E se a Rússia "fabricar um pretexto para um ataque"? Eis o novo receio

17 fev 2022, 19:29
Stanytsia Luhanska, na Ucrânia, onde os bombardeamentos destruíram um jardim de infância. Foto: Aleksey Filippov/AFP via Getty Images

E se a Rússia atribuir à Ucrânia um "evento violento" ou um "alegado ataque terrorista na Rússia" ou "a descoberta inventada de um sepultura ou um ataque de ‘drones’ encenado contra civis ou um ataque falso ou mesmo real com armas químicas"? Esta é uma das teses que estão a marcar mais um dia de tensão na fronteira ucraniana

O dia começou com o som de explosões no leste da Ucrânia. Rebeldes separatistas pró-russos e militares ucranianos trocaram disparos de artilharia e muitas acusações na região do Donbass. Os líderes dos países da NATO acreditam que estes ataques podem servir para que a Rússia “fabrique uma justificação” para invadir a Ucrânia, numa altura em que os serviços de informação norte-americanos garantem que Moscovo não está a reduzir o número de soldados na fronteira, ao contrário do que foi inicialmente avançado pelo Kremlim.

O secretário de Defesa dos Estados Unidos (EUA), Lloyd Austin, avisou esta quinta-feira para uma provocação de Moscovo poder vir a justificar uma intervenção militar na Ucrânia, após acusações mútuas de bombardeamentos entre soldados ucranianos e separatistas pró-Rússia. "Soubemos dos relatos dos bombardeamentos [na região ucraniana do Donbass]. E certamente é preocupante. Ainda estamos a juntar pormenores. Há algum tempo que vimos dizendo que os russos podem fazer algo assim para justificar um conflito de tipo militar", disse o chefe do Pentágono, após uma reunião com os seus homólogos na sede da NATO, em Bruxelas.

Horas depois, o presidente Joe Biden reforçava a ideia de que a ameaça de uma invasão russa na Ucrânia se mantém “muito elevada” e que acredita que o Kremlim está a levar a cabo uma “operação de falsa bandeira” na região de Donbass para justificar uma invasão. O termo é utilizado quando uma força militar se faz passar pelo inimigo e provoca um ato de agressão, justificando dessa forma uma retaliação.

Rússia expulsa diplomata americano em Moscovo

A Rússia expulsou esta quinta-feira o número dois da diplomacia norte-americana em Moscovo, o embaixador adjunto Bart Gorman. Washington diz tratar-se de um movimento "não provocado" e "um passo de escalada" na tensão.

“A ação da Rússia contra o nosso vice-chefe de missão em Moscovo não foi provocada, consideramos isto um passo de escalada e estamos a considerar a nossa resposta”, afirmou um porta-voz do Departamento de Estado.

A Rússia não forneceu detalhes sobre o porquê da decisão de expulsar o número dois da embaixada dos Estados Unidos.

Blinken propôs a Lavrov reunir na Europa

O secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, anunciou hoje que propôs ao seu homólogo russo, Sergei Lavrov, um encontro na próxima semana para preparar uma cimeira entre os dois países sobre a crise na Ucrânia.

Numa intervenção perante o Conselho de Segurança das Nações Unidas, e antes de viajar para a Conferência de Segurança em Munique (Alemanha), Blinken disse que enviou hoje mesmo uma carta a Lavrov com o convite e acrescentou que os EUA também propuseram reuniões do Conselho NATO-Rússia e do Conselho da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE).

O chefe da diplomacia norte-americana, que voltou a denunciar que Moscovo está a planear uma iminente invasão da Ucrânia, pediu às autoridades russas para optarem pela via da diplomacia, mostrando-se convicto de que estas reuniões podem servir para reduzir a tensão nas fronteiras da Ucrânia, permitindo obter acordos sobre as preocupações de segurança.

