Combater a corrupção "sem avaliar se há proporcionalidade entre as provas e o impacto que terá ao transformá-la num espetáculo público não aumentará a eficácia" da justiça, escreve hoje o jornal espanhol El Pais.
“La estabilidad política asociada desde 2015 a la figura de António Costa se hizo añicos”. Podemos traduzir “se hizo añicos” como “foi feita em pedacinhos”, “foi desfeita” ou “foi destruída”, mas todas as formas significam o mesmo. Que, vista de Espanha, a atual crise política em Portugal aniquilou “a estabilidade política associada desde 2015 à figura de António Costa”.
A frase consta da opinião editorial de hoje do El País, porventura o jornal espanhol que mais assiduamente tem acompanhado a situação política desde que António Costa pediu a sua demissão.
Intitulado "Verdade e justiça em Portugal", o artigo sublinha o facto de a gravidade das suspeitas do Ministério Público - "que em Portugal tem mais autonomia e poderes do que em Espanha" - ter sido "desvalorizada pelo juiz" de instrução e defende que a controvérsia "deve ser esclarecida o mais rapidamente possível".
"É verdade que a sua maioria absoluta, com quinze demissões entre ministros e secretários de Estado, foi convulsiva, mas o país tinha vivido recentemente um ciclo de acalmia institucional e de respeito internacional que colocava o seu primeiro-ministro em muitas pools para cargos importantes na União Europeia", afirma o artigo. Mas, agora, Costa foi "afastado de qualquer carreira política até que a Operação Influencer seja encerrada". E o tempo "não deverá ser curto", até em face da experiência noutros processos judiciais, "como o do ex-primeiro-ministro José Sócrates, aberto desde 2014".
"Apesar de ser a principal vítima, o Partido Socialista mantém um perfil pouco crítico em relação ao Ministério Público", sublinha o El Pais, ressalvando que "o mais contundente tem sido o presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva".
Questionando "o rigor da investigação e a forma como esta veio a lume", a partir do facto do facto do juiz de instrução ter desferido "um rude golpe na acusação, ao esvaziar o processo", o El Pais determina: "A luta contra a corrupção é uma obrigação da justiça em qualquer democracia, mas fazê-la sem avaliar se há proporcionalidade entre as provas e o impacto que terá ao transformá-la num espetáculo público não aumentará a sua eficácia e, além disso, arrisca-se a ser injusta se puser em causa a presunção de inocência."
O jornal espanhol conclui: "Este caso necessita de uma investigação rápida e rigorosa para que, na medida do possível, no dia 10 de março, os portugueses se apresentem às urnas com toda a informação nas suas mãos".