Da Europa aos EUA, os casos de covid em crianças estão a aumentar. As escolas não estão preparadas

CNN , Eliza Mackintosh
13 jan 2022, 08:00
A equipa da Park Lane Academy realiza testes de fluxo lateral à covid-19 aos alunos, no primeiro dia do semestre, em Halifax, no noroeste de Inglaterra, a 4 de janeiro.. Oli Scarff/AFP/Getty Images

Como os casos de covid-19 dispararam em todo o Reino Unido, no final de dezembro, Stuart Guest passou as férias debruçado sobre relatórios científicos relacionados com limpeza de ar e sistemas de filtragem.  

Guest, diretor de uma escola primária em Birmingham, Inglaterra, vasculhou a Amazon em busca de purificadores de ar acessíveis na esperança de impedir que a variante Ómicron, mais transmissível, se espalhasse entre os seus 460 alunos, com idades entre os 3 e os 11 anos.

O governo britânico recomenda dois modelos feitos pela Dyson e pela Camfil, mas por 424 libras (575 dólares) e 1170 libras (1590 dólares), respetivamente, os aparelhos eram muito caros. Guest acabou por comprar unidades portáteis a 200 libras (270 dólares) para cada sala de aula.    

“Consegui aquele que considero ser o melhor purificador de ar dentro do orçamento de que disponho. Espero ter algo que faça o seu trabalho, mas não sou um especialista. E não houve orientação do Departamento de Educação. Tive de fazer tudo sozinho, e não devia ter de fazê-lo, se se trata de uma crise nacional”, disse Guest.

Milhões de estudantes britânicos voltaram à escola após as festas de Natal e Ano Novo, no meio de um aumento recorde de infeções e internamentos. Para professores e pais, a situação trouxe uma sombria sensação de déjà vu. Ao contrário de janeiro passado, quando a desenfreada variante Alfa mergulhou o Reino Unido noutro confinamento, o primeiro-ministro Boris Johnson decidiu "surfar" a vaga Ómicron com restrições limitadas e manter as escolas abertas, referindo o peso negativo que o ensino à distância teve sobre a saúde mental e a aprendizagem dos alunos.

Mas os principais sindicatos de professores dizem que o governo não fez o suficiente para manter a segurança nas salas de aula, exigindo apoio financeiro para a compra de unidades de purificação de ar, testes presenciais à covid-19 e professores substitutos, numa rara carta conjunta.

Antes do novo mandato, o Departamento de Educação anunciou que seriam exigidos testes duas vezes por semana e o uso temporário de máscaras para alunos do segundo e terceiro ciclos, mas não para os alunos do primeiro ciclo. O Departamento disse que fornecerá 7000 unidades de purificação de ar aos estabelecimentos de ensino onde as soluções rápidas, como abrir janelas, são impossíveis, ou seja, cerca de uma em cada três escolas em Inglaterra. Para resolver a falta de pessoal, o ministro da educação do Reino Unido também sugeriu aulas conjuntas e pediu aos professores reformados que mostrassem o “espírito Blitz” e regressassem às escolas.

"São lamentavelmente desadequadas", disse Guest sobre as medidas do governo. "Estão sempre a dizer que a educação é a principal prioridade. É óbvio que não é, de todo." 

Na passada quarta-feira, cinco dos seus funcionários, incluindo três dos 15 professores, ficaram doentes ou em isolamento, o maior número de ausências na escola de Guest desde o início da pandemia, e ele disse temer que mais se seguissem.

À medida que a Ómicron vai afetando o mundo inteiro, a infraestrutura desorganizada que manteve as escolas a funcionar no ano passado está em risco. A variante, que levou a um aumento recorde de infeções pediátricas no Reino Unido, em zonas da Europa e nos Estados Unidos, ameaça quebrar o equilíbrio instável que permitiu que as escolas permanecessem abertas no ano passado, embora com o isolamento pontual de certas turmas. Também destacou o quão pouco tem sido feito em alguns lugares para proteger os alunos, com os professores a terem de recorrer a abrir as janelas em climas frios e a verificar frequentemente os monitores de dióxido de carbono enquanto dão as aulas.  

