China mantém tolerância zero à covid e diz que confinamentos são saudáveis

CNN
1 dez 2021, 08:12
Hora de ponta no metro de Pequim

A política de “covid zero” vai prosseguir, com fronteiras fechadas, testes em massa e recurso a lockdown. Estudo tenta demonstrar que os confinamentos tiveram efeitos saudáveis e reduziram a mortalidade não relacionada com a pandemia

O surgimento da variante Ómicron reforçou a determinação da China para prosseguir a política de “covid zero”, com fronteiras fechadas, longas quarentenas para os poucos que entram no país, e testes em massa, rastreio de contactos e confinamentos generalizados (lockdown) ao primeiro sinal de alerta. 

Até agora não foi registado qualquer caso da nova variante na China continental - apenas três casos em Hong Kong, detetados durante a quarentena obrigatória a que são sujeitos os cidadãos do território quando chegam do estrangeiro. Não há casos de transmissão na comunidade e, embora isso seja bastante provável, mais tarde ou mais cedo, as autoridades de saúde chinesas estão determinadas a tudo fazer para que seja o mais tarde possível.

Cada província está a adotar medidas específicas, mas a regra, neste momento, é de uma quarentena mínima de 21 dias para os cidadãos chineses que chegam ao país (os que não têm nacionalidade ou autorização de residência estão, em geral, impedidos de entrar desde o início da pandemia). O isolamento é feito em instalações específicas, onde são fornecidas refeições e os viajantes são sujeitos a testes regulares. Nalgumas províncias, a quarentena chega a ser de 28 dias, seguindo-se outros 28 dias em casa sob monitorização das autoridades de saúde.

Com estas medidas o país tem conseguido manter níveis baixíssimos de incidência - nos últimos dias de novembro, registou uma média abaixo de 30 novos casos por dia. Num país com mais de mil e 400 milhões de habitantes, a média de novos casos por milhão de habitantes, em sete dias, fica nos 0,02. Por comparação, em Portugal a média a sete dias por milhão de habitantes está nos 287 (dados do site Our World in Data, ligado à Universidade de Oxford).

Confinamentos fazem bem à saúde?

Há quase dois anos que se discutem, por todo o mundo, as vantagens e desvantagens dos confinamentos generalizados, quando as vagas pandémicas parecem estar a fugir do controlo. Na China não é preciso que os números sejam muito alarmantes para que cidades ou províncias inteiras, com muitos milhões de pessoas, fiquem em lockdown. Uma política que tem sido alvo de muitas críticas - sobretudo vindas de fora do país. 

Agora, um estudo de várias entidades científicas chinesas, todas ligadas ao Estado, responde a essas críticas e tenta demonstrar que, para além dos benefícios evidentes no controlo da transmissão do SARS-Cov2, os grandes confinamentos do início da pandemia tiveram outras vantagens para a saúde pública. Os lockdowns, diz o estudo, trouxeram benefícios não intencionais para a saúde pública tanto no curto como no médio prazo.

“Tendo em conta os debates cada vez mais acalorados sobre as diferentes opções de políticas contra a covid-19 por todo o mundo, os nossos resultados fornecem uma referência para entender as consequências mais amplas para a saúde de políticas rigorosas anti-contágio”, escrevem os investigadores no paper que foi publicado esta segunda-feira na revista internacional Nature.

Menos 347 mil mortes

O estudo já foi revisto por pares e defende que os lockdowns decretados na China nos primeiros tempos da pandemia podem ter evitado cerca de 347 mil mortes nos primeiros sete meses de 2020. Não se trata de eventuais mortes por covid, mas por outras razões - cerca de 60% das vidas salvas pelo confinamento estarão relacionadas com doenças cardiovasculares.

Segundo os investigadores do centro chinês de Controlo e Prevenção de Doenças, e das universidades de Pequim e de Hong Kong, o ar mais limpo, devido à redução do tráfego e das atividades industriais, os hábitos como uso de máscaras, higiene das mãos e distanciamento social, e a redução dos acidentes de trânsito podem ter contribuído para o menor número de mortes por causas não relacionadas ao covid-19.

Conclusões que chocam de frente com os dados de outros países, conforme assumem os investigadores chineses. “Tem sido sugerido que medidas como lockdown podem prejudicar a saúde geral da população no curto prazo, porque as restrições à mobilidade reduziriam o acesso aos serviços de saúde, e as restrições aos negócios podem levar a uma forte perturbação económica”, reconhecem os autores do paper. “Na verdade, as nossas análises mostram [que os confinamentos generalizados têm] impactos positivos na saúde, pelo menos na China e no curto e médio prazo.”

A questão poderá ser mesmo essa: o estudo foca-se sobre um período curto de tempo, e apenas nas consequências imediatas sobre a mortalidade.

Impacto de curto prazo 

Os investigadores basearam-se nos registos de 300 milhões de pessoas, e nos dados de mortalidade média, e concluíram que houve uma queda da mortalidade por motivos não-covid tanto durante os confinamentos como nos meses a seguir. “Observámos menos mortes por doenças cardiovasculares, acidentes de trânsito e infeções respiratórias agudas e crónicas durante o período de [lockdown]. Esses benefícios para a saúde persistiram no período pós-confinamento.”

Nos quatro meses entre 8 de abril de 2020, quando o bloqueio foi suspenso em Wuhan, até 31 de julho, o número de mortes caiu 12,5%, de acordo com o estudo.

O grande declínio nas mortes por doenças infeciosas será explicado pelos comportamentos para evitar a covid-19 - como o uso de máscaras, higienização das mãos e menos interação social. Por outro lado, a melhoria da qualidade do ar pode explicar por que menos pessoas morreram de doenças cardiovasculares. Por fim, o alívio do tráfego automóvel, a redução do stress ocupacional e algumas mudanças na dieta podem explicar outros benefícios para a saúde pública durante a pandemia, escrevem os investigadores.

O estudo concentrou-se em mortes não relacionadas a covid-19 e os cientistas chineses dizem que não foi possível avaliar o efeito sobre a morbidade devido à falta de dados, especialmente para pessoas que tiveram doenças não relacionadas a covid mas evitaram os hospitais devido à sua superlotação, ou ao medo de serem contagiados pelo novo coronavírus.

Também não é certo que as vantagens apontadas pelo estudo, na redução da mortalidade, se prolonguem para além do período analisado, de apenas sete meses em 2020.

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