O que se sabe sobre a nova combinação de linhagens da Ómicron detetada em Israel

18 mar 2022, 11:09
Homem de máscara (AP Photo/Kin Cheung)

São, para já, apenas dois casos e com sintomas ligeiros, mas é a primeira vez que duas linhagens de uma variante de SARS-CoV-2 infetam a mesma pessoa. Eis o que se sabe

1. O que foi detetado em Israel?

O Ministério da Saúde de Israel anunciou, esta quarta-feira, que foram identificados dois casos de covid-19 que combinam duas linhagens da Ómicron, a BA.1 e BA.2, que foi considerada “de preocupação” pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Na prática, explica Celso Cunha, virologista do Instituto de Higiene e Medicina Tropical, da Universidade NOVA de Lisboa, as pessoas em causa “não estão infetadas com dois vírus diferentes, mas sim infetadas com duas linhagens do mesmo vírus”. Em Portugal, revela João Paulo Gomes, investigador do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA), não foi detetado qualquer caso.

2. O que se sabe desta combinação?

As autoridades de saúde de Israel dizem que esta combinação, até agora, “não foi vista no mundo”, o que lhe confere algum mistério. Quanto aos sintomas das duas pessoas infetadas, um casal com cerca de 30 anos e cuja nacionalidade não foi revelada, estes têm sido descritos como leves e incluem febre, dores de cabeça e dores musculares – sintomatologia comum às duas linhagens da Ómicron.

João Paulo Gomes, investigador do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA) e coordenador do estudo sobre a diversidade genética do novo coronavírus SARS-CoV-2 em Portugal, explica que “a probabilidade de ocorrerem “misturas genéticas” de SARS-CoV-2, às quais chamamos de “recombinantes”, é tanto maior quanto maior for a circulação simultânea de variantes ou linhagens diferentes numa comunidade, pois isso potencia a possibilidade de ocorrerem infeções mistas (i.e., uma pessoa poder ser infetada por duas linhagens ou variantes diferentes)”. Assim, continua, “no decurso de uma infeção mista, os vírus em multiplicação dentro dessa pessoa poderão misturar o seu material genético, originando as tais formas recombinantes. Em termos de gravidade, nada se sabe sobre as formas recombinantes que surgiram até agora, pois são muito recentes e não têm ainda qualquer impacto epidemiológico”.

3. As duas linhagens são diferentes?

Sim, embora a base (Ómicron, que continua a ser dominante em Portugal) seja a mesma. Segundo a OMS, “a BA.2 difere da BA.1 na sua sequência genética, incluindo algumas diferenças de aminoácidos na proteína spike e outras proteínas”. A entidade mundial de saúde destaca ainda que alguns estudos recentes “mostram que BA.2 tem uma vantagem de crescimento sobre BA.1”, sendo mais transmissível. Em comum, diz o pneumologista Filipe Froes, o que caracteriza a BA.1 e BA.2 “são ganhos de transmissibilidade que não têm estado associados ao incremento de gravidade”.

4. Pode uma combinação de linhagens de uma mesma variante dar origem a uma nova variante?

“Em teoria, pode”, continua Filipe Froes, mas sem avançar com grandes certezas, uma vez que se trata de uma novidade. “Se eu tiver simultaneidade de infeção com duas variantes, a minha célula vai replicar o vírus com dois genomas e originar uma nova variante”, explica Luís Rocha, pneumologista e dirigente da Fundação Portuguesa do Pulmão.

Celso Cunha, por seu turno, diz que, “neste momento, não podemos dizer que é uma variante”, mais uma vez devido à falta de informação sobre a origem destes dois casos.

De uma forma geral, é normal um vírus sofrer erros durante o processo de replicação. E é quando esses erros, que trazem mudanças, se acumulam que se dá o "nascimento" de uma variante. E é por isto mesmo que Carlos Palos, intensivista e coordenador da Comissão de Prevenção, Controlo de Infeção e Resistência aos Antimicrobianos do Grupo Luz Saude considera que “tudo é possível” quando o tema é SARS-CoV-2. “Duas linhagens da mesma variante podem infetar a mesma célula. O vírus tem esta complexidade”, explica.

De uma forma mais detalhada, uma vez que o SARS-CoV-2 “possui um genoma de RNA e é replicado por enzimas que cometem erros, será igualmente grande o número de variantes virais geradas diariamente um pouco por todo o lado, especialmente se tivermos em conta o enorme número de pessoas que este vírus já infetou. Assim, encontrar novas variantes de SARS-CoV-2, caracterizadas por conjuntos de mutações que ou partilham ou as distinguem entre si não só é normal como expectável”, lê-se num texto assinado pela Comissão de Saúde Ocupacional, Biossegurança e Qualidade (CoSOBQ) do Instituto de Higiene e Medicina Tropical da Universidade Nova de Lisboa.

5. É a primeira vez que há combinações de linhagens?

Não. “Houve a Deltacron”, lembra Luís Rocha, pneumologista e dirigente da Fundação Portuguesa do Pulmão. Esta variante foi detetada na Europa e surgiu da combinação de duas variantes do SARS-CoV-2, a Delta (B.1.617.2) e a Ómicron (B.1.1.529).

Mas as combinações não se dão apenas dentro do mesmo vírus. E exemplo disso é a Flurona, também primeiramente detetada em Israel e que nasceu da combinação do vírus influenza (que causa a gripe) e do o vírus SARS-CoV-2 (responsável pela covid-19). À data da descoberta desta combinação, a Organização Mundial da Saúde (OMS) disse que não havia motivo de preocupação, uma vez que os vírus da gripe e da covid-19 não partilham informação, pelo que a proliferação de casos de ‘flurona’ não aumenta o risco de o coronavírus evoluir para variantes mais perigosas.

“Como a célula não fica imune a outra variante por ter sido exposta previamente a uma determinada variante, temos estas possibilidades de combinação que vão ser cada vez mais frequentes à medida que as variantes vão coexistindo”, considera Carlos Palos.

6. Esta nova combinação é motivo de preocupação?

Ainda é cedo para dizer, uma vez que se trata de uma descoberta recente. Mas Luís Rocha crê que “são situações raras que, em princípio, não merecem preocupação acrescida”, até porque, frisa, “caso contrário tinha havido um crescimento exponencial” de casos, uma vez que a Ómicron, por si só, é mais contagiosa. Filipe Froes adianta que, “em Portugal e em grande parte dos países da europa ocidental, a vacinação de reforço é elevada e confere uma proteção bastante grande. Por isso, não vejo com preocupação mas com naturalidade” esta combinação.

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