Os disparos de mísseis norte-coreanos têm como objetivo apurar a sua capacidade de lançar ataques nucleares contra os países vizinhos e os EUA. A seguir, Pyongyang vai retomar os ensaios nucleares. Já tem essa capacidade, mas quer melhorá-la
Há cerca de um mês, a máquina de propaganda estatal norte-coreana divulgou novos cartazes louvando os gloriosos feitos da nação sob os comandos de Kim Jong-un. Da agricultura às pescas, da construção civil ao desenvolvimento rural, passando pela indústria metalúrgica, pelos bens de consumo e pela proteção ambiental, a coleção outono-inverno de cartazes de propaganda política de Pyongyang mostrava tudo o que de melhor o regime de Kim tem dado ao seu povo, sem esquecer a exaltação da sua ideologia política totalitária. As pinturas de cores garridas, ao melhor estilo vintage norte-coreano, mostram cidadãos de rostos sorridentes e confiantes, apontando para o futuro e perscrutando o infinito.
Mas dois cartazes destacaram-se na fornada artístico-propagandística de setembro passado: um, dominado por um militar jovem, de ar decidido (e também perscrutando o infinito) e rodeado de enormes mísseis e aviões de combate; e outro mostrando em primeiro plano diversos tipos de mísseis, cada um maior que o outro, apontando ao céu como os arranha-céus de Pyongyang desenhados em fundo.
No topo deste cartaz - o único desta série sem qualquer figura humana - vê-se uma bandeira norte-coreana, e abaixo os slogans em letras garrafais: "Pela prosperidade sem limites da nossa nação!"; "Defendam a soberania nacional"; "Defendam o interesse nacional". Os sete mísseis representados são armas de médio e longo alcance que as forças armadas norte-coreanas testaram nos últimos anos, alguns deles ao longo de 2022, que tem sido marcado por um ritmo de lançamentos de mísseis sem precedentes por parte do regime.
Em grande destaque vê-se o míssil balístico intercontinental Hwasong-17, aquele de que Kim mais se orgulha - foi esse míssil que justificou um vídeo em estilo hollywoodiano, com o líder supremo usando um blusão de cabedal à Top Gun e uma realização que abusava das imagens em câmara lenta. Trata-se do maior míssil do arsenal norte-coreano e, apesar da propaganda, não há provas de que alguma vez tenha sido lançado com sucesso. Um lançamento, em março deste ano, correu mal - o projétil explodiu pouco depois do disparo - e outro alegado lançamento, ao que tudo indica, foi fake: terá sido, afinal, uma versão modificada de um míssil já testado em 2017, e não do modelo mais poderoso e avançado.
O outro novo cartaz, com um soldado da Guarda Vermelha, mostra igualmente os mísseis mais poderosos do regime, com o slogan: "Vamos dar prioridade e dar a maior importância à construção da defesa nacional!” Também neste cartaz o destaque maior vai para o Hwasong-17, mas são visíveis outros mísseis, como os mísseis balísticos intercontinentais Hwasong-14 e Hwasong-15, ou o Hwasong-12, o míssil balístico de alcance intermédio que se crê ter sido o que foi disparado na segunda-feira passada, e que sobrevoou o território do Japão, levando a uma grande escalada da tensão militar na região.
Alguns desses mísseis terão a capacidade de transportar ogivas nucleares - ou, pelo menos, esse é um dos objetivos dos muitos lançamentos que a Coreia do Norte tem levado a cabo. Só este ano, Pyongyang já disparou cerca de 40 mísseis, em mais de vinte ocasiões distintas.
Ele está de volta
Não há coincidências: há cinco anos que a propaganda de Kim Jong-un não lançava cartazes louvando a putativa capacidade nuclear do país. Todos os anos, várias vezes por ano, a máquina de propaganda coloca novos cartazes nas ruas, e os assuntos abordados são um bom indicador dos temas que o governo quer promover junto da população. Desde 2017 que não se viam cartazes com os mísseis que, segundo Kim, podem levar a destruição atómica até aos inimigos do país.
