Névoa mental, demência e outros problemas de saúde: o risco de covid longa fica até dois anos após a infeção. Saiba qual o seu risco

CNN , Sandee LaMotte
23 ago 2022, 08:00
Persistência de sintomas. (Pexels)

Ficar doente com covid-19 já é mau o suficiente. E se for uma daquelas pessoas azaradas que sofre daquilo a que se chama covid longa? É uma mistura de sintomas que podem ocorrer meses – e até anos – depois de se recuperar da covid, de acordo com um novo estudo de mais de 1 milhão de pessoas de oito países.

O risco, nos adultos, de desenvolver distúrbios convulsivos, brain fog (névoa mental), demência e outras condições de saúde mental permanece elevado dois anos após a recuperação de Covid-19, segundo o estudo.

"Estas são descobertas importantes, mas não devem levar ao pânico", disse o coautor Paul Harrison, professor de psiquiatria na Universidade de Oxford , no Reino Unido. "Não estamos a falar de coisas que são 10 ou 100 vezes mais comuns. Acho que o rácio de probabilidades mais provável é algo como duas ou três."

As crianças tinham um risco aumentado de ser diagnosticadas com epilepsia ou convulsões, encefalite e distúrbios da raiz nervosa, que podem causar dor, fraqueza ou perda de sensação num braço ou numa perna. Havia também um pequeno, mas preocupante risco de ser diagnosticado com um distúrbio psicótico, como esquizofrenia ou pensamento delirante.

"Este é um estudo extremamente abrangente e bem conduzido, usando dados de uma grande amostra, e em várias nações", disse Rachel Sumner, investigadora sénior na Cardiff Metropolitan University Reino Unido, que não esteve envolvida no estudo.

"As descobertas são alarmantes e são de extrema importância no nosso contexto atual de propagação não atenuada da covid", acrescentou por e-mail.

As conclusões do estudo coincidem com a experiência clínica de Aaron Friedberg, professor assistente clínico de medicina interna que trabalha no Programa de Recuperação Pós-Covid no Wexner Medical Center na Ohio State University em Columbus.

"Acabei de falar com alguém que tinha sido inicialmente diagnosticado há mais de dois anos com covid, mas que só hoje vai consultar um especialista em pós-covid", disse Friedberg, que não esteve envolvido no estudo. "Isso não significa necessariamente que estão a ter esses sintomas dois anos depois. Significa que só agora estão a ser diagnosticados."

Friedberg também disse que vê pessoas com sintomas graves dois anos após o diagnóstico.

"Não conseguem pensar, não conseguem respirar. Tenho uma pessoa cuja doença é tão grave que basicamente não consegue sair da cama", disse. "Vi uma pessoa recentemente que ainda não está a trabalhar por causa dos sintomas da covid, dois anos depois."

Boas e más notícias

Dois anos de dados hospitalares de adultos e crianças retirados da rede de registos eletrónicos de saúde TriNetX foram analisados para o estudo, publicado na quarta-feira na revista Lancet Psychiatry. A TriNetX é uma rede internacional de dados sem quaisquer fatores de identificação dos prestadores hospitalares, de cuidados primários e especializados. Cerca de 89 milhões de pacientes estão no conjunto de dados.

O estudo analisou 1,25 milhões de pacientes, dois anos após o diagnóstico de covid-19 e comparou-os com um grupo de 1,25 milhões de pessoas que tinham uma infeção respiratória diferente.

"Comparámos esses dois grupos de doentes em termos de 14 distúrbios neurológicos e psiquiátricos nos dois anos seguintes à covid-19 ou infeção respiratória", disse o coautor Maxime Taquet, especialista clínica em psiquiatria no Centro nacional de Investigação Biomédica do Instituto Nacional de Saúde e Cuidados de Investigação no Reino Unido.

A equipa de investigação analisou as seguintes condições: perturbações de ansiedade; distúrbios de humor; distúrbio psicótico; insónia; défice cognitivo (um composto de códigos para capturar o chamado brain fog); demência; epilepsia ou convulsões; encefalite; hemorragia intracraniana; AVC; parkinsonismo; Síndrome de Guillain-Barré; distúrbios nervosos, de raiz nervosa e plexo; e doença neuromuscular e muscular. Os investigadores também analisaram as mortes por qualquer causa.

A maioria dos pacientes era dos Estados Unidos, mas o estudo também incluía pessoas da Austrália, Reino Unido, Espanha, Bulgária, Índia, Malásia e Taiwan.