Nos EUA, há mais crianças do que nunca a serem hospitalizadas. A administração Biden disse que as escolas estão "mais do que equipadas" para continuarem abertas, enquanto a Ómicron se espalha por todo o país. Mas há quem jogue pelo seguro e tenha adiado o início do novo semestre, ao mesmo tempo que um sindicato de professores de Chicago, no Illinois, levou as escolas públicas a fecharem durante uma semana, entre críticas de que as condições nas salas de aula são perigosas.

Uma escola do primeiro ciclo, em Chicago, esteve vazia na semana passada. As escolas de Chicago reabrem na quarta-feira depois de o sindicato dos professores e o município terem chegado a acordo sobre as medidas de segurança contra a covid-19.

Embora os surtos nas escolas possam acontecer, estudos no Reino Unido, na Austrália, nos EUA e em Itália mostraram que a disseminação entre crianças em ambiente escolar é tipicamente menor - ou pelo menos semelhante – aos níveis de transmissão comunitária, quando as estratégias de mitigação como o uso de máscaras são aplicadas. Mas os especialistas estão à espera para ver se a variante Ómicron, mais contagiosa, pode mudar esse cálculo e desencadear uma explosão de casos nas salas de aula.  

Embora as crianças tenham tido menos propensão do que os adultos, até agora, a desenvolver doenças graves por covid-19, ainda podem ficar muito doentes ou morrer, ou então podem desenvolver complicações como a perigosa síndrome inflamatória multissistémica e a covid de longa duração. Até uma em cada sete crianças e jovens pode ter sintomas de covid-19 até 15 semanas após a doença, segundo um estudo do Hospital Great Ormond Street UCL, no centro de Londres. Segundo o Gabinete Nacional de Estatística do Reino Unido, 117 mil crianças no Reino Unido têm sintomas de covid de longa duração.

A Ómicron parece estar a causar doenças mais ligeiras do que as variantes anteriores, mas as pesquisas iniciais também sugeriram que a Ómicron pode desencadear mais problemas nas vias aéreas superiores, o que pode ser mais perigoso para crianças pequenas, podendo levar a laringotraqueobronquites e bronquiolites.

Essa ideia de que é apenas um vírus ligeiro não é correta”, disse Peter Hotez, codiretor de desenvolvimento de vacinas do Hospital Pediátrico do Texas, a Jake Tapper, da CNN, comentando sobre o aumento de internamentos por covid-19 no maior hospital pediátrico da América.

"Acabámos de fazer um péssimo trabalho a vacinar as nossas crianças por todo o país. Portanto, embora haja muita conversa otimista sobre a variante Ómicron, sobre causar doença menos grave, quando somamos todos os fatores... enfrentamos uma situação muito grave neste país, especialmente para as crianças."

Cerca de 17% das crianças americanas entre os 5 a os 11 anos têm a vacinação completa. A grande maioria das crianças hospitalizadas nos EUA não está vacinada, segundo a diretora do CCD, Rochelle Walensky.

Com a pandemia a acontecer há dois anos, os especialistas em saúde pública deixam claro que medidas de mitigação tornariam as salas de aula mais seguras: a vacinação, o uso de máscara nas salas de aula, os testes regulares, o rastreamento de contatos, o sistema de bolhas, o isolamento e a ventilação melhorada. O diretor regional da Organização Mundial da Saúde para a Europa, Hans Kluge, disse no início de dezembro que o uso de máscara e a ventilação, combinadas com os testes, deveria ser um padrão em todas as escolas do primeiro ciclo e que a vacinação de crianças deveria ser considerada a nível nacional. 

Uma profissional de saúde administra uma vacina contra a covid-19 a uma criança em Lisboa. Portugal, um dos países com maior taxa de vacinados do mundo, começou a administrar as vacinas a crianças entre os 5 e os 11 anos, no final de dezembro.

