Diretor de neuropediatria do Hospital Dona Estefânia ainda revela alguma “relutância” quanto ao medicamento e diz que “o caso era muito problemático” para que tomasse alguma decisão sem falar com o Conselho de Administração do hospital
José Pedro Vieira, diretor de neuropediatria do Hospital Dona Estefânia, revela que a família das bebés lusobrasileiras tratadas com medicamento Zolgensma tentaram marcar uma consulta neste hospital pediátrico já depois de terem sido vistas no Hospital Santa Maria, onde acabaram por receber o tratamento em 2020. “Não respondi”, revela.
Na audição desta terça-feira, a última antes da suspensão dos trabalhos da comissão parlamentar de inquérito durante o debate orçamental, o médico diz que “percebendo qual o propósito do contacto” da família das bebés, através da médica Carla Mendonça, “colocaram-se várias questões” e que fizeram com que não tivesse anuído à pressão. “Levantei objeções, dúvidas e questões, mas não recomendei qualquer alternativa”, negando qualquer referenciação ou aconselhamento de referenciação para o Serviço Nacional de Saúde (SNS).
Toda esta situação causou ao médico algumas dúvidas, como por exemplo se as bebés teriam acesso ao SNS, pois ainda não sabia que tinham a nacionalidade brasileira, também porque “era um medicamento que não estava aprovado na União Europeia” e não tinha a certeza se as bebés “teriam indicação para mudar do medicamento que já estavam a tomar para outro”. E sobre este último ponto, José Pedro Vieira admite que sempre mostrou “alguma relutância” com a administração do Zolgensma, não apenas por considerar que “as linhas gerais de autorização de uso excecional [de um medicamento] pareciam não se aplicar às gémeas”, mas também porque, à data, considerava que o medicamento não estaria indicado para as crianças. Ainda hoje, o médico admite continuar com reservas quanto ao medicamento. Quando questionado se hoje teria a mesma posição de 2019, a resposta foi:“Sim”.
“Mostrei relutância, mas a minha interação com aquela família não foi além disso. Houve alguma insistência, mas as minhas respostas eram inequívocas porque tinha todas estas dúvidas”, revela o médico, dizendo que sugeriu à família das gémeas, no final de 2019, que “contactassem o conselho de administração do Centro hospitalar de Lisboa Central”. “Achei que era muita coisa e precisava de um aval para isso”, vinca.
A nível clínico, o médico admite ainda ter algumas relutâncias, mas que, em 2019, a “diferença entre Zolgensma e Nusinersen [o medicamento que as gémeas já estavam a receber no Brasil] não era óbvia” e que os estudos que levaram à aprovação do Zolgensma envolveram menos doentes, o que o levou a não recomendar a administração do fármaco.
José Pedro Vieira considera que “o caso era muito problemático” e que as “questões que queria ver resolvidas antes de tomar decisões clínicas pertenciam ao conselho de administração”, tendo, por isso, passado toda a informação ao diretor clínico Luís Nunes. “Transmiti [ao Conselho de Administração] que tinha reservas”, diz, adiantando que “este caso tem particularidades que o tornam diferente de todos os outros”.
Apesar de o Hospital Dona Estefânia ter sido mencionado pelo Presidente da República, José Pedro Vieira diz que não teve conhecimento de uma interferência de Nuno Rebelo de Sousa e admite desconhecer qualquer pressão por parte da Casa da Presidência. “Não tive qualquer contacto” com a Presidência da República. “Não tivemos nenhum contato do Governo acerca deste caso”.