Perante o Conselho de Segurança da ONU, Blinken disse que os planos da Rússia na Ucrânia incluem a captura de Kiev e de outros pontos estratégicos neste país, através de bombardeamentos seguidos de uma invasão terrestre, com recurso a tanques e a infantaria. Contudo, Blinken mostrou-se disponível para insistir na via diplomática e procurar encontrar formas de desescalar a tensão sobre a crise na Ucrânia.

"Estou aqui hoje não para iniciar uma guerra, mas para evitar uma", disse o chefe da diplomacia norte-americana perante o Conselho de Segurança, embora repetindo o seu ceticismo sobre a posição russa. "Não tenho dúvidas de que a resposta às minhas declarações aqui hoje serão mais desmentidos do Governo russo", disse Antony Blinken.

Informações contraditórias

"O governo russo pode anunciar hoje (…) que a Rússia não vai invadir a Ucrânia. Pode dizê-lo claramente ao mundo inteiro. E, de seguida, demonstrá-lo fazendo regressar os seus soldados, os seus tanques, os seus aviões, aos quartéis e hangares. E pode enviar os seus diplomatas para a mesa de negociações", insistiu Blinken.

"As nossas informações mostram claramente que forças russas nas fronteiras ucranianas, incluindo forças terrestres e aeronaves, estão a preparar-se para lançar um ataque à Ucrânia nos próximos dias", disse o secretário de Estado. De acordo com a sua descrição do cenário apresentado pelos serviços de informação dos EUA, “a Rússia move-se em direção à guerra e renova a ameaça de ação militar".

Blinken repetiu a versão segundo a qual Moscovo começará por "fabricar um pretexto para um ataque" - por exemplo, um "evento violento que a Rússia atribuirá à Ucrânia" ou um "alegado ataque terrorista na Rússia" ou "a descoberta inventada de um sepultura ou um ataque de ‘drones’ encenado contra civis ou um ataque falso ou mesmo real com armas químicas”.

De acordo com o chefe da diplomacia norte-americana, nessa altura Moscovo invocará esse episódio como justificação para “retaliar, para defender cidadãos russos ou habitantes de língua russa na Ucrânia" e “começará o ataque”.

"Mísseis e bombas russos cairão sobre a Ucrânia, as comunicações serão cortadas, ataques cibernéticos bloquearão as principais instituições ucranianas", explicou Blinken, sem fornecer provas para apoiar esse cenário de desastre.

Rússia anuncia retirada militar na península da Crimeia

A Rússia declarou esta quinta-feira que continua a retirar as suas forças militares na Crimeia, península ucraniana anexada por Moscovo, na sequência da tensão criada com a colocação das suas forças junto às fronteira da Ucrânia.

"As unidades do distrito federal do sul que completaram a sua participação nas manobras táticas nas bases na península da Crimeia estão a regressar às suas bases por via ferroviária", afirmou o Ministério da Defesa russo às agências de notícias russas.

A televisão pública russa mostrou um comboio carregado de camiões militares a atravessar a ponte que liga a Crimeia ao território russo.

Após semanas de uma escalada de tensão, a Rússia, que sempre negou qualquer plano de invasão à Ucrânia, anunciou na terça-feira e na quarta-feira a retirada de parte das suas tropas. Um recuo que o ocidente disse não ter visto na prática, tendo os Estados Unidos acusado Moscovo de enviar reforços.

Rússia acusa Ucrânia de não cumprir o cessar-fogo

Ainda no Conselho de Segurança das Nações Unidas, o diplomata russo Sergey Vershinin afirmou esta quinta-feira que a Ucrânia não está a cumprir as obrigações estabelecidas nos protocolos de Minsk, acusando os ucranianos de, passados sete anos, não cumprirem o acordo de cessar-fogo.  

“A implementação do acordo de Minsk não é algo que está nos planos de nossos vizinhos ucranianos. Sete anos depois, está claro que nenhuma das medidas do pacote foi implementada na íntegra pela Ucrânia, começando logo pela primeira – o cessar-fogo”, acusou Vershinin.

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