Furtos, violência doméstica, criminalidade grupal e juvenil, violações, crimes relativos à imigração: o que nos diz o Relatório Anual de Segurança Interna sobre a evolução destes crimes nos últimos anos em Portugal
A criminalidade violenta e grave aumentou 2,6% no ano passado em relação a 2023, com 14.385 crimes registados, enquanto a criminalidade geral desceu 4,6% ao registar 354.878 participações, segundo o Relatório Anual de Segurança Interna (RASI) - estes são os números que aparecem logo nas primeiras páginas do relatório que faz o retrato da criminalidade em Portugal.
No entanto, não basta olhar para os dados do ano passado para percebermos o que se passa. É necessário recuar alguns anos e lembrarmo-nos que em 2020 e 2021 os portugueses viveram períodos de confinamento devido à pandemia de covid-19 - anos em que a criminalidade diminuiu de uma maneira geral.
Criminalidade participada: a descer, mas pior do que em 2019
- 2015 - 356.032
- 2016 - 330.072
- 2017 - 341.950
- 2018 - 333.223
- 2019 - 335.614
- 2020 - 298.797
- 2021 - 301.394
- 2022 - 343.845
- 2023 - 371.995
- 2024 - 354.878
Olhando para estes números, o que nos chama a atenção é que 2023 foi o ano com mais crimes participados.
Por isso, a descida da criminalidade geral é bastante acentuada (- 4,6%%) quando comparada com 2023, no entanto é superior à registada apenas cinco antes antes, em 2019 (antes da pandemia) e apenas ligeiramente inferior ao que aconteceu em 2015.
Criminalidade violenta e grave: a aumentar, mas igual a 2019
- 2015 - 18.964
- 2016 - 16.761
- 2017 - 15.303
- 2018 - 13.981
- 2019 - 14.398
- 2020 - 12.464
- 2021 - 11.614
- 2022 - 13.281
- 2023 - 14.022
- 2024 - 14.385
No caso da criminalidade violenta - crimes com grande violência física ou psicológica e que causam forte sentimento de insegurança - reparamos que existe, de facto, uma subida de 2,6% em relação ao ano de 2023. Mas é uma subida ligeira.
Na verdade, o valor de 2024 é apenas praticamente semelhante ao que se verificava cinco anos antes, em 2019, antes da pandemia. E é bastante inferior à registada em 2015, 2016 e 2017.
Furtos: mais casos em relação a 2023 mas menos do que antes da pandemia
O crime de furto, nas suas diversas formas, representou 26% de toda a criminalidade participada no ano passado. Quando comparados com os dados de 2023, os números de 2024 mostram uma ligeira subida de 91.117 para 92.451 ocorrências
No entanto, temos de olhar mais para trás para perceber o que de facto está a acontecer:
- 2015 - 127.815 queixas
- 2019 - 103.552
- 2021 - 80.360
- 2022 - 90.306
- 2023 - 91.111
- 2024 - 92.451
De 2015 a 2020, o número de participações de furtos está, de facto, em queda. No anos da pandemia, atingem-se os valores mais baixos. Nos últimos três anos o número de furtos tem vindo a subir, mas está ainda muito longe dos valores pré-pandemia.
Vejamos o que se passa com alguns tipos específicos de furto:
Furto a residência com arrombamento:
- 2015 - 16.186
- 2019 - 10.961
- 2023 - 8.237
- 2024 - 7.881
Se olharmos só para o ano anterior parece uma descida ligeira, mas na verdade a descida tem sido bastante consistente ao longo dos últimos anos.
Furto por carteirista:
- 2015 - 14.443
- 2019 - 9.776
- 2023 - 6.168
- 2024 - 6.919
Existe uma subida ligeira em relação ao ano passado mas, na verdade, olhando para os dados pré-pandemia, a descida é notória.
Furto em residência sem arrombamento:
- 2015 - 4.359
- 2019 - 4.624
- 2023 - 4.102
- 2024 - 4.061
O que estes números nos mostram é que, apesar de haver uma redução em relação a 2023, este tipo de furto mantém-se praticamente igual ao longo dos últimos dez anos.
