Devemos incentivá-los ou trazê-los para a realidade? O que fazer quando os filhos sonham ser craques do futebol

8 mai 2022, 18:00
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Praticar desporto é sempre bom e os pais devem ajudar os filhos a perseguir os seus sonhos, mas é preciso algum equilíbrio, avisam os psicólogos. A criança tem de ter tempo para estudar e para brincar, e incentivar não quer dizer pressionar

"Quando for grande quero ser jogador de futebol como o Cristiano Ronaldo." Quantos miúdos já disseram esta frase? Muitas crianças começaram a praticar um desporto porque sonham imitar os seus ídolos, e isto acontece em diferentes modalidades e tanto a rapazes como a raparigas. O que devem fazer os pais?

"Ter ídolos é algo normal nas várias fases de desenvolvimento das crianças e dos adolescentes. Culturalmente, o futebol é muito forte em Portugal e é natural que os jogadores mais famosos sejam os ídolos mais frequentes. Quando as crianças dizem que querem ser como o Cristiano Ronaldo, devemos deixá-las sonhar e experimentar esse papel", aconselha o pedopsiquiatra Pedro Henriques Santos.

"Quando uma criança ou um jovem quer praticar algum desporto ou manifesta vontade de vir a ser desportista profissional, os pais deve ajudar, encorajar, apoiar, tal como fazem com outro tipo de objetivo, como quando a criança diz que quer seguir outra profissão. É importante não condicionar, dar condições", afirma Jorge Silvério, psicólogo desportivo com mais de 30 anos de experiência no acompanhamento de atletas, muitos deles de alta competição.

Praticar desporto é aconselhado em todas as idades. Além dos vários benefícios físicos, "o desporto contribui para a formação de cidadãos, incute valores como o espírito de equipa, a solidariedade e a tenacidade, que é algo que considero muito importante, a capacidade de lidar com as adversidades", explica Jorge Silvério. "Os atletas estão habituados a pôr o interesse coletivo acima do individual." E estão também habituados a superar-se continuamente - ultrapassando os seus limites físicos e psicológicos, lidando com as derrotas e com os falhanços, encontrando em si a vontade de ser cada vez melhor.

Mas, claro, "como em tudo na vida é preciso equilíbrio", avisa Jorge Silvério. E Pedro Henriques Santos corrobora. "Aqui o equilíbrio é respeitar as pistas que a criança nos dá e não serem os pais, eles próprios, os agentes que forçam essa idolatria. O interesse pelo futebol deve ser um, entre vários, e deve-se promover e valorizar as várias dimensões em que a criança está inserida. Mais tarde no desenvolvimento, a experimentação de outros papéis ocorrerá e os ídolos e interesses vão acompanhar essas mudanças."

A pressão deve ser adequada à idade dos atletas

"O modelo mais consensual para o desenvolvimento desportivo saudável é o denominado “Long Term Athlete Development”, que preconiza objetivos de acordo com o estadio de desenvolvimento, desde a idade pré-escolar até à idade adulta", explica Pedro Henriques Santos. Deve-se procurar sempre "respeitar as fases do desenvolvimento normal, do ponto de vista da maturação corporal, desenvolvimento emocional e cognitivo e desenvolvimento atlético". "Este modelo é útil porque responde a como se pode potenciar a probabilidade de um jovem praticante poder ser um atleta cada vez mais capaz e de elite, mas também a ter uma relação saudável com a prática de desporto que leve a que, quando surgir o abandono da competição, mesmo numa idade precoce, o indivíduo tenha o desejo de prosseguir com uma atividade física regular e saudável", explica o pedopsiquiatra.

"Quando se força o queimar de etapas, por exemplo exigindo marcas e resultados numa idade demasiado precoce, a percepção entre aquilo de que se é capaz e aquilo que é exigido sofre um desequilíbrio e pode levar à perda de confiança, ansiedade exagerada e desmotivação", acrescenta Pedro Henriques Santos. "Este último fator é muito relevante, porque é precisamente a sensação de prazer que leva as crianças e os adolescentes a manterem uma prática continuada da atividade física. E aqui estamos a falar quer da prática desportiva recreativa quer da prática desportiva mais profissional. No limite, podemos assistir, devido a essa pressão excessiva ou extemporânea, ao abandono precoce do desporto e da prática de exercício físico num sentido mais lato."