Muitos países da UE começaram a vacinar as crianças entre os 5 a os 11 anos em meados de dezembro, mas o Reino Unido só recentemente começou a fazê-lo e só para as crianças clinicamente vulneráveis.

Christina Pagel, diretora da Unidade de Pesquisa Operacional Clínica da University College em Londres, disse que a decisão de adiar as vacinas para as crianças britânicas foi um erro que irá deixá-las vulneráveis a mais um ciclo da doença, e que coloca ainda mais em risco os pais e os funcionários da escola. Na abertura do novo semestre, uma em cada 10 crianças (entre os 2 e os 11 anos) teve covid-19 em Inglaterra, em comparação com um em cada 15 adultos, segundo dados do Gabinete Nacional de Estatística.  

"Vamos assistir a um grande aumento no número de crianças infetadas. E vai ser muito, muito perturbador", disse Pagel. "Os professores vão apanhar e, provavelmente, num mês ou dois, os pais vão apanhar também. Vamos ver um alto e prolongado nível de infeção."

Pagel, membro do Independent SAGE, um grupo de consultores científicos especializados e sem ligações ao governo, disse que o governo britânico tem sido um caso atípico na sua atitude face às infeções em crianças e falhou em usar estratégias de mitigação implementadas com sucesso noutros lugares - essencialmente, a ventilação e o uso de máscara.

Num editorial para o British Medical Journal, ela destacou os êxitos de países como a Noruega e o Japão, que mantiveram as escolas abertas recorrendo a medidas preventivas, como o espaçamento entre mesas nas salas de aula, o maior uso possível de espaços ao ar livre, o evitar as aglomerações e o uso rigoroso de medidas para a lavagem das mãos. Pagel também destacou que certas zonas dos EUA e da Europa, incluindo França, Espanha, Itália e Alemanha, exigiram com êxito o uso de máscara para as crianças dos primeiro, segundo e terceiro ciclos, registando aumentos nos casos quando houve alívio das regras.

Uma menina usa roupa de inverno e máscara na sua sala de aula arejada na escola Petri, do primeiro ciclo, em Dortmund, no oeste da Alemanha, no final de novembro.

Um estudo recente na Alemanha descobriu que a obrigatoriedade do uso de máscara para crianças e adultos nas escolas pode reduzir significativamente as transmissões e os surtos de covid-19, porque os surtos eram geralmente mais graves quando um adulto era a origem. Estudos divulgados pelos Centros de Controlo e Prevenção de Doenças dos EUA (CCD) também mostraram a eficácia do uso de máscara na limitação da transmissão da covid-19 em ambientes escolares. Um estudo descobriu que as escolas em dois dos condados mais populosos do Arizona, sem obrigação do uso de máscara, tinham 3,5 vezes mais probabilidades de ter um surto de covid-19 do que as escolas que exigiam as máscaras a todas as pessoas, em ambiente fechado, independentemente de estarem ou não vacinadas. O CDC recomenda o uso de máscara universal em todas as escolas. 

Mas mesmo em países como a França, onde o uso de máscara e outras medidas mitigadoras são obrigatórias nas escolas, há receio de que a Ómicron se dissemine de forma desenfreada nas salas de aula. Uma análise aos protocolos nas escolas francesas, em dezembro, que usou dados da vaga de infeções da primavera no país, descobriu que os testes regulares e a vacinação contra a covid-19 eram as formas mais eficazes de reduzir o encerramento das escolas. Também sugere que a circulação viral entre as crianças nas escolas é muito maior do que na comunidade em geral, resultando num maior risco de infeção para os familiares dos alunos.  

