"Não tinha o direito". Jovem condenado a nove anos de prisão após confessar violação de amiga no WhatsApp

6 jun 2022, 22:50
Whatsapp

Uma adolescente passou a noite em casa de um amigo e acabou por ser violada. Três anos após início do julgamento, o agressor foi considerado culpado em tribunal. Foi incriminado por mensagens de WhatsApp, em que confessa o crime e pede perdão

Em abril de 2019, Mireia e Martí saíram juntos à noite. Mantinham uma "estreita relação de amizade e confiança", como ambos viriam a confirmar. Dançaram numa discoteca até às cinco da manhã, na companhia de outros amigos, e partilharam o táxi no regresso a casa. Destino: a casa de Martí, na província catalã de Sant Feliu de Guíxols. A casa de verão da família de Mireia situava-se na mesma aldeia, mas estava ocupada por parentes que lá iriam pernoitar. Não era preciso incomodar os familiares; passaria a noite em casa de Martí. Não estranhou quando o amigo trancou a porta de casa e lhe pediu o telemóvel, sob o pretexto de que iria carregá-lo. Afinal, era só uma noite entre amigos. Estava em segurança. 

Na manhã do dia seguinte, Mireia telefonou a outro amigo, Joan. Em lágrimas, indicou-lhe a sua localização e implorou que a viesse buscar. Quando Joan chegou, pouco compreendeu para além de um trémulo "tentaram f....-me", repetido incessantemente pela jovem de 18 anos. O amigo levou-a para casa, sentou-a no sofá e ofereceu-lhe um comprimido. Mais calma, Mireia começou a relatar o que aconteceu na madrugada de 20 de abril: não, não tinham apenas "tentado" dormir com ela. Martí, um dos melhores amigos, tinha acabado de a violar.

Os acontecimentos, como descritos por Mireia

A princípio, Mireia não suspeitou das intenções do amigo. Mas, depois, Martí surgiu no quarto de hóspedes em roupa interior. Deitou-se a seu lado. Beijou-lhe o pescoço. Acariciou-lhe o corpo, incluindo as partes íntimas. E, subitamente, pressionou-lhe a cabeça contra o colchão e imobilizou-lhe os braços, enquanto tentava afastar-lhe as pernas.

Perante a resistência da jovem, Martí acabou por desistir e adormecer. Mireia permaneceu imobilizada, a seu lado, "bloqueada" e "encurralada" por saber que a porta de casa estava trancada e que não poderia fugir. E, sobretudo, paralisada pelo choque.

Às dez da manhã, o alarme do despertador ecoou pela casa e Martí dirigiu-se à sala para o desligar. Quando regressou ao quarto, a sua postura era ainda mais agressiva e dominante. "Não precisas de fazer nada, eu faço tudo por ti", terá dito, enquanto Mireia cerrava as pernas com todas as forças de que dispunha. O porte físico do rapaz ditou que vencesse o confronto. 

Findo o ato de violência, Martí parecia estar "tranquilo", como "se nada tivesse acontecido". Mireia viria a dizer mais tarde, em julgamento, ter-se recordado de um conselho da mãe: quando confrontada com situações ameaçadoras, deveria mostrar-se o mais educada e cordial possível para conseguir escapar ilesa. E foi o que aconteceu. Imitando a tranquilidade do agressor, Mireia alegou um compromisso de família e pediu que lhe abrisse a porta e a deixasse ir. Martín permitiu. Já no exterior, não foi para casa: telefonou ao amigo Joan.

A confissão por WhatsApp

Adotando a identidade de Mireia, Joan recorreu à plataforma de troca de mensagens WhatsApp para extrair a confissão. Começou de forma direta: "Passaste dos limites, penso que mereço uma desculpa." Do outro lado, chegou uma resposta comprometedora: "Um pouco, sim.

Mas Joan procurava uma confissão ainda mais irrefutável. Tentou outra abordagem, desta vez reforçando a situação de não consentimento: "Se não o queria, não sei porque é que o tiveste de fazer." Martí voltou a assumir a responsabilidade pelos seus atos, anuindo: "Sim, sim. Não tinha o direito.

Ao longo da troca de mensagens, e apesar de admitir o ocorrido, Martí tenta justificar o seu comportamento e procurar esbater os limites entre a violação e o consentimento. Recordou uma alegada conversa mais íntima nas instalações da discoteca, na casa de banho feminina, que Mireia mais tarde negou ter acontecido.

Joan tentou uma última vez: "A forçares-me assim..." O rapaz de 19 anos, já algo exasperado pelas acusações, rematou: "Atraíste-me imenso e eu deixei-me ir. Que raio."

Sem saber, Martí tinha acabado de ditar a sua sentença. 

A condenação

Após análise dos factos, o Tribunal de Recurso de Girona concluiu a existência de "violência" e "intimidação" típicas de casos de agressão sexual, que comprovam a versão dos acontecimentos descrita por Mireia. Na leitura da sentença, foi ainda acrescentado ser impossível exigir à vítima "atos de resistência heróicos que ponham em perigo a sua integridade física". 

Como tentativa de defesa, o acusado argumentou que as aparentes confissões no WhatsApp não passavam de "mal entendidos" e que, na verdade, a relação sexual tinha sido consentida por ambas as partes. Numa das acusações mais recentes no decorrer do processo judicial, iniciado há três anos, Martí acusou Mireia de se sentir inferiorizada em relação à irmã, campeã nacional de patinagem artística, e de ter inventado o crime como forma de recuperar a "atenção dos pais". O tribunal sublinha que esta acusação, para além de tardia, não dispõe de provas que a sustentem. 

O jornal espanhol El País avança que o Tribunal de Girona condenou Martí a nove anos e meio de prisão por dois crimes de natureza sexual: uma agressão sexual consumada e uma tentativa de agressão sexual, ambas ocorridas na mesma noite. A vítima deverá ainda receber uma indemnização por danos morais, no valor de 15 mil euros.

Ao longo do julgamento, Mireia reforçou a sua sensação de "impotência" no momento das agressões e, em pleno tribunal, mostrou-se incomodada com a presença de Martín. Durante o julgamento, a jovem referiu-se à respiração do agressor, atrás de si, como "sufocante e insuportável".

A sentença do tribunal catalão indica que a descrição destes detalhes "inesperados", muitos deles referentes a estímulos sensoriais e sentimentos de impotência, conferem credibilidade ao testemunho e reforçam o impacto psicológico e emocional das agressões. 

As mensagens de WhatsApp revelaram-se essenciais ao desfecho do julgamento, corroborando a versão de Mireia. Ainda assim, foi o testemunho "credível, sincero e espontâneo" da vítima - consistente desde a primeira confissão ao amigo Joan até ao relato emocionado em julgamento - que convenceu os juízes e consolidou a veracidade do seu testemunho, agora provado em tribunal. 

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