Variante BA.5 da Ómicron com tendência "crescente" em Portugal. Tudo o que precisa de saber

4 mai 2022, 18:00
Máscaras na rua em Lisboa durante a pandemia de covid-19. Foto: Jorge Mantilla/NurPhoto via Getty Images

Relatório do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge indica que a sublinhagem BA.5, que está a causar preocupação em África do Sul, tem tendência crescente em Portugal e já representa 4% dos casos. Especialistas admitem que se dissemine e substitua as outras sublinhagens, mas falar numa nova onda da covid-19 causada pela BA.5, numa altura em que os casos estão a subir devido à BA.2, ainda é prematuro

O alívio das máscaras começa a notar-se em Portugal e espera-se que, nos próximos dias, se voltem a registar cerca de 15 mil casos diários de covid-19, segundo especialistas ouvidos pela CNN Portugal. Porém, e de acordo com os modelos matemáticos, a chegada do verão deverá fazer cair os contágios de SARS-CoV-2, a não ser que surja uma nova variante que baralhe as contas dos especialistas ou que novas sublinhagens tenham a capacidade de manter o vírus com altas taxas de transmissibilidade. Será esse o caso da BA.4 e da BA.5, duas novas linhagens da variante Ómicron que estão a deixar a África do Sul em alerta? Para já, os especialistas portugueses duvidam, mesmo que o mais recente relatório do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA) sobre a diversidade genética do novo coronavírus indique que a BA.5 tem tendência "crescente" e já está presente em 4% das amostras analisadas em Portugal.

Tanto a BA.4, que não tem qualquer caso detetado em Portugal, como a BA.5 descendem da linhagem BA.2, ainda que apresentem “várias características genéticas distintivas”, lê-se no documento. “A linhagem BA.5 tem apresentado uma frequência relativa crescente, tendo atingido 4% na amostragem nacional das semanas 15 e 16 (17 a 24 de abril de 2022)”, indica o INSA. “Estima-se que a sua frequência relativa seja consideravelmente superior à data do presente relatório”, que foi divulgado esta terça-feira, 3 de maio.

Nesta altura, a linhagem BA.5 e a BA.2+S:L452R “constituem as duas principais linhagens de interesse” em Portugal, com a BA.2 a apresentar “tendência decrescente na sua frequência relativa”, estimando-se que represente, de acordo com o relatório do INSA, 73,8% das amostras positivas para covid-19 até ao dia 2 de maio.

A variante Ómicron, da qual descendem todas estas linhagens, foi considerada pela Organização Mundial de Saúde uma “variante de preocupação”, e vários especialistas têm vindo a público defender que OMS deveria autonomizar a linhagem BA.2 - da qual resulta a BA.5 - como uma variante por si só, em vez de a considerar na dependência da Ómicron, detetada pela primeira vez em novembro de 2021 em África do Sul

A questão, porém, não é consensual: para Miguel Prudêncio, o que está em causa na BA.5 são “mutações que acontecem em cima de mutações já existentes” de uma variante de um vírus, pelo que, para o investigador do Instituto de Medicina Molecular João Lobo Antunes, a designação desta como sublinhagem “é correta” e está relacionada “com o processo natural de evolução do vírus”.

Sobre a gravidade da BA.5, Miguel Prudêncio assinala que ainda não houve tempo para grande acumulação de dados, até porque, em Portugal, esta sublinhagem foi detetada na semana 13 de 2022, ou seja, entre 28 de março e 3 de abril; mas, do que se sabe, a BA.5 “aparentemente não causa doença mais grave do que as outras linhagens da Ómicron e também não há razões para acreditar que as vacinas percam a sua capacidade de proteger contra as formas mais graves da doença”, afirma o investigador à CNN Portugal.

O que se sabe da doença causada pela BA.5

Miguel Prudêncio diz que é necessário deixar clara a distinção entre infeção e doença, já que as informações recolhidas até agora mostram que, com esta sublinhagem, pode haver diminuição na capacidade das vacinas para protegerem contra a infeção mas não há diminuição na capacidade de conferirem proteção contra a doença grave. Um estudo feito em África do Sul mostrou, precisamente, que estas novas sublinhagens conseguem evitar os anticorpos de infeções anteriores, mas têm menor capacidade de se multiplicarem no sangue das pessoas vacinadas contra a covid-19.

"A BA.2 é bastante transmissível e a BA.5 parece competir, a esse nível, com a BA.2", refere o investigador. "Não parece ser muito mais transmissível, mas pelo menos tão transmissível como a BA.2 para se conseguir começar a impor e a ganhar terreno", indica Miguel Prudêncio. "Mais importante do que essa transmissibilidade são as consequências que possa ter em termos de doença, e a informação que temos agora é a de que a doença não é mais grave e que as vacinas não perdem a capacidade de proteger contra as formas graves. É prematuro entrarmos em pânico e estarmos a criar situações de ansiedade nas pessoas", frisa o especialista. 

