A Coreia do Norte acaba de inaugurar um resort de luxo na praia para 20 mil pessoas. Mas quem é que o vai visitar?

CNN
28 jun, 17:37
Kim Jong-un (AP)

A Coreia do Norte inaugurou um luxuoso resort de praia para 20 mil pessoas, mas com acesso reservado à elite do regime e, talvez em breve, a turistas russos — enquanto se diz que o resto do país enfrenta fome e repressão.

Kim Jong Un cortou pessoalmente a fita inaugural de um novo resort, descrito pelos meios estatais como uma “cidade turística de nível tesouro nacional” — um luxuoso empreendimento à beira-mar que contrasta fortemente com a realidade de fome e dificuldades relatada por observadores de direitos humanos na Coreia do Norte.

Segundo a agência estatal KCNA, Kim inaugurou o vasto resort de praia de Kalma, com parques aquáticos, hotéis de vários andares e capacidade para quase 20.000 hóspedes — uma demonstração de opulência num dos países mais isolados do mundo.

A Zona Turística Costeira de Wonsan-Kalma, revelada numa cerimónia a 24 de junho, situa-se na costa leste do país. A KCNA referiu que o “serviço para hóspedes domésticos começará a 1 de julho”, mas não foram avançados detalhes sobre quem poderá aceder nem sobre as opções de transporte.

No início deste mês, a Coreia do Norte anunciou a abertura da estação ferroviária de Kalma, construída, segundo o regime, para “assegurar um elevado nível de conveniência para os viajantes que se dirigem à zona turística costeira”. O resort fica também ao lado de um aeroporto internacional, o que indica que o projeto poderá ter como objetivo atrair divisas estrangeiras.

A participação internacional na cerimónia de inauguração foi limitada ao embaixador da Rússia e respetivos funcionários, um sinal da crescente aproximação de Pyongyang a Moscovo, num contexto de isolamento crescente face ao Ocidente sob o regime autoritário de Kim.

Em 2024, o alto-comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Volker Türk, descreveu a Coreia do Norte como “um ambiente sufocante e claustrofóbico, onde a vida é uma luta diária desprovida de esperança”.

No ano passado, pequenos grupos de turistas russos visitaram a Coreia do Norte para estadias de três dias no resort de esqui de Masikryong, uma atração turística de longa data desde a sua abertura em dezembro de 2013. Tal como acontece com todas as experiências turísticas no país, estas visitas foram fortemente monitorizadas e controladas pelas autoridades.

Turistas que regressaram relataram à CNN que estavam sujeitos a regras rigorosas sobre o que podiam ou não fotografar e que foram obrigados a assistir a uma atuação coreografada de crianças norte-coreanas, além das atividades ao ar livre.

“Wonsan-Kalma está, por agora, aberto apenas a norte-coreanos, mas não devemos ficar surpreendidos se começarmos a ver russos no resort num futuro próximo”, afirmou Rachel Minyoung Lee, investigadora associada no programa 38 North do Stimson Center.

“Mais amplamente, a abertura de um resort balnear de grande escala como Wonsan-Kalma reforça a narrativa dos meios estatais sobre a política de Kim centrada no povo e ajuda a equilibrar o foco mais evidente no fortalecimento da defesa nacional”, acrescentou Lee.

Kim Jong Un e filha inauguram o resort de praia. (Imagem: KCTV)

Num país onde o turismo internacional tem sido, desde o fim da pandemia de COVID-19, quase exclusivo a cidadãos russos, e onde as viagens internas são fortemente limitadas, este novo empreendimento levanta questões conhecidas: quem poderá aceder? Para que público é? E é economicamente viável?

“O público-alvo inicial deste resort será a elite privilegiada de Pyongyang, como os quadros do partido e outras figuras de topo”, explicou Lim Eul-chul, professor de Estudos da Coreia do Norte na Universidade Kyungnam, na Coreia do Sul.

“A cerimónia de abertura do resort de Wonsan-Kalma reflete a visão de Kim Jong Un sobre uma ‘civilização socialista’ e faz parte da sua estratégia para alcançar avanços económicos através do setor do turismo.”

A mais notória experiência da Coreia do Norte com o turismo internacional teve lugar no final da década de 1990, quando abriu a pitoresca zona do Monte Kumgang, na costa sudeste, a visitantes da Coreia do Sul.

