Chefe de gabinete de Lacerda Sales desmente que gémeas tenham sido mencionadas na reunião com filho de Marcelo (e dá força ao depoimento de Carla Silva)

4 out, 18:18
António Lacerda Sales

Tiago Gonçalves diz que, por exclusão de partes, apenas Lacerda Sales teria ‘poder’ para ordenar o pedido de marcação de uma consulta, mas revelou que o antigo secretário de Estado lhe ligou para saber se tinha sido o próprio Tiago a avançar com o pedido

Atendeu uma chamada, devolveu essa mesma chamada, esteve numa reunião e nada mais. Os partidos foram para a audição desta sexta-feira com a expectativa de que “os chefes de gabinete sabem muitas coisas”, mas Tiago Gonçalves mostrou pouco ou nada saber sobre o polémico caso das gémeas luso-brasileiras tratadas com o Zolgensma, o medicamento mais caro do mundo no Hospital Santa Maria, em Lisboa.

Do pouco que disse saber sobre o tema, o antigo chefe de gabinete conseguiu desmentir Lacerda Sales três vezes: afinal, foi Nuno Rebelo de Sousa quem fez um primeiro contacto para uma reunião com o antigo secretário de Estado da Saúde; o caso das gémeas não foi falado nesse encontro e o percurso profissional de Carla Silva foi mencionado na entrevista de emprego, na qual esteve presente. 

Ainda assim, o Chega mostrou-se impaciente com o facto de um chefe de gabinete nada saber sobre um caso como estes, nem tão pouco ser colocado nos e-mails trocados ou ter falado com colegas sobre o assunto, até depois de ter sido noticiado. 

Tiago Gonçalves negou ter tido qualquer envolvimento no pedido de marcação da consulta no Hospital Santa Maria para as gémeas luso-brasileiras e confessou só ter tido conhecimento do caso depois de ter sido noticiado pela TVI (do mesmo grupo da CNN Portugal) e que, após isso, não contactou ninguém do seu gabinete, mesmo depois de ter consultado os seus e-mails pessoais e profissionais. Este facto deu azo ao momento mais tenso e teatral - “isto é um momento Tik-Tok”, criticou a socialista Ana Abrunhosa - da audição desta sexta-feira, com André Ventura, do Chega, a dizer que não acreditava na versão de Tiago Gonçalves.

Mas foram duas horas quase monotemáticas: como, quando e onde aconteceu a reunião entre António Lacerda Sales e o então presidente da Câmara Portuguesa do Comércio de São Paulo, Nuno Rebelo de Sousa. “Confirmo que o doutor Nuno Rebelo de Sousa procurou marcar uma reunião com o doutor Lacerda Sales. Contactou-me nesse sentido, devo dar nota que não tinha qualquer tipo de conhecimento ou contacto prévio com o doutor Nuno Rebelo de Sousa”.

Com uma postura desconfortável ao longo de toda a audição nesta comissão parlamentar de inquérito, Tiago Gonçalves, atualmente presidente da ULS Barcelos, revelou que foi o filho do Presidente da República quem deu o primeiro passo, telefonando-lhe para pedir uma reunião com Lacerda Sales. E garantiu que nunca tinha tido qualquer contacto com Nuno Rebelo de Sousa, não sabendo, sequer, como conseguiu o seu número. Depois de ter tido o aval de Lacerda Sales, devolveu a chamada: “retomei o contacto para dar a data e hora para a reunião”.

Tiago Gonçalves, à data chefe do gabinete de Sales, foi mais um a desmentir a versão do antigo secretário de Estado: o caso das gémeas luso-brasileiras não foi abordado nesse encontro, a dia 7 de novembro. dizendo mesmo que não era o “momento para tratar um assunto daquela natureza”. O encontro entre Lacerda Sales e Nuno Rebelo de Sousa, no qual Gonçalves esteve presente, aconteceu à margem da Web Summit.

Gonçalves disse ter apenas conhecimento de um pedido de reunião feito por Nuno Rebelo de Sousa, mas não descarta que possa ter havido outros contactos, uma vez que disse ser comum o antigo secretário de Estado agir por conta própria - e, por isso mesmo, não se mostrou surpreendido ou incomodado por não ter sido colocado nos e-mails trocados, admitindo até que tal pudesse ter acontecido em outras ocasiões e com outros temas. Além disso, sublinhou que a chamada recebida, a chamada devolvida e o encontro na Web Summit foram os únicos contactos que teve com Nuno Rebelo de Sousa e que, em algum destes, as gémeas foram mencionadas.

Gonçalves reforçou o depoimento de Carla Silva e outros que defendem que a antiga secretária pessoal de Sales não tinha autonomia para marcar uma consulta no Santa Maria. Seguindo o raciocínio do deputado João Almeida, do CDS, defendeu que, por exclusão de partes, apenas Lacerda Sales teria poder para ordenar a marcação da consulta. Ainda assim, confidenciou que o antigo secretário de Estado lhe telefonou - já quando se sabia do envolvimento desta secretaria - para saber se teria sido Tiago Gonçalves a fazer o pedido de marcação. “Não, não, nunca dei nenhuma orientação a nenhum membro do secretariado ou membro do gabinete para marcar uma consulta médica”, disse, vincando mais à frente: “Só vejo uma pessoa com responsabilidade para o fazer que é um membro do governo”.

Tiago Gonçalves reconheceu que o sucedido com as gémeas luso-brasileiras foi excecional e admitiu desconhecer o circuito de encaminhamento de e-mails que consta no relatório da Inspeção Geral das Atividades em Saúde, defendendo que, o que conhecia, era um mecanismo em que os pedidos vindos da Casa da Presidência seguiam para o gabinete do primeiro-ministro e que só depois eram distribuídos para os ministérios mais adequados.

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