Está a formar-se uma batalha entre legisladores da Califórnia, que pretendem banir os “químicos eternos” dos utensílios de cozinha, e chefs celebridades que se opõem à medida — entre eles David Chang e Rachael Ray.
As estrelas contam com o apoio de uma associação da indústria, que classifica o projeto de lei como um “ataque direcionado”.
Os utensílios de cozinha antiaderentes são uma peça básica nas cozinhas de todo o país. Mas o deslizamento perfeito de um ovo estrelado ou de uma crepe dourada sobre a superfície lisa destas frigideiras é possível graças às substâncias perfluoroalquil e polifluoroalquil — conhecidas como PFAS — uma classe de compostos sintéticos potencialmente tóxicos apelidados de “químicos eternos”, porque não se decompõem facilmente.
O projeto de lei da Califórnia propõe uma proibição progressiva da adição intencional de PFAS a uma variedade de produtos, incluindo utensílios de cozinha, fio dentário, embalagens alimentares e ceras para esquis. O texto foi aprovado pela legislatura estadual no início deste mês e aguarda agora a assinatura do governador Gavin Newsom, que tem até 13 de outubro para o fazer.
E começa a guerra gastronómica.
Os legisladores e os grupos ambientalistas afirmam que é uma necessidade de saúde pública regular os PFAS, que, nos utensílios antiaderentes, podem libertar gases tóxicos a altas temperaturas e contaminar os alimentos quando o revestimento se desgasta. Já a indústria e vários chefs famosos argumentam que os compostos específicos usados nestes produtos são seguros.
O que se passa na Califórnia é um microcosmo de um debate mais vasto sobre como regular o enorme número de substâncias químicas a que estamos expostos diariamente — muitas das quais ainda conhecemos mal.
Os PFAS têm sido amplamente utilizados desde a década de 1950 e estão presentes numa vasta gama de produtos, valorizados pelas suas propriedades antiaderentes, impermeáveis e resistentes a manchas.
O problema é que são compostos extremamente persistentes, que se acumulam no ambiente e nos organismos humanos, podendo permanecer nos órgãos durante muitos anos. A maioria das pessoas nos EUA já foi exposta a PFAS, e estudos associam-nos a várias doenças, incluindo cancro, infertilidade e distúrbios da tiroide.
Muitos cientistas têm alertado há anos para o perigo. Estes compostos são “o problema de poluição mais preocupante do século, na minha opinião”, afirmou Scott Belcher, professor no departamento de ciências biológicas da Universidade Estadual da Carolina do Norte.
“Não há razão para permitirmos o seu uso em produtos que podem contaminar diretamente os alimentos que consumimos”, sublinhou o senador democrata Ben Allen, da Califórnia, que patrocinou o projeto de lei.
No entanto, um grupo de chefs de renome escreveu aos legisladores a exortar que rejeitassem a proposta. Argumentam que o tipo de PFAS usado em utensílios antiaderentes — chamado PTFE, mais conhecido pela marca Teflon — é seguro e que a proibição penalizaria desnecessariamente restaurantes, cozinheiros e famílias.
O que diz a ciência?
O PTFE é “muito inerte”, explicou Thomas Simat, presidente do departamento de ciência alimentar e materiais de contacto com alimentos na Universidade Técnica de Dresden, na Alemanha.
Testes demonstraram que utensílios antiaderentes podem libertar gases potencialmente nocivos quando aquecidos acima dos 260 °C, mas raramente se cozinha a essas temperaturas. As pessoas têm, provavelmente, maior exposição a PFAS através do peixe que consomem do que da frigideira que utilizam, referiu Simat.
A preocupação maior, afirmam cientistas como Simat, é o modo como os compostos usados para fabricar o antiaderente são produzidos e a poluição libertada durante o processo.
Historicamente, o PTFE era fabricado com outro PFAS chamado PFOA, associado a problemas de saúde como cancro, infertilidade e desequilíbrios hormonais. No entanto, o PFOA foi retirado da produção nos EUA há cerca de uma década.
