Antes da primeira audição que marca o regresso da comissão parlamentar de inquérito ao caso das gémeas luso-brasileiras, os partidos vão decidir se a antiga secretária pessoal de Lacerda Sales presta ou não declarações à porta fechada, uma questão que divide os deputados envolvidos na CPI uma vez que é "das mais importantes"
Depois de uma pausa de seis semanas, os trabalhos da comissão parlamentar de inquérito (CPI) ao caso das gémeas tratadas com o medicamento Zolgensma estão de regresso esta sexta-feira, com uma audição confirmada - a de Paulo Jorge Nascimento, ex-cônsul de Portugal em São Paulo -, e outra que irá ser dispensada, de Jamila Madeira, ex-secretária de Estado Adjunta e da Saúde.
“Esta CPI está cheia de audições que se mostraram supérfluas”, diz à CNN Portugal Joana Mortágua, coordenadora do grupo parlamentar do Bloco de Esquerda (BE) nesta CPI, dizendo que, apesar de Jamila Madeira ser secretária de Estado Adjunta e da Saúde à data dos factos, “está mais do que assumido e provado que o contacto do doutor Nuno Rebelo de Sousa foi com o doutor Lacerda Sales” e, por isso, não crê que “fique algo por responder” com a dispensa desta audição.
Também Joana Cordeiro e João Paulo Correia, coordenadores dos grupos parlamentares da Iniciativa Liberal e do Partido Socialista, respetivamente, defendem que Jamila Madeira pouco ou nada poderia acrescentar a esta CPI. “Não há nada que indique qualquer tipo de envolvimento [de Jamila Madeira], não há nada que indique que haja algum tipo de ligação a este caso. E não me parece que fique algo por responder, mas as pessoas podem ser novamente chamadas [à CPI]”, observa a deputada liberal, vincando que nenhum tema está totalmente encerrado nesta comissão.
Da mesma opinião é o Chega, que vai prescindir das declarações de Jamila Madeira. “É mais um adiamento”, assume Cristina Rodrigues. “A posição do Chega é que prescindimos nesta fase, sem prejuízo de voltar a querer ouvi-la”, continua.
Jamila Madeira, ex-secretária de Estado Adjunta e da Saúde - funções que exerceu de novembro de 2019 a setembro de 2020 - foi um dos primeiros nomes a entrar em cena quando se soube que a consulta das gémeas luso-brasileiras no Hospital Santa Maria foi marcada através de um telefonema da secretaria de Estado da Saúde. Jamila Madeira garantiu, em dezembro do ano passado, que não tinha qualquer conhecimento do caso, nem tão pouco envolvimento. “No meu gabinete nunca tivemos conhecimento de nenhum caso clínico em concreto, nem associado a essa patologia, doença, medicamento ou outro”, afirmou, à data, em declarações à Renascença.
Na reunião de Mesa de Coordenadores desta sexta-feira, que decorrerá pelas 12:00, irá ser votado o requerimento do Chega para a audição presencial de Eva Falcão, na qualidade de ex-chefe de gabinete da ministra da Saúde Marta Temido, e o pedido do mesmo partido para que Patrícia Melo e Castro, na qualidade de ex-assessora do gabinete do primeiro-ministro António Costa, preste declarações por escrito, tal como o próprio irá fazer. Com esta audição, o Chega pretende “perceber os procedimentos” habituais nos dois gabinetes e “se houve ou não alteração” na forma de atuação neste caso em concreto. O pedido de audição, justificou Cristina Rodrigues, acontece “não tanto por considerarmos que há responsabilidade”, mas “mais no sentido de perceber os procedimentos”.
Ainda antes da audição de Paulo Jorge Nascimento, será discutido e votado o requerimento apresentado pela antiga secretária pessoal de Lacerda Sales, Carla Silva, para que a sua audição aconteça à porta fechada e sob o regime de proteção de testemunhas, algo que, sabe a CNN Portugal, divide os partidos.