Vittoria Colizza, epidemiologista do Inserm, um centro francês de pesquisa em saúde pública, e uma das autoras do estudo, disse que, à luz da Ómicron e da ameaça de variantes ainda mais contagiosas, a situação nas escolas iria tornar-se mais difícil nos próximos meses. É por isso que Colizza e outros cientistas têm estado a pressionar por testes regulares e pela vacinação das crianças, que já começaram em França no mês passado. "Acho que grande parte do problema tem sido essa ideia tendenciosa de que a transmissão nas escolas não acontece, mas é claro que acontece", disse ela.

À medida que os alunos voltam às aulas no meio da Ómicron, muitos cientistas e especialistas em saúde pública questionam-se: se manter as escolas abertas é tão importante para as crianças, porque estamos a poupar nas medidas que poderiam protegê-las?

Um local de testes à covid-19 em Albigny-sur-Saone, no centro de França. As escolas francesas debatem-se no meio de uma vaga de Ómicron, e as novas regras de testagem e rastreamento para as salas de aula estão a aumentar ainda mais as já longas filas.

"É bastante assustador olhar para o número de crianças que estão a ser infetadas e hospitalizadas a cada semana. E o facto de elas irem para a escola agora, com uma variante altamente transmissível e quase sem mitigação, com a grande maioria não vacinada", disse Deepti Gurdasani, um epidemiologista clínico da Universidade Queen Mary, em Londres, sobre a situação em Inglaterra. "A retórica ainda parece ser manter as escolas abertas a todo o custo... em vez da discussão real que deveríamos ter, que é como manter as escolas abertas com segurança.”

"Nem tenho a certeza se muitos pais percebem o tipo de risco que as crianças enfrentam todos os dias. E há países que se saíram muito melhor do que nós", acrescentou, observando os sucessos no Sudeste Asiático e na Europa Ocidental, particularmente na redução de transmissão aérea.

As mesmas estratégias que tornaram o Sudeste e o Leste Asiático tão bem-sucedidos na supressão do vírus – o uso generalizado de máscara, a ventilação melhorada, os testes abrangentes e o rastreamento de contactos, bem como o isolamento apoiado – também permitiram limitar as perturbações na educação, disse Gurdasani, destacando medidas de saúde pública no Japão, em Singapura, na Coreia do Sul e em Taiwan. Esses países também permaneceram dinâmicos, mudando as medidas de proteção consoante os casos e migrando rapidamente para um ensino híbrido.

Na Europa, o governo alemão investiu 500 milhões de euros (427 milhões de dólares) em outubro de 2020 na melhoria dos sistemas de ventilação dos edifícios públicos, incluindo escolas, incluindo a atualização de sistemas de ar condicionado e purificadores, uma medida descrita pela então chanceler Angela Merkel como "uma das mais baratas e mais eficazes formas" de conter a propagação do vírus.

E, nos EUA, a cidade de Nova Iorque entregou dois purificadores de ar a cada sala de aula, após extensas pesquisas de ventilação, o que ajudou a manter a taxa de casos positivos à volta do 1%, abaixo da taxa de 3% da cidade, em dezembro - embora esse número tenha desde então subido para 31%, no meio da vaga da Ómicron.     

Mas, em Inglaterra, apesar das recomendações de grupos consultivos e de cientistas para melhorar a ventilação nas escolas, o governo disse repetidamente que não havia fundos para isso. Os liberais democratas da Grã-Bretanha sugeriram recentemente que Inglaterra poderia instalar filtros de ar em todas as salas de aula por 140 milhões de libras (190 milhões de dólares) - cerca de metade do custo do novo iate real.

Gurdasani, que é imunossuprimida, estava ansiosa para mandar a sua filha de 6 anos para a escola, esta semana. Ela disse que há seis meses que tentava colocar dispositivos de filtragem HEPA na sua sala de aula, antes de uma instituição de caridade concordar em apoiá-los. A filha, que tem asma, usava uma máscara N95 no regresso às aulas, mas era a única da turma a usar máscara.

"Ela é uma criança tímida, e ninguém na escola dela usa máscara, ninguém. E ela acaba por se sentir deslocada, e aos 6 anos, isso é muito difícil. Mas eu não sei o que mais fazer."

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