Há cinco anos, a Coreia do Norte também estava numa escalada de ensaios de armamento, ao mesmo tempo que desenvolvia a sua capacidade nuclear. Nessa altura, Donald Trump ameaçou responder com “fogo e fúria”, mas a resposta norte-americana acabou por ser outra: um aperto de mão entre Trump e Kim, no primeiro encontro entre os presidentes dos dois países, e na primeira vez que um presidente dos EUA pôs pés em território norte-coreano. Para além da fotografia, pouco mais ficou desse momento. As negociações para a suposta desnuclearização da Coreia do Norte deram em nada, apesar de Kim ter ordenado uma moratória autoimposta nos seus ensaios nucleares. Foi nesse contexto que os cartazes mostrando a capacidade nuclear do país desapareceram das ruas de Pyongyang.
Antes dessa decisão, as autoridades norte-coreanas haviam colocado cartazes nas ruas destacando o poder das suas armas nucleares. Segundo o site NK News, especializado em informação sobre o regime reclusivo do norte da península, esses posters eram particularmente explícitos, mostrando os mísseis nucleares da Coreia do Norte a voar em direção aos EUA e a destruir todo o território. No início de 2018, foram retirados, como aparente gesto de boa vontade em relação a Washington, quando os dois lados entraram em conversações de desnuclearização.
Agora, os mísseis nucleares estão de volta aos cartazes da propaganda norte-coreana. Tal como estão de volta os ensaios de mísseis e, tudo indica, estarão de volta a qualquer momento os ensaios nucleares. Desde há meses que os serviços secretos sul-coreanos e norte-americanos alertam para o regresso desses testes. O primeiro sinal foram as obras para reconstruir um dos túneis de acesso ao local subterrâneo onde a Coreia do Norte fez no passado os seus ensaios nucleares, em Punggye-ri. Esse local havia sido desativado em 2018 e, em sinal de boa vontade, Kim deu ordem para que os respetivos túneis de acesso fossem dinamitados, o que terá mesmo acontecido. Mas nos primeiros meses deste ano ficou claro que esses acessos estavam a ser reconstruídos - obras que, entretanto, já estarão completadas. Em simultâneo, os norte-coreanos expandiram algumas das suas instalações de investigação atómica.
Isso mesmo acabou por ser reconhecido por peritos independentes das Nações Unidas. No verão, um relatório destes investigadores dava conta de que "a RPDC [acrónimo de República Popular Democrática da Coreia, nome oficial do país] continuou a desenvolver a sua capacidade de produção de material físsil no local de Yongbyon", a principal instalação nuclear da Coreia do Norte, onde foram desenvolvidos e continuam a operar os seus primeiros reatores nucleares. Por outro lado, “o trabalho no local de testes nucleares de Punggye-ri abre caminho a testes nucleares adicionais para o desenvolvimento de armas nucleares", informaram os monitores de sanções que trabalham para o Conselho de Segurança da ONU.
Será uma questão de tempo até que a Coreia do Norte faça o seu sétimo teste nuclear. Segundo os serviços secretos da Coreia do Sul, deverá acontecer um novo ensaio nuclear algures entre finais de outubro e a primeira semana de novembro - ou seja, depois do congresso do Partido Comunista Chinês (para não atrapalhar a consagração de Xi Jinping, um aliado de Pyongyang), e antes das eleições intercalares nos EUA (para tentar embaraçar Joe Binden antes de umas eleições decisivas).
Nuclear para sempre
Os novos posters de propaganda da ditadura de Pyongyang surgiram logo depois de Kim Jong-un ter feito aprovar legislação pela qual a Coreia do Norte consagrou oficialmente o direito de utilizar armas nucleares, incluindo o recurso a ataques nucleares preventivos para autoproteção. Segundo o líder supremo, esta legislação, aprovada a 9 de setembro, torna o seu estatuto nuclear "irreversível", e proíbe conversações de desnuclearização, noticiou na sexta-feira os seus meios de comunicação estatais.