Este projeto foi visto como um raro símbolo de aproximação intercoreana num período de tímida reaproximação. Cerca de dois milhões de sul-coreanos visitaram o local na década seguinte, gerando importantes receitas em moeda forte para Pyongyang.

No entanto, o programa foi abruptamente interrompido em 2008, após um soldado norte-coreano ter abatido mortalmente uma turista sul-coreana que, alegadamente, se teria desviado para uma zona militar restrita — um incidente que sublinhou a fragilidade da cooperação entre os dois países e levou Seul a suspender as visitas indefinidamente.

Muitos dos edifícios dessa zona foram demolidos em 2022, incluindo o hotel Onjonggak Rest House, onde se realizaram reuniões de famílias separadas pela guerra. Kim já havia descrito a área como “pobre” e “atrasada” durante uma visita.

Na verdade, a grande questão em torno do novo resort é se um dos países mais secretos e repressivos do mundo está preparado para apostar verdadeiramente no turismo internacional, com o objetivo de reforçar tanto as suas reservas em divisas como o seu prestígio externo.

Até ao momento, os russos parecem ser os únicos estrangeiros autorizados a visitar o resort balnear. A agência de viagens Vostok Intur, sediada em Vladivostoque, está a promover três pacotes turísticos — um em julho e dois em agosto — com preços a rondar os 1.840 dólares.

Segundo o seu site, o primeiro tour está previsto para 7 de julho e terá duração de oito dias. Os viajantes irão voar de Pyongyang para Wonsan, passar quatro noites no resort e visitar também o resort de esqui Masikryong.

Kim anunciou que a expansão das zonas turísticas da Coreia do Norte será formalizada durante o próximo congresso do partido no poder, a realizar-se nos próximos meses. As lições aprendidas em Kalma, acrescentou, servirão de base para desenvolver “promissoras zonas turísticas e culturais em larga escala” noutras partes do país.

O envolvimento pessoal do líder norte-coreano é sublinhado pelas pelo menos sete visitas ao estaleiro de construção de Kalma, onde ofereceu o que os media estatais apelidaram de “orientações no terreno” e exigiu padrões “de classe mundial”.

Novo resort de praia inaugurado na Zona Turística Costeira de Wonsan-Kalma, na Coreia do Norte, a 24 de junho de 2025, numa imagem divulgada pela Agência Central de Notícias Norte-Coreana. (Imagem: KCNA)

Para o regime de Kim, a conclusão do resort é vista internamente como uma vitória importante e uma oportunidade para exibir desenvolvimento, apesar das duras sanções internacionais. Num gesto simbólico, o líder fez-se acompanhar da sua mulher, Ri Sol Ju, e da filha, presumivelmente chamada Kim Ju Ae, amplamente vista como possível sucessora.

“A presença de toda a família de Kim Jong Un no evento sugere que o projeto pretende prolongar o legado dos seus antecessores e ser preservado para as gerações futuras”, explicou Lim, da Universidade Kyungnam.

O projeto do resort foi anunciado pela primeira vez em 2013 como parte da visão mais ampla de Kim de transformar Wonsan, uma cidade portuária com importância histórica, num centro de lazer e atividade económica.

O empreendimento foi alvo de vários atrasos, os mais recentes devido à pandemia e às sanções internacionais ligadas aos programas nuclear e de mísseis da Coreia do Norte.

Apesar das projeções de glamour e das imagens do líder a visitar piscinas de ondas e escorregas aquáticos, especialistas manifestam cepticismo quanto às reais perspetivas do destino.

“Resta saber se este resort dará a Kim Jong Un os ganhos económicos de que tanto precisa a longo prazo: Wonsan-Kalma não é exatamente um ponto turístico de renome à partida”, afirmou o Dr. Edward Howell, especialista em Coreia do Norte na Universidade de Oxford.

“Importa referir que, desde 2020, Kim tem adotado uma postura cada vez mais severa em matéria de controlo social, reprimindo qualquer sinal do ‘vírus’ da informação e ideologias externas que entrem na RPDC”, destacou Howell.

“Se algum turista ocidental vier a visitar o resort, o regime assegurará, sem dúvida, que todos os seus movimentos e comportamentos sejam rigorosamente regulados e controlados.”

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