As boas (e as más) notícias por detrás do recorde dos 17 mil casos de Covid

28 dez 2021, 22:30
Coronavírus

Especialistas explicam o que esperar nos próximos tempos e que significam estes recordes de infeções no país. A capacidade de transmissão da Ómicron não está a gerar pressão nos hospitais, nem fez tantas vítimas mortais como nas vagas anteriores da pandemia, mas causou caos noutros serviços

Apesar de estarem a ser batidos recordes atrás de recordes, há vários sinais escondidos atrás dos números dos novos casos da covid-19, que esta terça-feira atingiram os 17.172. Comparando com a mesma semana do ano passado, os contágios aumentaram 235%, mas tudo o resto baixou: as mortes caíram 78% e os internados nas enfermarias e Unidades de Cuidados Intensivos diminuíram 70%.

Segundo os especialistas contactados pela CNN Portugal, há vários dados a ter em conta para além do número absoluto: o aumento de infeções continuar a não implicar um elevado crescimento de doentes internados, o Rt , índice que indica a velocidade de contágio, parece estar agora a desacelerar, e muitos destes mais de 17 mil positivos dizem respeito a casos reportados com atraso  devido ao facto de se ter estado em época festiva, sendo por isso o total um pouco inferior. Mas há também, avisam, alguns sinais preocupantes, como o descontrolo no rastreio e falhas nas quebras de cadeias de transmissão, a dificuldade em acelerar a descida de casos, a capacidade ultra rápida de transmissão da Ómicron e a pressão nos cuidados de saúde primários e saúde pública.

A caminho do pico?

“A boa notícia é que nos últimos dias o Rt parou de subir”, explica à CNN Portugal Carlos Antunes, matemático da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.

 

Segundo o investigador, este Rt  – que prevê o número de infetados que resultam de cada pessoa portadora do vírus- é um indicador do estado da pandemia. “Há três ou quatro dias começou a sentir-se uma mudança e deixou de subir como estava a acontecer há algum tempo”, diz, explicando que, pelas suas contas, o Rt que chegou a atingir os 1,45 está agora nos 1,4.  

Significa isto que, em vez de duplicar a cada sete dias, os casos vão passar a duplicar a cada dez. “Ainda são valores altos, mas há sinais de que o ritmo de crescimento deixou de ser tão acelerado”.

No entanto, há que esperar, explica Carlos Antunes, para nos próximos dias se ter a certeza de que se vai formar uma tendência de descida do Rt, até chegar ao 1,0.

“Aí atinge-se o pico, o que ainda não acontecerá na próxima semana”, acrescenta o matemático, lembrando que as suas estimativas apontam para que se possa atingir 22 mil casos diários nos próximos dias. E segundo dados do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge e da Direção-geral de Saúde, a 7 de janeiro podem atingir-se mesmo os 37 mil casos. Contas que, notou a ministra da Saúde que esteve a comentar a pandemia no programa CNN Fim de Tarde, foram feitos com base em ritmos de crescimento da pandemia que podem, entretanto, estar a mudar.  

Assim, apesar de os números absolutos serem muito elevados, também se deve ter em conta esse ritmo do crescimento do vírus e do Rt- o que neste momento pode ser uma boa notícia.

Quantas camas de UCI há disponíveis?

Também nos hospitais, em especial nos Cuidados Intensivos, estes recordes de infeções continuam a não ter impacto de peso. “Há três vezes mais casos do que há um ano e temos um terço dos doentes em intensivos”, sublinha Artur Paiva, presidente do Colégio de Especialidade de Medicina Intensiva da Ordem dos Médicos.

Ou seja, apesar de se estar a assistir, com a Ómicron, a um aumento de número de doentes a necessitar ventilação e camas de intensivos, quando comparado com as ondas anterior o cenário é muito diferente. Neste momento há 152 doentes em UCI, há um ano havia mais de 500.  E existem camas que cheguem para estes e mais doentes. Segundo Artur Paiva, só para doentes covid há quase 250 camas a nível nacional, estando 100 por ocupar.

Além disso, conta, todo o cenário de Medicina Intensiva mudou com o aparecimento da covid-19. “Antes da pandemia existiam em Portugal nos Cuidados Intensivos, tanto covid-19 como para as outras situações, 620 camas e agora há 860”, contabiliza o especialista, recordando que se chegou a ter de usar 1200 camas, recorrendo a equipamento extras.

Neste momento, segundo dados oficias, apenas estão ocupadas 70% do total de camas de UCI que existem em Portugal, tanto para doentes graves com SarsCov2, como para os outros pacientes. Por isso, ainda não há pressão nestes serviços hospitalares. “Graças à vacina e à excelente adesão da população portuguesa” o cenário nos hospitais é hoje diferente, considera Artur Paiva, que dirige o serviço de Medicina Intensiva do Hospital de São João, no Porto. O que pode ter a ver, nota o médico, com o fato de “o vírus estar a ficar menos virulento, ou com a alta proteção da população portuguesa com vacinação que chega aos 89%”

Serviços em rutura

A estas boas notícias, juntam-se outras menos boas. A velocidade da nova variante, que segundo alguns estudos recentes é cinco vezes mais contagiosa do que a Delta, deixou os serviços em rutura. A Linha de Saúde 24 já não dá resposta aos milhares de telefonemas, os médicos de família não têm capacidade para prescrever testes e dar altas e os técnicos de saúde pública já não consegue fazer o rastreio dos casos a tempo.

“A situação está descontrolada e já não se consegue rastrear os casos e quebrar as cadeias de transmissão”, avisa Carlos Antunes. Tendo em conta os números das infeções cada profissional está a fazer rastreio a 22 pessoas quando o devia fazer a seis. “Há 490 rastreadores e, tendo em conta a pandemia atual, deviam existir 2.200”, acrescenta este perito.

Para Carlos Antunes, é nestas áreas que pode agora surgir a pressão: médicos de família e saúde pública. “Neste momento, a pressão não está nos hospitais e nos UCI mas nos testes, nos rastreios e na capacidade de quebrar as cadeias de transmissão”, concorda Artur Paiva.

À CNN Portugal, a ministra da Saúde garantiu que vão ser feitos reforços nesses serviços, nomeadamente na Linha de Saúde 24, nomeadamente através da mudança de algoritmo para aumentar as respostas automáticas. Por outro lado, acrescentou Marta Temido, os vários governos europeus estão a analisar mudanças na resposta à pandemia, debatendo-se questões como a nova forma como fazer os rastreios. Outra alteração que pode estar para breve é a diminuição do tempo de isolamento, como acaba de acontecer nos EUA, onde passou de 10 para cinco dias.

Enquanto isso, os especialistas garantem que a evolução da pandemia está dependente do resultado das medidas de contenção que estão em curso. “É importante perceber a capacidade de parar o crescimento das infeções e o país descer da montanha onde subiu”, alerta Carlos Antunes, que admite ser necessário aumentar as medidas, como adiar a abertura de escolas ou avançar com outras medidas, para que se consiga sair desta situação que pode alastra-se e ter impacto a vários níveis.

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