Kim sublinhou que o seu país nunca abandonará as armas nucleares, de que necessita por razões existenciais: para enfrentar a ameaça dos Estados Unidos e dos seus aliados na região, sobretudo a Coreia do Sul.
A nova lei estabelece as condições em que a Coreia do Norte pode utilizar as suas armas nucleares, incluindo circunstâncias em que enfrente um iminente "ataque nuclear ou não-nuclear por forças hostis". Por outro lado, a lei exige que os militares norte-coreanos avancem "automaticamente" com ataques nucleares contra as forças inimigas, incluindo o "ponto de partida da provocação e o [seu] comando", se a liderança do regime for atacada.
Segundo explicou então a agência noticiosa estatal, a nova legislação substitui e vai mais longe do que uma lei de 2013, que pela primeira vez enquadrou o estatuto nuclear do país. A lei de 2013 ditava que a Coreia do Norte poderia utilizar armas nucleares para repelir invasões ou ataques de um Estado nuclear hostil e fazer ataques de retaliação.
Em 2016, após o quarto ensaio nuclear da Coreia do Norte, o país assumiu claramente a política de "não primeiro uso" de armas nucleares. Depois disso, acrescentou uma advertência a essa regra, ao sugerir que não seria "a primeira a utilizar armas nucleares [...] enquanto as forças hostis à agressão não usurparem a sua soberania". Em outubro de 2020, Kim Jong-un declarou que a dissuasão nuclear da Coreia do Norte "nunca será utilizada de forma preventiva". "Mas” - acrescentou - ”se quaisquer forças violarem a segurança do nosso Estado e tentarem recorrer à força militar contra nós, eu mobilizarei antecipadamente toda a nossa força ofensiva mais poderosa para os punir."
Com a lei aprovada em setembro, as novas regras vão bastantes mais longe, ao permitir ataques nucleares preventivos sempre que Pyongyang identifique um ataque iminente - seja com armas de destruição maciça, ou de qualquer tipo - que vise a sua liderança e a organização de comando das suas forças nucleares. O recurso a um ataque nuclear preventivo também é admitido para evitar uma "crise catastrófica" não especificada, bem como forma de ganhar ascendente durante uma guerra, ainda que seja travada apenas com armas convencionais. Ou seja, a Coreia do Norte assume legalmente o direito a ser o primeiro agressor com armas nucleares, tanto em situação de conflito como de potencial conflito.
"O maior significado de legislar a política de armas nucleares é traçar uma linha irremediável para que não possa haver negociações sobre as nossas armas nucleares", disse Kim perante a assembleia que aprovou a nova legislação.
E garantiu que a Coreia do Norte nunca entregará as suas armas nucleares.
"Que nos sancionem por cem dias, mil dias, 10 anos ou 100 anos" - disse Kim - "Nunca abdicaremos dos nossos direitos à autodefesa, que preserva a existência do nosso país e a segurança do nosso povo, apenas para aliviar temporariamente as dificuldades que estamos a atravessar agora."
Uma posição radicalmente distinta da que o país assumia até há pouco tempo - recorde-se que ainda em 2018 a Coreia do Norte aceitou negociar um acordo de desnuclearização, em troca de apoio económico e do fim das sanções impostas ao país por várias resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas. O momento alto desse processo foram os apertos de mão entre Kim Jong-un e Donald Trump.
O secretário-geral da ONU, António Guterres, manifestou-se "profundamente preocupado" com a nova lei, e lembrou que a prossecução de um programa de armas nucleares por parte da Coreia do Norte "continua a ignorar as resoluções do Conselho de Segurança” das Nações Unidas. "O secretário-geral reitera o seu apelo à [Coreia do Norte] para que retome o diálogo com as principais partes interessadas com vista a alcançar uma paz sustentável e a desnuclearização completa e verificável da Península Coreana", disse o gabinete de Guterres. Mas hoje essa desnuclearização parece mais distante do que nunca.
