orientou outra grande estrela, Mario Balotelli, com quem estabeleceu uma forte ligação. O italiano teve aliás meio ano de grande fulgor no clube.

«É um excelente treinador, é compreensivo e isso é muito importante. Outros técnicos não tentam entender seus jogadores, mas ele é diferente. Senti-me imediatamente parte da equipa», garantiu Balotelli.

Mesmo as estrelas em final de carreira que pouco jogaram com ele, como Patrice Evra no Marselha ou Ashley Cole na Roma, nunca deixaram de ser defendidas pelo francês. O treinador foi talvez a pessoa que mais apoio mostrou a Evra depois do pontapé num adepto do próprio clube, em Guimarães, que acabou por significar a rescisão de contrato.

Agora é a vez de Cristiano Ronaldo, a maior de todas as estrelas, um ícone do desporto, que Rudi Garcia espera poder ajudar como Rangnick e Ten Hag não fizeram. Pela primeira amostra, o francês parece contente. Para o futuro, diz trazer a experiência como exemplo.

«Aprendi com Totti na Roma que os grandes jogadores são os mais fáceis de treinar. Porque são inteligentes.»

 

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