"Para já, os casos de gripe são ligeiramente superiores" ao ano passado

15 dez 2021, 12:00
Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge

Síndroma gripal sem tendência crescente por agora deixa Portugal em situação de tranquilidade relativa. Mas a situação pode mudar depois dos convívios familiares da época festiva e epidemia de gripe pode até ser mais severa se o vírus começar a circular, devido ao subtipo dominante

“Para já, os casos de gripe são ligeiramente superiores àqueles que foram detetados na época passada”, revela Raquel Guiomar, virologista responsável pelo Laboratório Nacional de Referência para o Vírus da Gripe e outros Vírus Respiratórios do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA) à CNN Portugal. O cenário atual, “está de acordo com outras épocas pré-pandemia”, refere, uma vez que o período epidémico se consolida normalmente entre o final do mês de dezembro e o mês de janeiro - altura em que se desenha o pico da gripe.

“Ainda não sabemos o que se vai verificar nesta época”, admite a virologista. “Só quando a taxa de incidência, que é calculada todas as semanas, se apresentar com tendência crescente, poderemos então inferir sobre um possível início da época epidémica”, explica Raquel Guiomar.

Na semana de 29 de novembro a 5 de dezembro, sobre a qual se debruça o último boletim de vigilância da gripe, a taxa de incidência foi de 10,1 casos por 100 mil habitantes. Na semana anterior, a incidência tinha chegado aos 20,7 casos por 100 mil habitantes, mas sempre sem números que justifiquem sair daquela que é considerada área de ausência de atividade gripal.

Na época de 2020/2021, a do primeiro inverno em plena pandemia de covid-19, registou-se uma inédita ausência de atividade gripal; e a época atual, pelo menos até ao início de dezembro, não tem sido muito diferente. De acordo com os últimos dados disponíveis no boletim elaborado pelo Laboratório Nacional de Referência para o Vírus da Gripe e Outros Vírus Respiratórios, em colaboração com a Rede Médicos-Sentinela (especialistas de medicina geral e familiar), os casos de gripe têm sido esporádicos, não se verifica por agora uma tendência crescente da síndrome gripal e as enfermarias e cuidados intensivos dos hospitais que reportam informação sobre a gripe não registaram qualquer internamento, em enfermaria ou cuidados intensivos, devido ao vírus. A título de exemplo, na época de gripe de 2019/2020, a última antes da pandemia, nesta altura já tinham sido internadas com gripe quatro pessoas em cuidados intensivos e dez em enfermaria.

“No ano passado não houve deteção consistente de gripe, com distribuição de uma curva característica de uma epidemia. Este ano, poderá voltar a acontecer. No entanto, não vamos estar certamente numa situação semelhante à do ano passado”, avisa Raquel Guiomar.

A especialista do INSA recorda que na época passada, a seguir ao Natal e Ano Novo, quando os contactos entre familiares e amigos foram mais próximos, houve um confinamento geral para travar o aumento de casos de covid-19, o que impediu “não só a transmissão da gripe mas também de outros vírus”, lembra. “Neste inverno, essa situação não se antecipa”.

Testagem da pandemia ao serviço da gripe

Todas as quintas-feiras, desde o início do mês de outubro e até meados de maio do ano seguinte, é elaborado o Boletim de Vigilância Epidemiológica da Gripe. É durante as semanas mais frias do ano, quando as doenças respiratórias são mais comuns e a atividade viral é mais intensa, que é feita a vigilância laboratorial do vírus que, antes de chegar a covid-19, era a maior fonte de preocupação durante o inverno, por entupir urgências de hospitais e mobilizar uma grande fatia dos recursos disponíveis no Serviço Nacional de Saúde.

“As medidas preconizadas para prevenir e controlar a pandemia de covid-19 contribuíram para limitar a incidência da síndrome gripal através do confinamento, distanciamento físico, uso de máscara facial, higiene das mãos”, corrobora Carlos Flores, responsável de Patologia Clínica do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central.

 

O especialista avisa, em declaração escrita enviada à CNN Portugal, que “a propagação da pandemia afetou o modo de funcionamento dos serviços de saúde e, consequentemente, a capacidade de testarem, o que poderá ter tido impacto na notificação clínica e laboratorial de casos de gripe”, sublinha.

Para Carlos Flores, poderá mesmo ter-se verificado uma situação de subnotificação do vírus da gripe, “quer pela redução da incidência ou ausência de diagnóstico” dos casos. Raquel Guiomar, do INSA, garante que não houve menos amostras testadas.

“O que aconteceu no sistema de vigilância da gripe foi uma reestruturação das redes que notificam os casos de acordo com a reestruturação que os cuidados de saúde primários sofreram no contexto da pandemia”, revela. “Fomos convidar outros parceiros para participarem na vigilância, continuamos a ter médicos sentinelas, continuamos a ter alguns serviços de urgência, mas a grande maioria dos locais de vigilância são as ADR”, Áreas Dedicadas aos Doentes Respiratórios implementadas para avaliar doentes com suspeita de infeção respiratória aguda após o início da pandemia, além da rede nacional de laboratórios hospitalares. 