Violência doméstica: um crime difícil de combater
A violência doméstica registou uma ligeira diminuição face a 2023 (-0,8%). No entanto, continua a apresentar índices de participação muito elevados (30.221), tendo-se registado um aumento na violência contra menores (+7,2%). O crime de violência doméstica contra cônjuge ou análogo continua a ser aquele em que se observa o maior número de registos entre toda a criminalidade participada (25.919).
Dos 89 homicídios registados no país, 23 aconteceram em contexto de violência doméstica.
O RASI mostra que os crimes de violência doméstica diminuíram nos anos da pandemia, mas, desde então, subiram bastante e têm-se mantido acima dos 30 mil. Numa visão de conjunto, o panorama não é animador:
- 2015 - 26.595
- 2019 - 29.498
- 2022 - 30.488
- 2023 - 30.461
- 2024 30.221
A nível de distribuição geográfica, há distritos onde as participações deste crime aumentaram, como Castelo Branco, Faro, Guarda, Leiria, Porto, Santarém, Setúbal, Viseu e Açores. Os denunciados têm, na sua maioria, mais do que 25 anos, sendo que 7% tem entre 16 e 24 anos.
Dentro deste crime, a violência doméstica contra cônjuge ou análogo representa 85,8% dos casos. Apesar da ligeira descida em relação ao ano anterior, na verdade estamos com valores quase idênticos ao período pré-pandemia e mais elevados do que em 215:
- 2015 22.469
- 2019 24.793
- 2024 25.919
Muito preocupante é o crescimento dos casos participados de violência doméstica contra menores:
- 2015 - 475
- 2019 - 582
- 2014 - 1.033
No entanto, é preciso lembrar que o aumento do número de participações corresponde, também, a uma maior consciência da importância de participar um crime que geralmente ocorre no meio familiar.
Também existe uma boa notícia: o número de suspeitos detidos por violência doméstica tem aumentado. Em 2015, tinham sido apenas 750 os suspeitos detidos. Em 2019 foram já 1.018. O número de detidos subiu acima dos 2 mil no ano seguinte e, no ano passado, foi de 2.402.
Mas 62% dos inquéritos terminados no ano passado relacionados com o crime de violência doméstica foram arquivados, revela o RASI. Em 2024 foram 23.509 inquéritos arquivados de um total de 37.592 inquéritos que tiveram conclusão. Apenas 13,9% (ou seja, 5.214 inquéritos) resultaram em acusação.
Criminalidade grupal e juvenil: mais casos, mais investigação, menos detidos
Este tipo de crimes teve muita visibilidade no último ano. O RASI confirma que a tendência é de subida, quer na criminalidade grupal (a ocorrência de um facto criminoso praticado por três ou mais suspeitos) quer na criminalidade juvenil (crime praticado por indivíduos com idades entre os 12 e os 16 anos). Mas com algumas especificidades.
Criminalidade grupal
- 2014 - 6.064
- 2019 - 5.215
- 2023 - 6.756
- 2024 - 7.279
A criminalidade grupal esteve a descer até pandemia, tendo atingindo o seu valor mais baixo em 2021 (4.638 casos). Mas, desde então, a tendência é de subida.
Observa-se um aumento de 53% no número de investigações abertas em 2024 face ao ano anterior.
É possível ainda perceber que 52% dos processos-crime abertos foram investigados em unidades de Lisboa (30%) e do Porto (22%). Nos inquéritos, incluem-se 11.606 pessoas na qualidade de suspeito e/ou arguido. A maioria é do sexo masculino (69%), sendo a nacionalidade mais representativa a portuguesa (62%), seguida, com valores bem mais inferiores, a nacionalidade brasileira (10%).
No entanto, em 2024 foram efetuadas 1.782 detenções devido a este crime, o que representa uma diminuição de -13% face ao ano anterior. De entre os detidos, 82% são do sexo masculino e relativamente às idades, destaca-se o escalão etário 19 - 28 anos.