As (poucas) certezas sobre o arsenal nuclear da Coreia do Norte
A Coreia do Norte já fez seis ensaios nucleares e não há dúvidas de que é hoje um Estado com capacidade nuclear. E há poucas dúvidas de que se tornou capaz de construir bombas atómicas. A dúvida é qual a capacidade instalada dos norte-coreanos, quantas bombas nucleares terão, de que tipo e potência, e se a sua tecnologia permite colocar essas ogivas nos mísseis que têm vindo a ser testados.
Não é segredo para ninguém que o desenvolvimento nuclear e da capacidade de lançamento destas ogivas é uma prioridade nacional de Kim Jong-un. Foi assumida e declarada ao mundo pelo próprio, no ano passado. Num discurso sobre as prioridades estratégicas para a defesa do país, Kim prometeu "avançar com a produção de ogivas nucleares de super dimensões"; "tornar as [suas] armas nucleares mais pequenas e leves para usos mais táticos"; "aumentar a taxa de precisão para atingir e aniquilar quaisquer alvos estratégicos num raio de 15 mil quilómetros"; "desenvolver e introduzir ogivas de voo hipersónicas num curto período de tempo" e "possuir um submarino nuclear e uma arma estratégica nuclear de lançamento submarino". Foi tudo assumido publicamente em janeiro de 2021, no 8.º congresso do Partido dos Trabalhadores da Coreia [do Norte], e divulgado ao mundo pela agência estatal de notícias.
A grande variedade de novos mísseis balísticos que o país tem testado, sobretudo no último ano, faz supor que vários possam ser capazes de transportar uma ogiva nuclear até alvos no Nordeste da Ásia e, potencialmente, a território dos Estados Unidos e da Europa. Sobre tudo isto, há indícios fortes, que permitem especulação informada, mas poucas certezas.
Quantas ogivas nucleares tem a Coreia do Norte?
Não se sabe. Mas há estimativas. Em julho de 2020, um relatório do Exército dos EUA apontava para "20 a 60 bombas [nucleares]” nos arsenais norte-coreanos, acrescentando que o país terá “capacidade para produzir 6 novos dispositivos por ano". O número coincide com outro apresentado dois anos antes, quando Pyongyang alegadamente suspendeu o programa nuclear - o Ministério da Unificação da Coreia do Sul (que agrega todas as questões relativas ao Norte) apresentou ao parlamento uma avaliação dos serviços secretos sul-coreanos, segundo a qual o arsenal nuclear de Kim Jong-un teria entre 20 e 60 bombas.
O mais recente relatório sobre a Coreia do Norte publicado no Bulletin of the Atomic Scientists aponta para a mesma ordem de grandeza. “Com base na informação publicamente disponível, avaliamos que a Coreia do Norte produziu material físsil suficiente para construir 45 a 55 armas nucleares (se todo este material for utilizado para a produção de armas), mas provavelmente montou menos do que isso - potencialmente 20 a 30. Segundo essa estimativa, a maioria das ogivas seriam provavelmente armas de fissão de uma só fase com rendimentos possíveis de 10 a 20 kilotons, semelhantes aos demonstrados nos testes de 2013 e 2016, e com apenas algumas ogivas termonucleares”, lê-se no documento, publicado há apenas um mês.
Que tipo de bombas nucleares?
A dificuldade de apontar o número de bombas atómicas tem a ver com o enorme secretismo que envolve o programa nuclear norte-coreano. Não há certezas sobre a quantidade de material físsil produzido pelo país, e só com base nesse dado será possível especular sobre quantas armas foram construídas. Por outro lado, mesmo que o Ocidente soubesse com segurança quanto plutónio e urânio enriquecido a Coreia do Norte já produziu (e não sabe - já lá iremos), há dúvidas sobre que tipo de ogivas o país está a fabricar.
