Como funciona a ventilação nos transportes públicos (e porque continua a ser mais seguro usar máscara)

CNN , Jen Christensen
30 abr 2022, 18:00
Usar máscara nos transportes públicos (Getty Images)

Embora um juiz federal tenha recusado a obrigação do uso de máscara nos transportes públicos pedida pela Administração Biden, alguns especialistas dizem que é melhor não deitarmos já as máscaras fora. (Em Portugal, recorde-se que o uso de máscara se mantém obrigatório nos transportes públicos)

Não importa o transporte público utilizado. Aviões, comboios, elétricos, metro, autocarros ou até carros partilhados: uma boa ventilação pode ajudar a reduzir a propagação da covid-19, mas as máscaras funcionam ainda melhor.

“Não temos mecanismos para sair de um problema como este”, disse Krystal Pollitt, professora assistente de epidemiologia e de engenharia química e ambiental no Instituto de Saúde Global da Universidade de Yale.

Alguém infetado com covid-19 liberta partículas com coronavírus quando fala, ri ou simplesmente quando expira. Se a pessoa não estiver a usar uma máscara para bloquear a propagação dessas partículas, estas podem ficar suspensas no ar e serem inaladas por outras pessoas próximas.

Ao ar livre, as partículas virais podem dispersar-se, mesmo com uma brisa ligeira. Mas, dentro de casa, onde não há vento, as partículas tendem a concentrar-se e permanecer. Uma boa ventilação pode ajudar a quebrar a concentração das partículas virais, mas não é capaz de tudo.

“A ventilação é fantástica, mas sabemos que, se estivermos no exterior, os riscos são menores. Sermos capazes de recriar a mesma quantidade de fluxo de ar que teríamos apenas com os padrões naturais de vento, num espaço interno confinado e muito ocupado, é incrivelmente difícil de fazer”, disse Pollitt. “Tirando a situação em que nos colocássemos, por exemplo, num túnel de vento, o que obviamente não seria confortável por muitas razões, nem em termos de energia, temos de pensar no que é realista.”

Como funciona a ventilação nos transportes públicos

Num transporte público de qualquer tipo, um sistema de aquecimento, ventilação e ar condicionado extrai o ar de fora, trata-o e empurra-o para dentro da cabina ou do veículo. É um sistema de circuito fechado que pode puxar um pouco de ar fresco.

Um autocarro ou uma carruagem de metro conseguem fazer entre 10 a 18 trocas de ar por hora, no mínimo, segundo Jim Aloisi, antigo secretário dos transportes de Massachusetts, que é agora professor de planeamento de políticas de transporte no Departamento de Estudos e Planeamento Urbano do MIT. No máximo, podem fazer entre 40 a 50 trocas de ar.

“Tudo depende da idade do equipamento”, disse Aloisi. Os sistemas mais antigos não são tão eficientes como os mais novos.

O ar ventilado bem misturado tem uma boa circulação e é relativamente seguro, disse Varghese Mathai, professor assistente do Departamento de Física da Universidade de Massachusetts-Amherst, que realizou estudos sobre como o coronavírus se espalha num determinado ambiente.

Mas quando a ventilação não é tão boa, o ar não é tão bem misturado e pode haver zonas dentro de uma sala com maior concentração de partículas.

“Não se pode realmente prever onde se situam essas zonas menos bem misturadas numa sala. É, realmente, um problema multidimensional, e não é fácil prever numa sala menos bem misturada quão seguro é permanecer nela por um período de tempo prolongado”, disse Mathai.

Se o sistema de transporte quiser a máxima eficiência para arrefecer ou aquecer o ar numa cabine, pode fechar a entrada de ar e usar o que já está no interior, explicou Aly Tawfik, diretor do Instituto de Transportes de Fresno e professor do Departamento de Engenharia Civil e Geomática da Universidade do Estado da Califórnia, em Fresno.

"Os autocarros têm filtros, tal como têm os nossos carros”, disse Tawfik. “Mas não foram projetados para vírus como o coronavírus ou o vírus da gripe.”

Em maio de 2020, Tawfik e a sua equipa realizaram uma experiência para ver como se espalharia um vírus num autocarro com um sistema de ventilação comum.

Usando velas coloridas não tóxicas e vapor, eles simularam como é que o ar fluía em vários autocarros. Descobriram que os sistemas HVAC são extremamente eficientes e mantêm o ar frio ou quente dentro do autocarro durante muito mais tempo do que poderíamos pensar.

Quando a equipa introduziu fumo, viu que se espalhava em segundos e enchia toda a cabina. Mesmo quando abriram as portas e introduziram ar fresco nos sistemas HVAC, o fumo permaneceu durante alguns minutos. Os investigadores acham que o vírus se comporta como o fumo e pode permanecer no ar, mesmo depois de uma pessoa infetada sair do autocarro.