O problema é que não se sabe exatamente que substâncias o substituíram.
É prática comum na indústria “substituir simplesmente por outro PFAS”, e leva tempo a avaliar os riscos para a saúde, explicou Erin Baker, professora associada na Universidade da Carolina do Norte que investiga estes compostos. “É como um jogo de bater no rato — sempre que se usa um químico sintético, existe risco”, observou à CNN.
Muitos representantes da indústria dos utensílios de cozinha, contudo, garantem que os produtos antiaderentes não apresentam riscos quando fabricados de forma responsável.
“Peço que olhem atentamente para a ciência antes de avançar com uma legislação que pode, involuntariamente, causar mais mal do que bem”, escreveu Rachael Ray, chef celebridade e apresentadora de televisão, que tem a sua própria linha de tachos e frigideiras antiaderentes. Estes utensílios, continuou, são duradouros, acessíveis, fáceis de limpar e requerem menos óleo ou gordura para cozinhar.
David Chang, chef e fundador do grupo de restaurantes Momofuku, que desenhou frigideiras antiaderentes com a Meyer Cookware, afirmou que “o PTFE, quando fabricado e utilizado de forma responsável, provou ser seguro e eficaz tanto em cozinhas profissionais como domésticas há mais de meio século.”
Thomas Keller, proprietário do restaurante The French Laundry, em Napa Valley, e colaborador da marca Hestan em panelas antiaderentes, escreveu que “eliminar estas ferramentas sem uma base factual sólida arrisca retirar aos cozinheiros uma opção importante.”
As cartas foram publicadas online pela Cookware Sustainability Alliance, uma entidade da indústria que contactou chefs e outros profissionais do setor para os informar sobre a proposta legislativa.
O projeto de lei da Califórnia “baseia-se na falsa premissa de que todos os compostos PFAS são perigosos”, afirmou Steve Burns, presidente da aliança, que o qualificou como “um ataque direcionado a utensílios seguros”, motivado por “política e não ciência.”
Acrescentou que o foco deveria estar nas empresas químicas, responsabilizando-as por qualquer poluição durante o processo de fabrico. “Mas as empresas produtoras de químicos não aparecem em parte alguma desta legislação”, disse Burns à CNN.
A proibição proposta prejudicará as pessoas comuns, acrescentou. “A falta de preocupação com o aumento dos custos para quem tem de alimentar as suas famílias é, francamente, desconcertante para nós”, afirmou, defendendo que as alternativas sem PFAS são mais caras — embora a proibição não obrigue ninguém a deitar fora os utensílios antiaderentes que já possui.
A Califórnia não seria o primeiro estado a proibir os PFAS em utensílios de cozinha. Outros, como Minnesota, Colorado e Connecticut, já aprovaram legislação semelhante.
Fora dos EUA, a França aprovou em fevereiro uma proibição dos PFAS numa série de produtos. Contudo, embora os utensílios de cozinha estivessem incluídos no rascunho inicial, acabaram por ser excluídos do texto final após protestos de fabricantes e trabalhadores do setor, que argumentaram que a medida colocaria empregos em risco e era desnecessária do ponto de vista sanitário.
Segundo Erin Baker, da Universidade da Carolina do Norte, a resistência da indústria é comum sempre que se tenta regulamentar compostos químicos. “Até se provar que causam cancro ou algum tipo de doença, querem continuar a utilizar o produto”, observou.
Existem, no entanto, muitas alternativas sem PFAS, incluindo o ferro fundido, destacou Belcher, da NCSU: “são duráveis, funcionam extremamente bem e podem passar-se de geração em geração.”
Em última análise, trata-se de uma questão de equilíbrio, acrescentou. “O antiaderente é conveniente, mas temos de nos perguntar: a toxicidade destes compostos justifica os riscos potenciais?”