Delinquência juvenil
- 2015 - 2.117
- 2019 - 1.568
- 2024 - 2.062
Este tipo de crime tem uma evolução semelhante - esteve a descer entre 2015 e 2020 e, desde então, tem tido uma evolução crescente. No entanto, sublinhe-se que em 2024 o número de ocorrências foi inferior às registadas em 2015.
Algo muito parecido aconteceu com os Ilícitos em ambiente escolar: subiram muito desde os anos da pandemia, no entanto não estão assim tão acima do que tinha sido registado em 2015, contrariando um bocado a ideia de que as escolas são hoje locais muito mais inseguros do que eram há dez anos.
- 2015 - 7.110
- 2019 - 5.210
- 2024 - 7.128
Das ocorrências em ambiente escolar, quase metade (2.249) são agressões, destacando-se ainda 1.443 casos de injúrias ou ameaças. Houve ainda quase mil furtos, 171 ofensas sexuais, 117 roubos e 76 ocorrências por posse ou uso de arma
É nas escolas dos distritos de Lisboa e Porto que se regista a maioria das ocorrências, mas também há centenas de casos em Setúbal, Aveiro, Faro, Braga, Leiria ou Santarém.
Violações: é urgente agir
A violação está integrada na criminalidade violenta grave. O número de violações tem subido nos últimos anos e esse é mais um motivo de preocupação:
- 2015 - 375
- 2019 - 315
- 2023 - 494
- 2024 - 543
O RASI acrescenta que neste tipo de crime prevalece a relação de conhecimento/familiar entre o autor e a vítima (43,2%) e que a maioria das vítimas são do sexo feminino e têm entre os 21 e os 30 anos. Já no que concerne aos arguidos, 94,4% são do sexo masculino, tendo sido detidas 65 pessoas no ano passado, dos quais 64 homens.
Crimes relativos à imigração ilegal: a descer
Em 2024 foram registados 343 crimes relacionados com imigração ilegal em Portugal, menos 144 do que em 2024, o que representa uma descida de 29,6%. Nesta categoria incluem-se crimes como angariação de mão de obra ilegal, auxílio à imigração ilegal e casamento por conveniência, entre outros.
- 2015 - 541
- 2019 - 455
- 2024 - 343
Casamento por conveniência:
- 2015 - 75
- 2019 - 23
- 2024 - 12
Situação ilegal no território nacional:
Foram realizadas 1.086 ações de inspeção e fiscalização de permanência em território nacional (uma redução de 44,6% face ao ano anterior).
No que respeita a cidadãos em situação ilegal, foram identificados 151 cidadãos nacionais de países terceiros, num universo de 27.185 cidadãos identificados.
Foram afastadas 146 pessoas do território nacional: 42 no âmbito de expulsões administrativas; 4 em sede de procedimento de condução à fronteira e 100 em cumprimento de decisão judicial de pena acessória de expulsão.
Tráfico e auxílio à imigração ilegal:
Outra descida verifica-se no número de detidos, com 12 detidos por tráfico de pessoas (menos 11 do que em 2023) e oito detidos por auxílio à imigração ilegal (menos 34 do que em 2023).
O número de arguidos relacionados com estes crimes aumentou: em relação ao tráfico de pessoas foram constituídos 43 arguidos, mais 13 do que em 2023, e em relação ao crime de auxílio à imigração ilegal foram constituídos 138 arguidos, mais 23 do que em 2023.
Em relação às vítimas deste tipo de crimes, o Observatório do Tráfico de Seres Humanos (OTSH) registou menos sinalizações. Foram feitos 355 registos, menos 45% do que em 2023. Destes, o OTSH considerou válidas 213 vítimas, que estão sobretudo relacionadas com exploração laboral em Beja, Faro e Viana do Castelo. O RASI sublinha que em Faro, à exceção dos restantes, a suspeita de exploração é sexual e não laboral.
Nas sinalizações feitas ao OTSH estão incluídos 24 menores, menos do que os 52 registados em 2023, sendo a idade média de 8 anos e a presumível finalidade é exploração ou adoção ilegal.