Cinquenta minutos a olhar para Ronaldo e a ficar com saudades do que vivemos

11 dez 2022, 09:45

Naquele que foi seguramente o último jogo num Mundial, Cristiano portou-se como um capitão: foi a todas as bolas, pressionou adversários, puxou pelos colegas e tentou dar o exemplo. Nunca reclamou com os companheiros e não teve um gesto de desagrado. Assistiu para a melhor ocasião de golo da Seleção, rematou para uma boa oportunidade e no fim saiu de campo em lágrimas. Portugal, esse, ficou de coração apertado.

Só um coração de pedra conseguirá ficar indiferente à imagem de Cristiano Ronaldo a sair de campo lavado em lágrimas. Sobretudo se for um coração português.

Aquela caminhada até aos balneários, com a cara escondida entre as mãos e o choro a cair-lhe pelo rosto, até pode não ser um ponto final, ainda não se sabe exatamente, mas encerra em si mesma muitas das maiores alegrias que a Seleção Nacional já nos deu.

Com Ronaldo fomos campeões europeus. Com Ronaldo nunca falhámos uma grande competição. Com Ronaldo tivemos noites verdadeiramente memoráveis: aquele play-off na Suécia, por exemplo, ou o jogo de abertura do Mundial 2018 frente à Espanha.

Com Ronaldo, enfim, alimentámos os maiores sonhos, conscientes de que tínhamos um fora-de-série entre nós. E a partir daí tudo podia acontecer. Se calhar nem sempre tivemos essa noção, mas a maior herança que o capitão nos deixa é provavelmente essa: a capacidade de sonharmos os maiores sonhos, a ambição de sermos tão grandes quanto os maiores.

Quem tem mais de quarenta anos sabe como isso foi uma conquista tremenda.

Este sábado Cristiano Ronaldo chorou, provavelmente por saber que o futebol já não lhe vai devolver o muito que ele lhe deu: o supremo orgulho de ser campeão do mundo.

Chorou porque se despediu dos Campeonatos do Mundo com uma derrota muito dura, frente a um adversário claramente inferior, sem conseguir sequer colocar Portugal entre as quatro melhores seleções do mundo. Para quem sempre andou no topo, deve ser mais difícil.

Um verdadeiro líder durante cinquenta minutos, um exemplo para todos

Curiosamente, o capitão até fez tudo para que fosse diferente.

Começou o jogo no banco, entre em campo aos 51 minutos e portou-se com um verdadeiro líder. Portou-se enfim como aquele Ronaldo que nos orgulha tremendamente.

Numa altura em que as capacidades físicas já não lhe permitem enlouquecer-nos como fez durante quase duas décadas, ele respondeu com uma atitude louvável em todos os momentos.

A primeira imagem que a transmissão nos mostrou, aliás, é de Ronaldo a gritar incentivos a Cancelo. Depois correu para dentro do relvado, bateu palmas e incentivou os restantes colegas.

O capitão entrou totalmente focado em ser parte da solução e disposto a dar tudo por isso.

Aos 52 minutos, por exemplo, fez um sprint a fugir para a esquerda, recebeu de João Félix e cruzou, mas muito chegado ao guarda-redes. Aos 54 minutos surgiu com espaço para rematar, numa posição mais recuada, Dalot preferiu tentar servir Gonçalo Ramos à boca da baliza.

Pouco depois recebeu na área de Otávio, tentou ganhar espaço para rematar e perdeu a bola, logo a seguir procurou o segundo poste para finalizar, mas Dalot tentou a finta e a bola não saiu, uns instantes depois desceu para apoiar a construção, recebeu de Otávio e abriu de primeira em Bruno Fernandes, para um cruzamento perigoso.

Em dez minutos, Ronaldo entrou cinco vezes em jogo.

O avançado estava sempre em movimento, desceu para pressionar adversários, tentou ser um exemplo para os companheiros num momento em que só podia pensar-se no bem comum.

Um jogo inteiro sem reclamar com um colega, sem um gesto de desagrado

Portugal estava nesta altura na melhor fase, aliás, em cima do adversário, a tentar por todos os lados chegar à baliza de Bounou. Ronaldo caiu na esquerda para combinar com Félix e ganhou um lançamento. A seguir recebeu uma bola difícil, dominou, tentou progredir e sofreu falta.

Aos 68 minutos Bruno Fernandes assistiu de trivela, Ronaldo tentou e não conseguiu chegar. Pouco depois recebeu um passe difícil de Vitinha, não dominou e fez um sprint a pressionar o guarda-redes.

Em nenhum momento, aliás, reclamou com um colega ou fez um gesto de desagrado.

Aos 72 minutos, por exemplo, o cruzamento de Dalot saiu muito longo e Ronaldo incentivou o colega com o polegar levantado.

Exemplar.

Metido entre os centrais, o capitão foi a quase todas as bolas, batalhou sempre pela posse, nunca virou a cara à luta. Aos 76 minutos João Cancelo cruzou, Ronaldo lutou entre os centrais e a bola quase sobrou para Félix. Aos 81 minutos recebeu na área de Ricardo Horta e amorteceu para um remate de Félix que obrigou Bono a enorme defesa.

A melhor oportunidade de Portugal em todo o jogo.

Cristiano Ronaldo continuou a trabalhar, a querer mais, a incentivar os colegas. Aos 90 minutos teve a oportunidade dele: o momento para ser Ronaldo. Fez uma diagonal a pedir a bola, Bruno Fernandes meteu a bola no espaço certo com grande talento, o capitão fugiu entre os dois centrais adversários e rematou cruzado para grande defesa de Bono.

Até que aos 97 minutos, quando Pepe falhou a última oportunidade, fechou os olhos e virou a cabeça para o céu. Logo a seguir o árbitro acabou o jogo e Ronaldo dirigiu-se para os balneários. Sempre com os olhos no relvado. No meio do caminho começou a chorar.

No túnel desabou em lágrimas e Portugal ficou de coração apertado. Mesmo que não seja o ponto final, é seguramente o fim de um parágrafo que não se repete.

Obrigado por tudo, Cristiano. Obrigado por tanto.

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