“Foram descobertas desagradáveis, porque significa que abrir as portas e as janelas não ajuda muito”, disse Tawfik. “Os sistemas foram projetados para tratar o ar rapidamente e mantê-lo dentro da cabina durante um longo período de tempo.”

Com outra experiência, a equipa tentou ver se poderia tratar o ar para torná-lo mais seguro. Testaram os autocarros com três vírus semelhantes ao coronavírus.

O arrefecimento do ar mitigou em média cerca de 80% dos vírus e o aquecimento fê-lo em cerca de 90%.

“Isso não significa necessariamente que seja seguro, porque esses 10% ainda são milhões de partículas do vírus”, disse Tawfik. Mas, por um lado, ainda não se sabe quanto do vírus é necessário para infetar alguém.

Os filtros HEPA mitigaram cerca de 94% dos vírus. Os filtros ionizadores foram um pouco menos eficientes, mas a oxidação por fotocatálise e as luzes UV tiveram um melhor registo. As luzes UV no sistema HVAC removeram cerca de 99% dos vírus.

O sistema BART do norte da Califórnia e o sistema de metro de Nova Iorque estão entre os sistemas de transporte que introduziram algumas dessas tecnologias durante a pandemia.

Céus mais amigáveis

As pessoas podem apanhar covid-19 nos aviões, especialmente quando uma pessoa infetada não está a usar máscara, mostraram os estudos, mas o sistema de ar de um avião é muito mais forte do que o de um autocarro ou de um comboio.

Os aviões usam filtros HEPA que podem capturar cerca de 99% das partículas no ar. Em voo, também têm uma melhor circulação de ar. Normalmente, o ar entra pela parte superior da cabina, é extraído por ventiladores no piso, passa pelos filtros e, por fim, é enviado de volta à cabina.

Os aviões fazem o ar circular de cima para baixo, cerca de 20 a 30 vezes por hora, criando uma mistura de 50-50 de ar exterior e ar reciclado, e reduzindo a potencial propagação do vírus. Portanto, o risco de ficar doente é baixo, dizem os especialistas.

No entanto, as pessoas costumam ficar muito mais tempo num avião do que num metro ou num autocarro, e mais tempo num avião cheio pode aumentar a exposição.

Quando um avião está parado, não tem aquela circulação de ar superior.

“Os sistemas dos aviões são de certa forma semelhantes aos sistemas dos autocarros, quando estão no solo”, disse Tawfik. É por isso que notamos que a temperatura não é tão bem regulada, e é também nessa altura que não há a mesma quantidade de ar fresco a circular. Aí, lida com os mesmos desafios.”

Viagens partilhadas

Nos Estados Unidos, a Uber e a Lyft deixaram de obrigar ao uso da máscara e muitas companhias de táxis fizeram o mesmo. (Em Portugal, continua a ser obrigatório).

Os estudos mostram que ser infetado num carro é claramente possível.

Podemos sempre usar máscara, e alguns especialistas sugerem abrir as janelas do carro e limitar a conversa ao mínimo. Tenha em mente que viagens mais curtas também são melhores do que as mais longas.

O que mais pode ser feito para tornar os transportes públicos mais seguros?

Aloisi disse que há coisas que os sistemas de transporte podem fazer para mitigar parte do risco.

Os comboios e os autocarros poderiam circular com mais frequência para que não houvesse tantas pessoas a bordo, por exemplo.

Ele diz que podia ajudar exigir que as pessoas mostrassem o comprovativo de vacinação, se quisessem apanhar um comboio ou um avião. Mas isso provavelmente não funcionaria num metro ou num autocarro, nem seria politicamente aprovado.

Aloisi acha que os transportes públicos foram injustamente estigmatizados. “Se alguém não fica furioso por não ser obrigatório usar máscara num supermercado, então, não devia ter problemas com os transportes públicos”, disse ele.

Mesmo antes de as máscaras serem obrigatórias nos transportes públicos, alguns estudos revelaram que os grandes sistemas de transporte não parecem ser os principais impulsionadores da propagação viral.

E, embora não seja obrigatório, os Centros de Controlo e Prevenção de Doenças dos EUA ainda recomendam que as pessoas usem máscara em locais fechados de transportes públicos.

“Quando passamos algum tempo num ambiente fechado, vamos inspirar, obviamente, e se houver outras pessoas presentes potencialmente infetadas, nós podemos inalar essas minúsculas gotículas que nos podem deixar doentes”, disse Mathai.

A ventilação ajuda, sem qualquer dúvida, disse ele, mas protegermo-nos pode exigir várias ferramentas de mitigação. “As máscaras reduzem realmente o impulso das gotículas de aerossol libertadas.”

Uma máscara pode até proteger-nos quando as outras pessoas não as estiverem a usar.

“Usar simplesmente uma máscara é uma solução muito simples para aumentar o nível de segurança”, disse Pollitt. “E pôr uma máscara é uma coisa fácil de fazer.”

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