A importância de ter uma vida equilibrada

O psicólogo Jorge Silvério concorda que muitas vezes a pressão é externa - por parte dos pais, dos amigos, dos treinadores - mas sublinha que também pode ser auto-imposta. "Muitos jovens colocam essa pressão sobre si mesmos, de tal forma que isso até pode prejudicar o seu rendimento desportivo. Sabem que existe uma grande competitividade, são perfecionistas e têm medo de falhar." 

Nesses casos, diz Pedro Henrique Santos, é importante "tentar tranquilizar e adaptar os objetivos e as expectativas que o jovem coloca em si mesmo àquilo que é esperado de um ponto de vista normativo do próprio desenvolvimento".

É importante encontrar um bom equilíbrio na gestão dos horários, com tempo para o treino e jogo, responsabilidades académicas, tempo com a família e outras atividades de lazer. Se for necessário, os especialistas poderão "ajudar os jovens a adquirir competências no domínio da regulação emocional para que consigam ter uma vivência satisfatória, mesmo em condições de pressão e exigência consideradas mais elevadas".

O papel dos pais: incentivar sem exigir

Quando a pressão sentida pelos jovens é exercida pelos pais, isso naturalmente pode ser prejudicial, afirmam os especialistas. "Muitas vezes os pais acham que estão a fazer o melhor e com a melhor das intenções, dentro da cultura de que exigir mais leva a mais e melhores resultados", explica Pedro Henriques Santos. "Devemos tentar educar os pais para alguns aspetos, nomeadamente o principal que é a motivação dos jovens quererem continuar a prática do desporto. Se as ações dos pais forem de uma pressão tão elevada que provoquem ansiedade e desmotivação, podemos acabar por ter o resultado inverso do que pretendiam, e um abandono precoce do futebol."

Segundo o pedopsiquiatra, as queixas principais dos miúdos costumam ser os comentários dos pais depois dos jogos, quando assumem uma postura de “pai-treinador”. "Neste aspeto, o trabalho com os pais será o de os ajudar a mentalizar o filho, isto é, a compreender o seu estado emocional e quais as repercussões que essas interações têm na relação entre ambos e na relação entre o jovem e a prática de desporto. Quando conseguimos chegar a este ponto, é mais fácil os pais acederem a alterar algumas práticas e introduzirem mais vezes o elogio pelo que se fez bem em detrimento da sinalização do erro, valorizar o esforço e não tanto o resultado."

Olhar para o futuro com objetivos mas sem ilusões

Existem dois momentos que são fulcrais nas carreiras dos jovens atletas, explica Jorge Silvério: a adolescência, quando surgem outros interesses que podem ser concorrenciais (os amigos, as saídas à noites, as namoradas), e depois a entrada para a universidade. "Como a maior parte das modalidades em Portugal não proporcionam futuros profissionais, os jovens percebem que não vão conseguir ganhar o suficiente para fazer do desporto a sua profissão e muitos acabam por desistir desse sonho nessa altura. É uma carreira muito incerta. Felizmente, já temos alguns exemplos de atletas que conseguem conciliar o desporto com uma carreira universitária e depois profissional, mas não é fácil."

Sobretudo na passagem para os escalões profissionais, muito poucos conseguem. Apenas 1% dos jovens que praticam desporto acabam por seguir uma carreira profissional na área, diz o psicólogo. "Isso não quer dizer que não possam continuar a ser excelentes atletas e a continuar a praticar desporto. Pelo contrário, é importante que o façam. Mas nem todos irão fazê-lo profissionalmente."

"É muito importante que os jovens saibam as dificuldades e os obstáculos que existem nesta profissão. Que mesmo que consigam fazer uma carreira é muito difícil. Que existe o risco de lesões, que é uma carreira que pode acabar muito cedo. E que, apesar de vermos cada vez mais notícias sobre os valores pagos por jogadores muito  jovens, que já têm empresários e tudo,  é preciso ter noção de que muito poucos atletas ganham aquelas quantias. E também vemos os exemplos de jovens que tinham um potencial enorme, a nível desportivo, mas que depois não conseguem lidar com essa pressão."

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