As 13 mutações que podiam ter matado a variante Ómicron - mas que acabaram por torná-la mais forte

25 jan 2022, 12:55
Covid-19 em Portugal. Foto: AP/Ana Brigida

Cientistas continuam a tentar desmontar a evolução do SARS-CoV-2 e como o vírus se alterou para tomar o mundo de assalto. Novo estudo diz que a forma como atuam 13 mutações raras pode explicar o sucesso da variante Ómicron

Conhecemo-la desde o final de novembro do ano passado, identificada primeiro como a variante B.1.1.529, depois designada de Ómicron. Desde logo que esta variante do SARS-CoV-2, o vírus que causa a covid-19, foi considerada “de preocupação” pelas autoridades de saúde e em menos de dois meses a Ómicron tornou-se na variante dominante: em Portugal, dados de janeiro indicam que é responsável por mais de 90% dos casos de covid-19. 

Entretanto, já foram identificadas novas linhagens desta nova variante, muito contagiosa e que, segundo os estudos mais recentes, causa doença menos severa apesar de ser mais transmissível. Mas os cientistas continuam a tentar perceber como é que o SARS-CoV-2 evoluiu e tomou o mundo de assalto com a Ómicron, que foi pela primeira vez detetada em África do Sul.

Uma equipa internacional de cientistas concluiu agora que esta variante apresenta 13 mutações que são raramente identificadas noutros coronavírus e que deveriam ter sido fatais para a Ómicron. Porém, parecem ser elas, afinal, a chave para a sobrevivência e vitalidade do vírus, agindo de forma concertada para infetarem células saudáveis e se replicarem sem obstáculos.

Desde o início da pandemia que os investigadores foram identificando diferentes linhagens do vírus em todo o mundo. O processo de evolução foi lento e constante. Em dezembro de 2020, recorda o The New York Times, cientistas britânicos descobriram em Inglaterra a variante que foi depois designada de Alpha, e que continha 23 mutações não encontradas na amostra de SARS-CoV-2 isolada em Wuhan no ano anterior.

Em 2021, outras variantes foram identificadas mas seria a Delta a impor-se sobre a Alpha, tornando-se dominante durante o verão, com as suas 20 mutações distintas. Mas a Ómicron tem um total de 53 mutações até aqui não identificadas, um salto significativo na evolução viral. No estudo agora divulgado online, numa plataforma onde são publicadas pesquisas ainda não revistas pelos pares, refere-se que, destas mutações, 30 são no gene da proteína spike do vírus, e que das 13 mutações raras algumas nunca tinham sido vistas em milhões de amostras sequenciadas de coronavírus.

E se uma mutação for benéfica para o vírus, ou pelo menos inócua, é esperado que seja detetada frequentemente em amostras. Mas se é rara ou não aparece, é um sinal de que é prejudicial para o vírus, impedindo-o de se multiplicar, explicou ao New York Times Darren Martin, virologista da Universidade da Cidade do Cabo, África do Sul, um dos especialistas envolvidos nesta pesquisa. “Há aqui um mistério que alguém tem de solucionar”, sublinhou.

Mutações em “clusters”

A Ómicron pode ter colocado a seu favor as 13 mutações, evoluindo em condições incomuns. Darren Martin e os colegas que com ele trabalharam suspeitam de que se trate de epistasia, um fenómeno de evolução que faz com que as mutações sejam nocivas em si mesmas mas benéficas quando combinadas umas com as outras. A Ómicron pode ter-se desenvolvido, por exemplo, depois de infetar o organismo de uma pessoa com um sistema imunitário muito vulnerável, como o de um doente com VIH/Sida.

“Está presa nesta indivíduo, por isso, subitamente, está a fazer coisas que normalmente não faria”, explicou Sergei Pond, biólogo da universidade norte-americana de Temple e autor do estudo, ao The New York Times. Como um imunodeprimido não produz uma grande quantidade de anticorpos, muitos vírus conseguem propagar-se livremente.

As 13 mutações raras da Ómicron foram todas observadas na proteína spike e estão organizadas em “clusters”, aglomerados. No primeiro destes grupos encontram-se quatro mutações que podem auxiliar o vírus a ligar-se com maior eficácia às células humanas que pretende infetar. No segundo grupo, os cientistas identificaram quatro mutações que, além de auxiliarem nesta ligação, permitem à Ómicron escapar a alguns anticorpos. No terceiro grupo, foram observadas cinco mutações que podem ajudar o vírus a fundir-se com as células, infetando-as com maior facilidade.

As mutações são habituais na existência dos vírus, entidades no “limitar da vida”, descritos como parasitas intracelulares obrigatórios porque só se conseguem multiplicar dentro de células vivas. De cada vez que um vírus se replica dentro de uma células, existe a possibilidade de que a cópia tenha alterações nos genes, alterações estas que tornam novos vírus defeituosos e incapazes de competirem com outros. Porém, as mutações verificadas no SARS-CoV-2 parecem tê-lo beneficiado em determinados traços, nomeadamente na capacidade de se prender às células para as infetar.

“A Ómicron não estava propriamente a morrer”, disse Martin Darren ao The New York Times. Pelo contrário, propagava-se “como nunca tínhamos visto”, admitiu o cientista. O facto de as mutações no vírus não estarem aleatoriamente distribuídas pela proteína spike do vírus, mas formando os três “clusters” descritos, cada um alterando uma pequena porção da proteína, é outro facto que tem estado a intrigar os cientistas.

Método de infeção diferente

Dois destes "clusters" alteram a estrutura da proteína spike perto da extremidade, tornando mais difícil aos anticorpos humanos aderirem ao vírus mantendo-o fora das células. Em resultado, a Ómicron consegue infetar quem já tem anticorpos resultantes da vacinação ou de uma infeção de covid-19 anterior. Já o terceiro cluster altera a proteína spike na base, que entra em ação quando o vírus já aderiu aos recetores na célula. Por norma, os coronavírus conseguem fundir-se com a membrana da célula, deixando que os seus genes se propaguem livremente no interior. Mas a Ómicron faz algo diferente: o vírus parece formar uma bolha que, uma vez dentro da célula, se abre e liberta o material genético do vírus.

Esta forma de infetar pode explicar, segundo os especialistas, porque é que a Ómicron causa doença menos severa do que a Delta, propagando-se melhor nas vias respiratórias superiores. Nos pulmões, onde os coronavírus precisam de se fundir com as células, a Ómicron não é tão bem sucedida, provocando assim menos lesões que colocam os doentes em risco de vida.

Especialistas contactados pelo The New York Times admitem que as explicações deste estudo são plausíveis, mas sublinham que é necessário ler as conclusões com alguma parcimónia. “Eu seria cautelosa a interpretar os dados para indicar que todas estas mutações antes perniciosas foram favorecidas com a sua adaptação”, diz Sarah Otto, bióloga da Universidade da Columbia Britânica, no Canadá.

Sergei Pond, autor do estudo, refere que a Ómicron poderá ter-se alterado uma e outra vez no organismo da mesma pessoa até conseguir a combinação de mutações certa para o sucesso, que lhe permite propagar-se com extrema facilidade mesmo entre os mais saudáveis. E se outros cientistas acreditam que esta é uma hipótese verosímil, há lacunas que ficam por explicar, nomeadamente porque é que a variante conseguiu virar a seu favor o método de “bolha” para infetar as células. “Falta-nos imaginação”, admite Pond.

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