“Enviam-nos semanalmente amostras para serem testadas aqui no instituto, e as que são negativas para a gripe são testadas para outros vírus respiratórios”, detalha a virologista, acrescentando que o INSA continua a tentar reforçar a rede de ADR a enviar amostras biológicas e que esta reestruturação dos parceiros começou logo em maio de 2020.

Excecionalmente, e devido à situação pandémica, o programa de vigilância da gripe e outras infeções respiratórias, composto pela rede de médicos-sentinela, pelos serviços de urgência, áreas de atendimento dedicadas a doentes respiratórios, pela rede portuguesa de laboratórios para o diagnóstico do vírus da gripe e pelas unidades de cuidados intensivos, estendeu-se no ano passado para além do período normal. Em vez de terminar a meio do mês de maio, continuou ativo nos meses de verão. Foi graças a esse trabalho que foi possível identificar, em julho, “uma subida inesperada” dos casos de vírus sincicial respiratório, prevalente na primeira infância e que pode ser grave em crianças imunossuprimidas ou com doenças crónicas, por exemplo.

Possibilidade de gripe mais severa

Depois de um inverno com ausência de atividade gripal e a registarem-se apenas casos esporádicos de gripe nas primeiras semanas do programa de vigilância da época atual, coloca-se a questão: poderá a epidemia de gripe atingir proporções preocupantes quando o vírus começar finalmente a circular, previsivelmente depois do Natal? “Há essa possibilidade”, assume Raquel Guiomar.

“A população em geral contactou pela última vez com o vírus em 2019, início de 2020, quando os casos de covid-19 começaram a ser mais frequentes. Apesar de o diagnóstico ter continuado, os casos diminuíram abruptamente, o contacto com o vírus foi interrompido e sabemos que a imunidade para o vírus da gripe não é duradoura nem permanente”, reflete a virologista.

Outro fator de preocupação para os especialistas relaciona-se com o subtipo do vírus da gripe detetado nos poucos casos até agora identificados, o A(H3).  “Sabemos, de toda a história da vigilância e da caracterização, que ele está normalmente associado a doença mais grave, principalmente na população mais idosa, e a excessos de mortalidade”.

Este é também o subtipo do vírus da gripe que tem sido detetado no hemisfério norte do planeta, ainda que na Europa só os países de leste e a Rússia estejam a reportar atividade gripal com 10% das amostras positivas, números que, segundo Raquel Guiomar, já “são de considerar”.

Para já, em Portugal, a situação é de “relativa tranquilidade”, diz a especialista, relembrando também a forte campanha de vacinação contra a gripe que decorreu no ano passado e já este ano, que deverá assegurar maior proteção contra o vírus, associada à manutenção do uso da máscara, higiene das mãos ou distanciamento físico. Também os hospitais estão a ser incentivados, por recomendação da Organização Mundial da Saúde e do Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças, a testarem as amostras para covid-19 e gripe em simultâneo, despistando possíveis casos de coinfeção. 

Eficácia da vacina

Sobre a efetividade da vacina contra a gripe que está a ser administrada este ano, Raquel Guiomar diz que só quando houver circulação do vírus em Portugal será possível aferir a eficácia da imunização. “Na época passada não foi possível estimar porque praticamente não houve circulação do vírus, normalmente as primeiras estimativas sobre a efetividade ocorrem em janeiro ou fevereiro, dependendo do número de casos”, explica a virologista.

Será a vacina desta época de gripe mesmo eficaz? A sua composição, recorde-se, foi formulada e definida em fevereiro de 2021 com base nos subtipos de gripe que circularam no ano anterior, ou seja, um período de circulação reduzida do vírus.

“A informação foi mais limitada em relação a anos anteriores, mas a decisão é sempre tomada com informação global, não só do hemisfério norte, mas também do hemisfério sul. Foi uma decisão com a melhor informação que se tinha relativamente a todos os vírus da gripe que foi possível detetar e caracterizar até janeiro de 2021”, afirma Raquel Guiomar. 

 A vacinação contra a gripe arrancou em Portugal no final de setembro, mais cedo do que o habitual devido à pandemia de covid-19, estando já imunizadas mais de 2,1 milhões de pessoas, segundo os dados da Direção-Geral da Saúde.

Com a vacinação e medidas de proteção individual, não se espera que, até ao final de 2021, a atividade epidémica de gripe venha a intensificar-se em Portugal. A especialista do INSA garante também que a avaliação semana a semana - "ou avaliação diária se se justificar" - traz segurança e permitirá atuar logo que o número de casos de gripe comece a subir, alertando as autoridades para a necessidade de um reforço nos cuidados de saúde pública, na expectativa de que a covid-19 não volte a trazer aos hospitais a pressão sentida no início do ano.

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