Carla Silva emocionou-se no final da audição ao agradecer em quem “sempre acreditou” em si. Garantiu estar a dizer “a verdade” e acusou Lacerda Sales de “levantar suspeitas” em relação a mim e em relação à minha verdade”
A antiga secretária de Lacerda Sales disse sentir-se um “bode expiatório” no caso das gémeas luso-brasileiras e acusou o ex-secretário de Estado da Saúde de “levantar suspeições” sobre si, vincando ao longo de toda a audição desta sexta-feira que não fez “nada”, incluindo o pedido de marcação de consulta, “que Lacerda Sales não soubesse ou que não tivesse pedido”.
“Depois da ordem que recebi do senhor secretário de Estado é que procedi a uma ação e efetivamente fiz aquilo que tive de fazer”, disse logo no início da audição da comissão parlamentar de inquérito ao caso das gémeas tratadas com o medicamento Zolgensma, referindo-se ao contacto por e-mail para a médica Ana Isabel Lopes, diretora do departamento de Pediatria do Hospital Santa Maria, correio eletrónico enviado a 20 de novembro, segundo o relatório da Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS). “O secretariado não tem autonomia para fazer qualquer contacto que não seja do conhecimento do momento do governo ou do chefe do gabinete”, disse, revelando que a escolha desta médica foi tomada em “conjunto”, pois “o senhor secretário de Estado falou na pediatria”.
Confrontada várias vezes com o facto de Lacerda Sales ter tentado “empurrar” as culpas para si, Carla Silva não teceu qualquer comentário pessoal sobre esse facto - nunca disse o que sentiu quando o seu nome foi tornado público ou como avalia o comportamento do antigo secretário de Estado, “deixo [isso] em privado” -, mas acusou Lacerda Sales de levantar “suspeições” e “suspeitas” sobre si. “Temos um ex-secretário de Estado da saúde a negar qualquer intervenção neste caso e a levantar suspeições em relação a mim, que era sua secretária, era secretária do gabinete, supostamente de confiança”, atira Carla Silva, dizendo que se sente um “bode expiatório” neste caso. “Lacerda Sales tinha pleno conhecimento de todas as intervenções minhas neste processo”, destacou.
Já no final da audição. Carla Silva voltou a colocar o ónus de toda a responsabilidade na marcação da consulta a Lacerda Sales. “E, sim, a responsabilidade máxima é sempre do secretário de Estado da Saúde neste caso”. E, de voz embargada, quis “agradecer a todas as pessoas que acreditaram” em si “desde o início”, que a “apoiaram”, terminando com um: A verdade vence sempre”.
Numa audição marcada pela revelação, por lapso da ARTV, da imagem de Carla Silva - que tinha pedido falar à porta fechada, algo que os deputados negaram, permitindo que prestasse declarações sem mostrar o rosto, sendo emitida apenas a voz -, a antiga secretária de Lacerda Sales disse que a sua “pequena intervenção” neste processo (disse que apenas falou com Lacerda Sales, Nuno Rebelo de Sousa e Ana Isabel Lopes, afirmando que nunca entrou em contacto ou foi contactada pela família das meninas ou pela Casa Civil da Presidência) teve sempre o conhecimento e indicação de Lacerda Sales, incluindo o seu contacto com Nuno Rebelo de Sousa, que surgiu depois de uma reunião entre o antigo secretário de Estado da Saúde e o à data presidente da Câmara do Comércio de São Paulo.
“Tive conhecimento do caso quando o senhor secretário de Estado me pediu para entrar em contacto com o doutor Nuno Rebelo de Sousa, em que me falou que existiam duas crianças da qual era solicitada uma consulta. [Lacerda Sales] Pediu-me para entrar em contacto com o doutor Nuno Rebelo de Sousa e foi nessa altura que conheci os poucos factos da situação dessas crianças”, explicou Carla Silva, que admitiu que, na altura, “nunca me passaria pela cabeça que houvesse algum problema ou alguma irregularidade” e que até achou o assunto “irrelevante”, não tendo por isso colocado Lacerda Sales em cópia (CC ou BCC) nos e-mails trocados com o filho de Marcelo Rebelo de Sousa e com a médica do Santa Maria, dando, no entanto, “nota verbal” de tudo ao secretário de Estado. “Eu não fiz nada que o senhor secretário de Estado da Saúde não soubesse ou que não me tivesse pedido”, vincou a antiga secretária, embora tenha reconhecido que, se fosse hoje, “agiria de outra forma”, “teria colocado o senhor secretário de Estado diretamente em contacto com o hospital”. “Na altura não me passou pela cabeça que houvesse alguma irregularidade”, desabafou.
Embora tenha feito por “deixar claro” que foi Lacerda Sales quem lhe deu o número de Nuno Rebelo de Sousa, Carla Silva disse que não se lembra como é que o filho do Presidente da República lhe fez chegar os dados clínicos das gémeas. A ex-secretária afirmou que o seu “caderno não tinha essas anotações, só poderia ter recebido os dados das crianças por e-mail, WhatsApp ou mensagem”, mas adiantou que não conseguia “aceder” a tal informação. “Houve algum problema com o backup que foi feito quando saí do Ministério da Saúde”, atirou.
Carla Silva revelou que Lacerda Sales tentou marcar um encontro consigo já depois de o caso ter sido denunciado numa série de reportagens da TVI e da CNN Portugal - encontro que nunca se concretizou -, mas rejeitou qualquer tipo de pressão. No entanto, justificou o pedido de audiência à porta fechada (negado pelos deputados) e que a sua imagem não fosse mostrada porque pretende “preservar” e “proteger” a sua privacidade. “Eu não sei o que está por detrás deste processo, tenho de preservar a minha privacidade”, vincou.
Sobre o seu passado como funcionária no secretariado do Hospital Santa Maria, Carla Silva reconheceu que poderia ser confortável para Lacerda Sales passar-lhe este caso, uma vez que estava familiarizada com a instituição, mas voltou a desmentir o antigo secretário de Estado, dizendo que “não” é possível Lacerda Sales não conhecer o seu histórico profissional no CHLN. “Isso não é sequer viável”, atirou, explicando que estava nessa unidade quando foi à entrevista para a secretaria de Estado.