Como ressalva o Bulletin (uma ONG ligada à comunidade de cientistas atómicos norte-americanos, fundada após as detonações de Hiroshima e Nagasaki), “para uma dada quantidade de material físsil, o número de armas nucleares dependerá da conceção da arma e do número e tipos de lançadores que as podem entregar”. Ou seja, a Coreia do Norte pode ter construído menos armas nucleares do que a sua capacidade de produção de material físsil. “Isto porque não é claro se a Coreia do Norte está a dar prioridade ao desenvolvimento e produção de armas termonucleares de maior rendimento ou apenas de fissão de menor rendimento, ou se está a impulsionar armas de uma só fase.”
Dito de outra forma: as ogivas mais potentes, com elevado rendimento, “consumiriam mais material físsil se se baseassem numa conceção de ogiva composta, ou exigiriam combustível especial de hidrogénio se se baseassem numa conceção de ogiva termonuclear de duas fases”. Desde 2017 sabe-se que a Coreia do Norte tem aquilo a que os norte-americanos chamaram um “dispositivo nuclear avançado” - no teste de setembro desse ano foi detonado um dispositivo termonuclear com uma explosão superior a 100 kilotoneladas. Pelo contrário, se a Coreia do Norte optar sobretudo por armas de fissão de fase única de menor rendimento, cada uma exige menos material físsil e poderá produzir mais ogivas.
Dependendo do pressuposto de cada estimativa, pode chegar-se a conclusões muito diferentes sobre a dimensão do suposto arsenal nuclear norte-coreano. Uma avaliação em 2020 concluiu que seriam apenas 10 a 20 armas nucleares, presumindo que o país se terá dedicado à produção de armas termonucleares mais potentes. Outro cálculo, no ano passado, concluiu que Kim teria cerca de 40 ogivas, e apenas "muito poucas bombas termonucleares" - mas a mesma estimativa indicava que não é claro quantas bombas terão sido efetivamente montadas.
O que nos leva a outra questão, também sem respostas seguras: que capacidade tem Pyongyang de lançar bombas nucleares? E que tipo de ogivas é capaz de disparar, a que distância?
Os esforços norte-coreanos para desenvolver os seus mísseis estão à vista de todos, mas não há certezas sobre quais dos mísseis terão sido lançados com uma capacidade nuclear operacional ativa. A suposição mais consensual é que a Coreia do Norte terá ogivas nucleares operacionais para os seus mísseis de curto e médio alcance. Por outro lado, não se sabe se conseguiu desenvolver ogivas nucleares em pleno funcionamento que possam ser lançadas por mísseis balísticos intercontinentais e, após a violenta reentrada na atmosfera, detonar conforme planeado.
O teste de um míssil balístico de alcance intermédio feito na semana passada (o tal que sobrevoou o Japão) terá a ver com isso mesmo: um lançamento percorrendo grande distância (4.600 quilómetros), numa trajetória parecida com a que seria feita em circunstâncias “reais”. A generalidade dos outros testes de mísseis balísticos feitos este ano tinha uma "trajetória elevada": o voo é essencialmente feito em altitude, para o espaço, mas o ponto de impacto não é muito longe do local de lançamento. Esta é uma forma de Pyongyang testar as armas sem que estas sobrevoem os países vizinhos. O lançamento de segunda-feira passada foi diferente, permitindo aos cientistas da Coreia do Norte testar mísseis em condições mais realistas, segundo Ankit Panda, do Carnegie Endowment for International Peace, sediado nos EUA. "Em comparação com a habitual trajetória altamente elevada, isto permite-lhes expor um veículo de reentrada de longo alcance a cargas térmicas e a tensões atmosféricas de reentrada que são mais representativas das condições que suportariam na utilização no mundo real", explica o especialista, que tem investigado os programas de mísseis e nuclear norte-coreanos.
