Não está em causa nenhum crime público, pelo que tem mesmo de haver uma queixa para o caso ser investigado judicialmente. Para já a mãe recusou a queixa e a escola também não avançou para a Justiça
Uma criança do sexo masculino de nove anos foi "vítima de linchamento" numa escola de Lisboa, avançou esta terça-feira a Renascença. Foi vítima de agressões físicas e verbais. O caso foi denunciado pela diretora executiva do Centro Padre Alves Correia (CEPAC), que adiantou à rádio que os agressores também eram menores. A CNN Portugal falou com uma advogada para perceber que crimes podiam estar em causa e o que pode acontecer agora que a situação se tornou pública. E para Patrícia Baltazar Resende é possível que nada aconteça: “Este caso pode ficar sem castigo”.
Numa situação destas podemos estar perante “ofensas à integridade física, que é atualmente um crime semipúblico” e, ainda, “ofensas verbais que podem ser injúrias ou difamação” e que é “um crime particular”. Ou seja, em ambas as situações “é necessário haver uma queixa da vítima ou de quem a representa”, que nesta situação “seriam os pais”. E, do que já foi noticiado, os pais optaram por não apresentar queixa e mudaram a criança de escola.
"[A criança em causa] tem nove anos, é nepalesa, foi vítima de linchamento no contexto escolar por parte dos colegas. [Os atos] foram filmados e divulgados nos grupos do WhatsApp das crianças", referiu Ana Mansoa, diretora executiva do CEPAC à Renascença.
A agressão física foi levada a cabo por cinco colegas da vítima e um sexto filmou. Mais tarde as imagens foram divulgadas em grupos de Whatsapp. A mesma responsável acrescentou que os agressores proferiram "frases racistas e xenófobas". O caso remonta há cerca de dois meses e, de acordo com Ana Mansoa, a vítima ainda tem pesadelos com o que aconteceu.
Ana Mansoa acrescenta que o menor agredido é filho de uma mulher acompanhada pelo CEPAC que decidiu não fazer queixa nem levar a criança - que ficou com “hematomas pelo corpo todo” e “feridas abertas” - ao hospital. A mãe acabou por transferir a criança de escola. Os agressores foram identificados e um deles foi suspenso "por três dias".
Não se sabe se os próprios agressores "não são crianças em risco"
A diretora executiva do CEPAC criticou ainda, em declarações à rádio, que a forma como a escola abordou a questão não foi a melhor: “Foi muito insuficiente para a gravidade dos factos. Tanto assim é que a família não se sentiu segura na escola e pediu transferência”, sinaliza. “Foi uma abordagem muito conservadora. Foi um discurso que pôs o enfoque em serem crianças, não poderem valorizar estes comportamentos e que a mesma tinha sido uma situação isolada. A própria escola não denunciou o caso. A meu ver isto é grave”, afirma.
Na verdade, segundo a advogada Patrícia Baltazar Resende, a escola nestas situações tem o dever de “verificar o que aconteceu, ou investigar, nem que seja de forma administrativa”, alerta. E, depois, em situações graves “pode apresentar ela própria uma denúncia às autoridades competentes". “Nem que fosse às Comissões de Proteção de Crianças e Jovens” para os menores agressores “poderem ser seguidos”, já que também não é claro que “não são crianças em risco”.
Quanto às agressões verbais poderem constituir um crime de ódio, por terem sido preferidas afirmações “racistas e xenófobas”, segundo disse a diretora da CEPAC à Renascença, a advogada tem dúvidas e diz que “será difícil seguir por esse caminho”. Não só porque estamos perante menores, como também porque este tipo de casos são habitualmente enquadrados no crime de “bullying”.
A CNN Portugal questionou a Procuradoria-geral da República sobre este caso, para saber se tinha sido apresentada alguma queixa, se tinha sido aberto algum inquérito e confirmar os crimes que podiam estar em causa, mas até ao momento, não obteve resposta. A CNN Portugal também contactou a PSP e a CEPAC mas não obteve mais esclarecimentos.
Governo anuncia reforço policial nas escolas
Confrontada com uma notícia a ministra da Administração Interna anunciou um reforço policial. “Aquilo que eu posso adiantar é que, em conjunto com as autoridades policiais, vamos reforçar quer o policiamento junto das escolas, quer o policiamento de proximidade, no sentido de recolocar o dispositivo de forma a prevenir, que é uma primeira fase”, garantiu Margarida Blasco.
“Como Governo - e nós, no Ministério da Administração Interna, em conjunto com o Ministério da Educação, com o Ministério da Saúde - estamos na intenção de fazer programas mais céleres, mais eficazes, para obviar estas situações”, adiantou Margarida Blasco. “Todos os crimes, e sobretudo os crimes de ódio, são de uma gravidade imensa”, sublinhou.