"O Governo não pensa abrir a caça às festas ilegais?": discotecas revoltadas com as novas restrições (os hotéis estão aliviados, os restaurantes preocupados, o comércio teme ajuntamentos)

21 dez 2021, 20:30

António Costa anunciou novas medidas restritivas que chegam numa altura em que alguns sectores lutam pela sobrevivência. Representantes das discotecas criticam incoerência "escandalosa" do Governo: "as discotecas vão ser substituídas por festas em casas, festas em quintas, por festas em vários sítios, onde não vai haver controlo de entradas, onde não vai haver rastreio de testagem"

Os hotéis estão aliviados, os restaurantes preocupados, o comércio teme ajuntamentos e as discotecas antecipam festas ilegais: as novas medidas de contenção da pandemia causam reações distintas porque os impactos são também distintos.

Para a hotelaria, o mal foi menor, uma vez que a grande preocupação era poder haver limitação de circulação entre concelhos, o que não se verificou. "Apesar de tudo não há restrições à mobilidade entre concelhos, não há restrições de horários ou de lotação em estabelecimentos turísticos, há sim a registar o encerramento de bares e discotecas por um período bastante prolongado. Nós já temos um conjunto de reservas bastante significativo para alojamento e restauração e era importante acautelar que estes compromissos não fossem quebrados, não só pelo direito ao descanso como pelo investimento que as famílias fazem neste período do ano para poderem descansar em família. Esta é para mim a perspetiva mais equilibrada deste conjunto de medidas", avalia o presidente da Região de Turismo do Algarve, João Fernandes, em declarações à CNN Portugal.

José Gouveia, presidente da Associação de Discotecas Nacional, tem um estado de espírito bem distinto - porque está preocupado. Os espaços de diversão noturna, recordou, investiram para reabrir e garantir a segurança dos clientes, segurança que fica agora comprometida com o seu encerramento, uma vez que, defende, não haverá qualquer controlo sanitário nas festas ilegais que "vão ocorrer". "É um duro golpe. Depois de 19 meses encerrados e de em novembro ter sido imposta a medida de testes à porta das discotecas para os clientes poderem aceder às mesmas, e sem capacidade do Estado de fazer esses mesmos testes, foram os empresários desta área que criaram centros de testagem à porta das discotecas, investindo em testes e no pagamento de técnicos de saúde nas ultimas duas/três semanas. E agora, mais uma vez em cima da hora - porque pedimos e suplicámos ao Governo que não mandasse encerrar os espaços uma semana antes, como aconteceu em 2020 -, não fomos contemplados com esse cuidado que o Governo apresenta em relação aos hóteis e a outros sectores. As discotecas tinham as suas contratações feitas, as suas reservas feitas e as suas encomendas e investimentos feitos. E o Governo manda encerrar as discotecas", critica em declarações à CNN Portugal.

Para José Gouveia, a incoerência do Governo é mesmo "escandalosa". "Uma incoerência total e é escandaloso. E será que o Governo não pensa abrir a caça às festas ilegais? As festas ilegais vão acontecer. As discotecas vão ser substituídas por festas em casas, festas em quintas, por festas em vários sítios, onde não vai haver controlo de entradas, onde não vai haver rastreio de testagem e isso talvez fará o Governo pensar se não foi isso que no ano passado motivou o maior número de contágios em janeiro, porque não terá sido só por causa do Natal. Não vejo porque estamos a substituir as festas em ambientes seguros como as discotecas por festas completamente ilegais que são as que vão ocorrer."

Limitação de clientes = ajuntamentos

O comércio suspirou de alívio com as novas medidas. João Vieira Lopes, da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP), recorda que no ano passado as limitações foram muito superiores e que até são menos restritivas com o que está a ser anunciado fora de Portugal. "As restrições que foram apresentadas são bastante menores que as do ano passado. No ano passado eram cinco clientes por 100m2 e neste momento são 20, portanto há maior flexibilidade. Queremos fazer um apelo aos clientes para que mesmo dentro das maiores áreas tentem manter a melhor distância possível. Ao longo desta pandemia provou-se que o comércio nunca foi uma área de contágios significativa. O conjunto de medidas são medidas que quando comparado com o que está a ser praticado noutros países da Europa nos parecem equilibradas e adequadas. No entanto, há vários sectores fortemente atingidos. Não tenhamos dúvidas de que a restauração sofrerá as consequências deste ambiente e portanto são necessárias medidas de apoio."

A limitação de clientes é algo que a Associação Portuguesa de Centros Comerciais antecipa como problemática, a avaliar pela experiência, apontou o seu presidente, Rodrigo Moita de Deus. "O que nos diz a experiência é que de cada vez que impomos estas medidas por m2 arriscamo-nos a criar ajuntamentos à porta dos espaços comerciais, o que quer dizer que transferimos os problemas de um sítio para o outro - ou, pior, agravamos o problema. Queremos evitar aglomerações mas de cada vez que limitamos o número de pessoas estamos a criar aglomerações, filas que não podem ser vigiadas."

Já Ana Jacinto, secretária-geral da AHRESP - Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal, não tem dúvidas de que a fatura vai sair cara aos restaurantes. "É evidente que avaliamos com grande preocupação, porque mais uma vez as nossas atividades vão ser impactadas de forma negativa. Quaisquer restrições, e estas em particular, levam a dificuldades e a menos procura de clientes nos nossos estabelecimentos. Portanto, é um sector que estava tão frágil e ainda a tentar levantar a cabeça decorrido o verão - que foi interessante mas ainda sem o fôlego suficiente para se aguentar. Ao que acrescem outros factores, como os custos elevadíssimos de energia e com os combustíveis. Tudo isto acaba por ser uma espiral muito preocupante, muito embora o primeiro-ministro tenha falado em apoios para bares e discotecas - a restauração também precisa de apoios. E temos apoios anunciados há um ano que ainda não chegaram às empresas. Até o teletrabalho impacta com estas atividades, estes sectores estão muito cansados e exauridos. E este sector do turismo e da restauração é e será o motor da nossa economia", sublinha.

Quanto aos espetáculos, Álvaro Covões, da Everything Is New, lamenta que os especialistas em saúde, inclusive a DGS, apelem nos meios de comunicação social às pessoas para não irem a eventos, o que disse ser contrário à lei em vigor. "A lei permite que os eventos de Natal aconteçam com determinadas normas e depois vemos médicos a dizer que se evitem as festas. Assistimos a cancelamentos sistemáticos de todas as passagens de ano e isso reflete-se também no sector privado porque muitos espetáculos acabam por ser cancelados. Se por um lado a saúde pública diz que há condições de segurança para ir a espetáculos, por outro está permanentemente a dizer na televisão para que fechem os espetáculos. Obviamente, se calhar o sector vai ter de pedir responsabilidade civil às pessoas que dizem precisamente o contrário que está na lei."

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