A Coreia do Norte ainda não demonstrou publicamente a sua capacidade de lançar um veículo de reentrada nuclear funcional num míssil balístico de longo alcance, mas está a trabalhar para isso, e não esconde a ambição de ter um arsenal nuclear operacional capaz de atingir alvos regionais e norte-americanos.
Qual a capacidade de produzir material físsil?
A Coreia do Norte produz plutónio num reator nuclear localizado no Centro de Investigação Científica Nuclear de Yongbyon, o tal que foi expandido recentemente. Desde 2010, a Coreia do Norte está também em processo de construção de um reator experimental de água leve e, nos últimos anos, começou a transferir componentes importantes deste reator para a instalação de Yongbyon.
Entretanto, no passado mês de maio, analistas independentes notaram o aparente reinício da construção do reator de 50 MWe [megawatts elétricos] da Coreia do Norte, cuja construção havia sido abandonada em 1994. O retomar da obra e os indícios recolhidos sobre o que estará a ser feito no local - parece haver uma tentativa de ligar o circuito secundário de arrefecimento do reator a uma bomba - sugerem a intenção de completar o reator. Os analistas do James Martin Center for Nonproliferation Studies concluíram que, uma vez finalizado, o reator poderia, em teoria, produzir aproximadamente 55 quilos de plutónio por ano - “o suficiente para produzir potencialmente cerca de uma dúzia de novas armas nucleares” a cada ano.
É muito mais difícil avaliar o que se passa em relação ao enriquecimento de urânio, porque a pegada desta atividade, e das instalações onde é desenvolvida, é menor e mais difícil de detetar do que as instalações de produção de plutónio, notam os especialistas do Bulletin.
A Coreia do Norte declarou ter uma única instalação de enriquecimento de urânio, em Yongbyon, que se estima ter aproximadamente 4 mil centrifugadoras. O país também produz yellowcake - um tipo de pó concentrado de urânio que, uma vez convertido e enriquecido, é utilizado em combustível de reator. Antes da invasão do Iraque, o yellowcake foi uma peça central nas investigações sobre a suposta capacidade nuclear do regime de Saddam Hussein.
Sabe-se pouco sobre quanto urânio altamente enriquecido a Coreia do Norte já produziu, mas os investigadores têm uma certeza: essa quantidade está a crescer.
Conhecer a realidade sobre a capacidade de produção de material físsil e o tipo de desenhos de ogivas em que o país está a investir afeta as projeções sobre quantas armas nucleares a Coreia do Norte poderá ter no futuro.
Qualquer que seja a dimensão do arsenal, a Coreia do Norte já tem planos concretos para a sua utilização. E até uma lista de alvos prioritários.
Em 2016, o Comando Supremo do Exército Popular da Coreia do Norte declarou que o primeiro alvo de um ataque das suas forças seria a Casa Azul, a sede do governo sul-coreano. A seguir, seriam "as bases do agressor imperialista dos EUA para invadir a RPDC na região da Ásia-Pacífico e no continente americano", por essa ordem. A informação é fidedigna, pois foi divulgada pela agência de notícias oficial.
Em janeiro do ano passado, um relatório do partido único norte-coreano assumia, por outro lado, o objetivo de utilizar mísseis de curto alcance, para "dissociar" o apoio militar dos EUA em relação aos seus aliados regionais na região Ásia-Pacífico - a ideia seria um ataque faseado: primeiro contra alvos na Coreia do Sul (e talvez no Japão), com a ameaça implícita de atingir território dos EUA apenas se estes entrassem no conflito. Não se sabe se a Coreia do Norte tem capacidade para executar um plano destes, mas o que os últimos tempos têm demonstrado é que a intenção de manter os EUA fora deste potencial conflito pode ser contraproducente - os norte-americanos parecem mais empenhados do que nunca na defesa da Coreia do Sul e do Japão contra as ameaças de Kim Jong-un.