Tive covid, cumpri o isolamento: porque é que ainda há tantos mistérios sobre o que acontece a seguir?

4 jun 2022, 12:00
Máscara de proteção. (Pexels)

Há quem continue a testar positivo após o isolamento e quem não. Há quem possa infetar e quem não. Falemos sobre isto e sobre outras coisas - coisas ainda envoltas em muita incerteza

“Posso deixar de me isolar mesmo que continue a testar positivo?” A questão foi colocada num artigo do New York Times que dá conta de que algumas pessoas continuam a testar positivo ao SARS-CoV-2 mesmo depois de terminar o período de isolamento, uma questão que tem sido levantada sobretudo pelas reinfeções impulsionadas pela variante Ómicron.

Em Portugal, o período de isolamento é ditado pela ausência ou presença de sintomas: sete dias nas pessoas sem sintomas (assintomáticas) ou que desenvolvam doença ligeira, dez dias nas pessoas que desenvolvem doença moderada, 20 dias nas pessoas que desenvolvem doença grave e nas pessoas com imunossupressão, independentemente da gravidade da evolução clínica. Atualmente, não é necessário fazer nenhum teste após o cumprimento do período de isolamento para regressar à vida normal e estão desaconselhados os testes nos 180 dias após a infeção.

Mas a pessoa continua ‘positiva’ mesmo depois de terminar o isolamento? Sim, embora não seja ainda claro o quão propensa pode ser a infetar os outros. Um estudo feito em dezembro pela UK Health Security Agency, na altura em que o Reino Unido avaliava a redução do período de isolamento para sete dias (tendo implementado os cinco dias em 2022 para quem tivesse o esquema vacinal completo), revelava que ao décimo dia após o teste positivo 5% das pessoas ainda estavam contagiosas. Os cientistas fizeram as contas e, à data, estimavam que ao quinto dia 31% das pessoas ainda estariam contagiosas. 

Filipe Froes, pneumologista, consultor da DGS e coordenador do Gabinete de Crise para a Covid-19 da Ordem dos Médicos, já tinha explicado que “não há um risco zero” no pós-isolamento, ou seja, em algum momento uma pessoa que esteve infetada e sai do isolamento após o período imposto pode contagiar outra, sendo que o risco diminui à medida que os dias vão passando.

“O risco só diminui com o tempo e pensa-se que 15% das pessoas mantêm o risco de contágio a cinco dias, 10% ao sétimo dia, 5% ao décimo dia e 1% ao décimo quarto dia”, explica o especialista em declarações à CNN Portugal.

Entretanto, outros estudos já foram feitos, como um que está disponível na plataforma MedRxiv e que dá conta de que 43% das pessoas infetadas com Ómicron estavam ainda a testar positivo em testes rápidos de antigénio cinco a 10 dias após a infecção – mesmo sem sintomas e níveis de positividade em declínio desde o sétimo dia. O site The Coversation, num artigo publicado pela imunologista Vasso Apostolopoulos, também pegou no tema e refere que há potencial para as pessoas serem infecciosas além do isolamento de sete dias, sobretudo se ainda estiverem sintomáticas. Após dez dias, a maioria das pessoas não é infecciosa, até porque parece que a capacidade de contágio cai a partir do quinto dia, segundo um estudo ainda em pré-publicação e sem revisão dos pares.

Tal como acontece com as recomendações do Centro de Controlo e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos para se evitar contágios pós-isolamento, também a Direção-Geral da Saúde (DGS) afirma que o uso de máscara mantém-se obrigatório “nos casos confirmados de covid-19 sempre que saiam do seu local de isolamento até ao 10.º dia após a data do início de sintomas ou do teste positivo” e “nos contactos com casos confirmados de covid-19 durante 14 dias após a data da última exposição”.

Vírus mantém-se além do isolamento mas não se sabe o quão contagioso é

Os especialistas consultados pelo The New York Times dizem que ainda não é possível saber porque é que algumas pessoas testam positivo dez ou mais dias depois de terem contraído o vírus - embora se desconfie da possibilidade de as pessoas expostas a grandes doses do vírus possam levar mais tempo para eliminá-lo do organismo -, mas defendem que, embora os testes rápidos de antigénio possam sinalizar pessoas portadoras de altos níveis do vírus, não são preditores perfeitos de infecciosidade, o que dificulta a compreensão do impacto que o pós-isolamento pode ter, até porque cada caso é um caso.

Em algumas situações, as pessoas que testam positivo dias depois do isolamento ainda podem estar a espalhar o vírus de forma infecciosa mas há também a possibilidade de os testes poderem estar a recolher detritos virais de uma infeção já em declínio e pouco ou nada contagiosa, dizem os especialistas, provando que esta é mais uma das incógnitas da covid-19 por resolver.

“Algumas pessoas podem não ser infecciosas no final do isolamento, mesmo que ainda sejam positivas para o teste antigénio, enquanto outras podem ser infecciosas mesmo se forem negativas para o [teste] antigénio”, explica Yonatan Grad, imunologista e especialista em doenças infecciosas da Harvard T.H. Chan School of Public Health.

 

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