Vivemos uma era em que a infância parece ter perdido parte da sua leveza. Hoje, as crianças vivem uma infância apressada, em função de rotinas exigentes dos pais. Os dias são cheios de atividades e o descanso parece um luxo. A escola exige desempenho e resultados, as famílias aspiram a oportunidades e sucesso, e a sociedade valoriza o “fazer sempre mais”. No meio disto tudo, muitas crianças crescem sem espaço para simplesmente ser.
A ansiedade infantil é o resultado de um contexto que, frequentemente, confunde exigência com estímulo, e produtividade com valor pessoal. Desde cedo, as crianças são confrontadas com avaliações constantes: notas, comportamentos, comparações. Tudo é medido e partilhado, e sobretudo nas redes sociais, instala-se o medo de não estar à altura, o receio de falhar ou dececionar. E no meio disto, temos pais exaustos, por ritmos de trabalho intensos, que sem intenção, só alimenta mais essa lógica de exigência e perfeição.
A ansiedade é uma emoção adaptativa, que serve para nos alertar do perigo, prepara-nos para reagir. Deixa de ser considerada normativa, quando interfere de forma acentuada, e durante muito tempo, com o nosso funcionamento, impedindo o desempenho das atividades do quotidiano. As consequências nas crianças são visíveis: dificuldades no sono, irritabilidade, medos excessivos, dores de barriga, choro, entre outros.
A ansiedade tem tendência a desaparecer; contudo, existem situações nas quais a sintomatologia persiste ao longo do tempo e pode até intensificar-se. A médio/longo prazo, pode influenciar autoconfiança, comprometer o desenvolvimento emocional, resultando em adultos que vivem em permanente alerta, incapazes de descansar sem culpa. E ainda, levar a estados depressivos e de consumos excessivos.
Mas se a ansiedade cresce num contexto coletivo, também é nesse contexto que pode ser prevenida. Os pais desempenham um papel essencial. É urgente desacelerar. Reduzir o excesso de estímulos e devolver tempo livre para as crianças – tempo para brincar sem objetivo, para imaginar, para se aborrecer e se frustrar. É nesses espaços aparentemente “vazios” que nascem a criatividade, a autonomia e a autorregulação emocional.
Mais do que proteger os filhos das frustrações, importa ensiná-los a tolerar a frustração. Validar as suas emoções, ouvi-los sem pressa e servirmos de inspiração para comportamentos saudáveis. Mostrar que erramos, sentimos, pedimos ajuda, e que paramos para respirar. A saúde mental aprende-se não pelo que dizemos para fazerem, mas sim pelo exemplo que damos. Relembrar que na relação criança/adulto, quem tem o cérebro maduro, são os adultos. Ou seja, é esperado que quem saiba regular as suas emoções, sejam os adultos (a parte pré-frontal do cérebro, responsável pela autorregulação das emoções, só fica desenvolvida por volta dos 25 anos). E ao cuidarmos das emoções deles hoje, minimizamos as cicatrizes das suas “crianças interiores” em adultos.
A escola precisa de equilibrar exigência e cuidado. Ensinar matemática é importante, mas ensinar empatia, resiliência e autoconhecimento é essencial. E a sociedade deve questionar o paradigma da pressa – essa urgência de crescer rápido, de alcançar cedo, e não parar.
Cuidar da saúde mental das crianças é cuidar do futuro coletivo. Uma geração ansiosa será menos criativa, confiante e disponível para o outro.
Talvez o melhor presente que podemos dar seja a liberdade de crescer ao seu próprio ritmo, tempo de qualidade, e relações saudáveis.