Este país tornou obrigatórias as vacinas contra a covid-19 para crianças e nos hospitais até uma luta houve

CNN , Rafael Romo
12 fev 2022, 10:00
Pessoas à espera que os filhos sejam vacinados num centro de vacinação contra a covid-19 no Children's Discovery Museum de San José, na Costa Rica, em janeiro.

Começou como uma discussão acesa entre um pai e o médico do seu filho. Mas rapidamente se transformou numa troca de murros com várias pessoas que chocou a nação.

Dentro do Hospital São Vicente de Paulo, na província de Heredia, na Costa Rica, não muito longe da capital San José, a discussão – sobre a obrigação da vacina contra a covid-19 no país – passou a uma luta física, o que levou à detenção de sete pessoas.

Mas a luta teve mais consequências do que apenas para as pessoas envolvidas: o incidente obrigou as autoridades a fechar temporariamente as portas do hospital, marcando um momento sombrio na batalha do país contra a pandemia e trazendo a lume o debate em torno da política de vacinação obrigatória.

Em novembro passado, a Costa Rica tornou-se o primeiro país do mundo a tornar obrigatórias as vacinas covid-19 para menores, abrangendo todas as crianças com mais de 5 anos, salvo exceções médicas.

Mais de 91% das pessoas com idades entre os 12 e os 19 anos receberam pelo menos uma dose da vacina contra a covid-19, de acordo com os dados do governo, mas a vacinação dos mais novos estagnou, com apenas 12% das crianças entre os 5 e os 11 anos a terem recebido uma dose, até agora.

Uma sondagem publicada pela Organização Pan-Americana da Saúde, em outubro, constatou que quase 94% da população costa-riquenha considera “importante que todas as pessoas sejam vacinadas contra a covid-19”. Na mesma sondagem, 89% dos pais disseram que iriam vacinar os seus filhos com 12 anos ou menos.

E muitos parecem concordar com a obrigatoriedade.

Um estudo da Faculdade de Estatística da Universidade da Costa Rica revelou que 75% dos entrevistados apoiavam a obrigatoriedade da vacinação para pessoas com 18 anos ou mais, com esse apoio a cair ao longo das faixas etárias; 69% das pessoas concordavam com a obrigação da vacina para crianças entre os 12 e os 17 anos, enquanto 59% apoiavam a medida para crianças entre os 5 e os 12 anos.

Ainda assim, um pequeno, mas ativo grupo de pais - como os que cercaram o hospital na semana passada – opõe-se à medida, catapultando o debate sobre as vacinas obrigatórias para o Congresso.

Pessoas participam numa manifestação contra a obrigatoriedade de vacinação das crianças contra a covid-19, em San José, na Costa Rica, em janeiro.

O ataque em Heredia aconteceu depois de um menino de seis anos ter dado entrada no hospital com um problema respiratório, segundo disse a diretora do hospital, Priscila Balmaceda Chaves. Quando o médico que o assistiu soube que a criança não estava vacinada, disse ao pai que teria de fazê-lo. Ao abrigo da obrigatoriedade, uma criança pode ser vacinada mesmo sem o consentimento dos pais, mas esse processo não é instantâneo, segundo o especialista em saúde pública Roman Macaya Hayes, que chefia o Instituto de Segurança Social da Costa Rica.

Irritado com o facto de o filho poder ser vacinado sem a sua autorização, o pai - juntamente com seis outros - decidiu impedi-lo, segundo as autoridades. Foi quando começou a troca de murros.

A presidente do Congresso, Silvia Hernández Sánchez, apelidou o grupo de “multidão enfurecida pela insensatez”, cujas ações violentas “colocam em risco tanto funcionários como pacientes”, com o ministro da Segurança Pública da Costa Rica a pedir aos tribunais que “apliquem toda a força da lei”.

Hayes disse à CNN que proteger a saúde de uma criança equivale a prevenir os maus-tratos infantis, pois o resultado é o mesmo: garantir o bem-estar dos menores.

Ele explicou que a vacinação obrigatória é apoiada por legislação, incluindo leis que apoiam o “direito constitucional à vida e, consequentemente, à saúde.” “O bem coletivo prevalece sobre os direitos do indivíduo”, disse Hayes.

Nem todos os legisladores concordam - embora também eles pareçam estar em minoria.

Um dos mais opositores mais fortes é o legislador independente Erick Rodríguez Steller, que chamou “absurda” à obrigatoriedade, dizendo que coloca a Costa Rica numa “ditadura sanitária”.

Embora Rodríguez diga que não aprova a violência que aconteceu no hospital de Heredia, disse que o pai tem todo o direito de impedir que o filho seja vacinado.

Rodríguez manifestou a sua oposição à obrigatoriedade no Congresso, na semana passada, dizendo que “o Estado não devia decidir como criamos os nossos filhos”.

Mais tarde, ele disse à CNN que foi vacinado, que acredita na ciência e que não é um “antivacinas” - ainda que, segundo alegam os média locais, o pai do menino no centro da controvérsia o seja.

Rodríguez disse acreditar que não há informações suficientes sobre os riscos das vacinas para as crianças - e que ele e outros que se opõem à obrigatoriedade querem apenas descobrir a “verdade” sobre quaisquer potenciais riscos.

Estudos realizados no mundo inteiro concluíram que as vacinas covid-19 são seguras para as crianças, com os Centros de Controlo e Prevenção de Doenças dos EUA a recomendá-las para as crianças a partir dos 5 anos.

E na América Latina, Cuba, Chile e Argentina estão a realizar, há meses, campanhas de vacinação infantis bem-sucedidas.

Ainda assim, governos do mundo inteiro têm-se afastado da vacinação obrigatória, optando por incentivos que motivem as pessoas a se vacinarem.

Mesmo em regimes autoritários, incluindo a China - onde as vacinas estão aprovadas para as crianças a partir dos 3 anos – a vacinação não é obrigatória. 

Alguns dizem que a obrigatoriedade está a testar o limite entre a saúde pública e as liberdades civis, aumentando as tensões entre aqueles que são vacinados e aqueles que não são.

Rodríguez, o legislador independente, disse que não descarta completamente a hipótese de apoiar uma obrigatoriedade, mas que a mesma deve ter o consenso do Congresso.

“No que toca a restringir direitos e liberdades, é preciso passar pela Assembleia Legislativa e, aqui, as autoridades de saúde ignoraram-nos”, disse.

Hayes insiste que a obrigatoriedade não tem que ver com restringir liberdades, mas sim com garantir o bem público, especialmente quando há uma vacina que foi considerada segura e eficaz em todo o mundo.

“Vamos manter viva a tradição costa-riquenha de acreditar nas vacinas, de acreditar na ciência e de acreditar nos médicos que tratam os pacientes com o melhor interesse destes em mente, porque estas vacinas salvam vidas”, disse ele.

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