Concluir o tema da nacionalização (que só ficará fechado com Santos Silva)
A audição do ex-cônsul de Portugal em São Paulo, Paulo Jorge Nascimento, irá decorrer por videochamada e dela os deputados esperam uma maior clareza quanto à existência ou não de pressões externas para a atribuição de cartões de cidadãos às bebés em ambiente hospitalar e de forma célere, embora os deputados digam que a audição da presidente do Instituto dos Registos e do Notariado (IRN), Filomena Rosa, deixou claro que tudo decorreu de acordo com a lei. A ex-ministra da Justiça Catarina Sarmento e Castro também disse, em audição na CPI, que os serviços não encontraram “nenhum tipo de influência” para acelerar o processo de atribuição de nacionalidade portuguesa às gémeas, ideia reiterada também pela ex-secretária de Estado das Comunidades Portuguesas, Berta Nunes.
Para Cristina Rodrigues, do Chega, esta é “uma audição bastante importante”, tendo o partido o objetivo de obter “respostas mais concretas e focadas”. “Como já ouvimos outros responsáveis sobre a matéria, há algumas perguntas que só ele [o ex-cônsul] pode responder”, considerou, revelando que o partido pretende saber “como é o procedimento dentro daquele consulado em particular”. “Houve questões colocadas a governantes, mas respondem de um modo geral, o consulado tem um modo de funcionar próprio e competências próprias e teve uma forma de atuar própria [neste caso], por isso, há coisas que precisamos de confirmar, como ao nível da deslocação de funcionários ao hospital e ao nível da marcação do primeiro atendimento”, adiantou a deputada do Chega.
“Continua a não estar explicado porque, no primeiro e-mail, Nuno Rebelo de Sousa disse que estava 100% dedicado a ajudar [as bebés] a obter os cartões de cidadão”, lembrou Joana Cordeiro, referindo-se ao primeiro contacto eletrónico de Nuno Rebelo de Sousa para o seu pai, o Presidente da República, no qual escreveu: “Os pais destas gémeas luso-brasileiras de 9 meses com atrofia muscular espinhal são muito amigos de uns amigos nossos e nas últimas semanas temos estado 100% focados tentando ajudar as gémeas a conseguir os cartões de cidadão portugueses, o que já está.” Para a deputada liberal, “o ex-cônsul tem de explicar se havia uma ligação com a Câmara [Portuguesa] de Comércio [de São Paulo, à data presidida por Nuno Rebelo de Sousa), tem de explicar se houve algum pedido por parte de Nuno Rebelo de Sousa”.
Para o deputado socialista João Paulo Correia, a obtenção da nacionalidade das gémeas “parece já muito clara e muito esclarecida”, dizendo que a audição de Filomena Rosa, do IRN, “foi muito esclarecedora para muitos partidos”. “Deixou, do meu ponto de vista, claro que o processo de atribuição da nacionalidade foi feito dentro da legalidade e nos prazos normais”, sendo que da parte do ex-cônsul espera “saber se ele confirma” o que até agora foi dito, podendo, assim, a CPI quase encerrar este tema na nacionalidade. E o quase prende-se, no seu entender, com o facto de a audição do ex-ministro dos Negócios Estrangeiros à data dos factos, Augusto Santos Silva, ser igualmente “relativa à atribuição do pedido de nacionalidade”.
No entanto, há pontas soltas, não necessariamente a propósito exclusivamente deste caso que envolve as gémeas luso-brasileiras. Para Joana Mortágua, a audição do ex-cônsul Paulo Jorge Nascimento “tem outro interesse”, embora “todos os dados que temos não indiquem motivos para suspeita neste caso em concreto”, mas “há notícias públicas de redes privadas que faziam da autenticação de vistos um negócio junto dos consulados e isso é uma coisa, independente desta CPI, sobre a qual importa perceber a dimensão”.
A CNN Portugal tentou falar com PSD, CDS e Livre, mas não obteve resposta em tempo útil. O PCP não quis fazer uma antevisão das audições e o PAN não teve disponibilidade de agenda, não estando sequer presente na audição desta sexta-feira.