O estudo não conseguiu determinar se as pessoas tinham experimentado sintomas contínuos durante os dois anos completos desde o diagnóstico de covid-19: "Pode ser o caso, pode não ser o caso", afirmou Taquet. "Estes dados estão apenas a ter em conta o número de novos diagnósticos que estão a ser feitos, não a persistência ou a duração dos sintomas."

As notícias eram simultaneamente boas e más. Para os adultos, o risco de desenvolver "brain fog, demência, distúrbios psicóticos e epilepsia e convulsões permanece elevado ao longo dos dois anos" quando comparado com pessoas com outros problemas respiratórios, disse Taquet.

Os adultos com mais de 65 anos tiveram um aumento de 1,2% no risco de serem diagnosticados com demência, refere o estudo. Embora "seja muito claro que este não é um tsunami de novos casos de demência, igualmente (penso) é difícil ignorá-lo, dada a gravidade das consequências de diagnóstico de demência", disse.

Houve algumas boas notícias para os adultos, Taquet acrescentou: "O risco de algumas perturbações – em particular ansiedade e distúrbios de humor – desapareceu dentro de dois a três meses, sem nenhum número excessivo de casos ao longo dos dois anos."

Efeito nas crianças

Também havia boas notícias para as crianças: "O risco de brain fog nas crianças era transitório – não havia risco geral", disse Taquet. As crianças também não têm maior risco de serem diagnosticadas com ansiedade e depressão depois da covid-19, "mesmo nos primeiros seis meses", afirmou.

Mas houve descobertas perturbadoras quando se tratou de outras doenças. Por exemplo, as crianças tinham um "duplo aumento do risco de epilepsia e convulsões", disse Taquet, e um "triplo aumento do risco de um diagnóstico de distúrbio psicótico em dois anos depois de terem covid comparado com as que foram diagnosticadas com outra infeção do trato respiratório."

No estudo de 10 mil crianças com um diagnóstico de covid-19, 260 desenvolveram epilepsia e convulsões em dois anos, em comparação com 130 em cada 10 mil crianças diagnosticadas com outra infeção do trato respiratório, o que era um "risco duplo aumentado", disse Taquet.

Houve um triplo aumento do risco de um diagnóstico de distúrbio psicótico em crianças, dois anos após uma infeção por covid-19, disse Taquet. No entanto, "o risco absoluto continua a ser bastante baixo", disse, com 18 casos diagnosticados de psicose em 10 mil crianças.

"Acho que temos de ter cuidado na interpretação dos pequenos aumentos relatados na demência e na psicose", disse Paul Garner, professor emérito de síntese de provas em saúde global na Liverpool School of Tropical Medicine no Reino Unido. Garner não esteve envolvido no estudo.

"Estes são, na minha opinião, mais propensos a estar relacionados com a agitação social e a distopia que temos vivido em vez de ser um efeito direto do vírus."

Um impacto a longo prazo

No geral, as evidências do estudo são "particularmente preocupantes", disse Sumner, da Cardiff Metropolitan University, porque até as variantes covid-19 consideradas mais suaves parecem ter as mesmas consequências a longo prazo.

Além disso, "algumas destas perturbações continuarão a ter atrasos no diagnóstico e tratamento nos sistemas de saúde que estão a ter dificuldades em lidar com infeções por covid e atrasos nas listas de espera dos pacientes", acrescentou Sumner.

Esta realidade corresponde à experiência clínica de médicos como Friedberg, que tem tratado pacientes de covid longa desde praticamente o início da pandemia.

"Tenho pacientes com pós-Covid grave da estirpe inicial de março de 2020, e tenho o mesmo em pessoas que a desenvolveram há alguns meses . Por isso, acho que pode ser igualmente grave com qualquer uma destas variantes", disse.

No entanto, Friedberg disse à CNN que não houve "quaisquer decisões de ordem pública" sobre o que acontece depois da covid-19.

"A ideia de que talvez esteja a acontecer algo terrível e que só vamos perceber meses ou anos depois não está a ser devidamente abordada", disse Friedberg.

"Digamos que as crianças não conseguem correr tanto como costumavam correr, ou têm agora distúrbios convulsivos agora, ou os adultos simplesmente não conseguem lidar com tantas tarefas no trabalho ou têm dificuldade em cuidarem dos filhos em casa, porque têm brain fog, ou têm falta de ar crónica.

"Se começar a acontecer a, digamos, 5% da população de cada vez que há uma onda de covid, isso começa a fazer sentido."

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