Bernardo Gomes, médico de Saúde Pública, também acredita que a BA.5 irá eventualmente impor-se. “As formas do vírus que não encontram resposta adequada por parte do corpo multiplicam-se. Acontece com as linhagens BA.4 e BA.5 e o que se espera, mediante o que se está a verificar em África, é que estas tomem o lugar da BA.2. Estamos a ter substituições cíclicas de estirpes de variantes por outras mais transmissíveis e com maior invasão imunitária comparativamente às anteriores”, assinala o especialista. “Com este fenómeno, o que é expectável é que existam mais reinfeções, que as pessoas que já foram infetadas sejam infetadas novamente, sendo que, a meu ver, as vacinas limitaram grande parte dos eventos agudos”, acrescenta o médico.

Ainda assim, Bernardo Gomes chama a atenção para a “espécie de aceitação social muito marcada da transmissão vírica” quando os efeitos a longo prazo da covid-19 e das suas variantes são ainda desconhecidos e eventualmente perigosos. “Temos tido relatos crescentes de pessoas com long covid, com outras sequelas e manifestações a longo prazo da covid-19. Até esta situação com a hepatite aguda em crianças, que ainda está por determinar, pode ser só mais uma num cenário de situações autoimunes que têm sido relatadas de forma mais marcada”, alerta o especialista, que não tem dúvidas de que haverá novas ondas de covid-19 porque a pandemia “não é uma corrida de dez mil metros, é uma maratona”.

“Já estamos a ter uma nova onda só com a BA.2, se o índice de transmissibilidade, está acima de 1”, destaca Bernardo Gomes. Já esta quarta-feira, o INSA divulgou o relatório semanal que indica que o Rt do SARS-CoV-2 estava em 1,07 a 29 de abril, quando a 22 do mesmo mês estava nos 1,01, o que indica uma “tendência crescente do vírus” nomeadamente nas regiões do Norte, Centro e Açores.

E se o impacto da BA.5 “para já é residual” em Portugal, o médico de Saúde Pública não tem dúvidas de que, mediante o cenário de outros países, “é com algum grau de certeza que podemos dizer que se vão tornar variantes dominantes”. Ainda assim, e porque a população portuguesa apresenta alta taxa de vacinação e grande parte até já foi infetada com as “variantes sucessivas” da covid-19, existirá uma resposta imunitária “mais robusta”.

"O que me parece importante, com o aparecimento de novas variantes ao longo do tempo, e que nos deve pôr a pensar, é que esquema de proteção populacional, nomeadamente vacinal, vamos ter para refrescar as nossas defesas”, conclui Bernardo Gomes.

Nova vaga no verão?

Se a BA.5 pode trazer uma nova vaga da covid-19? Para Miguel Prudêncio, será “prematuro” pensar nisso, sobretudo numa altura em que o tempo está a ficar mais quente e “as infeções virais respiratórias tendem a diminuir”, assinala o investigador do IMM. “Temos a situação controlada a nível epidemiológico e níveis de vacinação que nos conferem uma vantagem muito grande em relação a outros países”, reflete Prudêncio, ressalvando porém que uma nova variante  do vírus - e, estatisticamente, elas têm surgido a cada quatro meses, com a última detetada em novembro passado - ou uma sublinhagem podem mudar o cenário até ao próximo inverno.

A propósito da estratégia do Governo para a administração de uma nova dose de reforço da vacina, a quarta dose, que estará prevista para o final do verão nos maiores de 80 anos, Miguel Prudêncio admite que parece ser o passo acertado “dentro da situação epidemiológica que temos agora”, acrescentando que faria sentido haver um “esforço de coordenação” para que a toma da vacina da covid-19 coincidisse com a da vacina da gripe. “Imaginando que as coisas descarrilassem, tínhamos de equacionar esse reforço mais cedo, sobretudo nos mais idosos, maiores de 80 anos”, destaca. “Adiantar um bocadinho nesta faixa etária pode ser prudente, e nos restantes grupos elegíveis, a partir dos 60 anos ou das pessoas com comorbilidades, fazer coincidir então com a vacina da gripe far-me-ia todo o sentido”, esclarece.

Bernardo Gomes corrobora, pedindo também uma integração da vacina da gripe com a da covid-19: “Não tenho razões para disputar a estratégia do Ministério”, afirma, “é a melhor possível face ao que sabemos". Mas defende, porém, que ainda falta saber muito sobre o SARS-CoV-2 e mesmo as pessoas vacinadas têm apresentado, nalguns casos, sintomas mais graves de covid-19. “É sempre necessário um registo de prudência, que se está a minimizar em função do desejo da maior normalidade possível, que não censuro”, frisa o especialista em Saúde Pública.

No futuro, Bernardo Gomes espera, sobretudo, que possa haver “um investimento claro na questão da ventilação” que permita melhorar a qualidade do ar: “Estamos a falar de um vírus, em espaços não ventilados, que se transmite por aerossóis”, sublinha. Por outro lado, o médico admite que o desenvolvimento das vacinas nasais, que consigam “bloquear a transmissão da doença”, possa ter também um efeito decisivo na mitigação da pandemia a longo prazo, terminando com as vagas causadas pelas mutações no vírus.

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