Kim Jong Un critica o seu governo pela vaga de covid que varre a Coreia do Norte

16 mai 2022, 04:04

Quase 400 mil novos casos de “febre” foram reportados em 24 horas, e mais oito mortes por covid. Líder norte-coreano arrasa o seu governo por não fazer chegar medicamentos às pessoas, e foi inspecionar farmácias em Pyongyang

O líder norte-coreano, Kim Jong Un, arrasou o seu próprio governo por não ser capaz de fornecer medicamentos aos cidadãos de acordo com as suas necessidades, informou esta segunda-feira a imprensa estatal de Pyongyang. As críticas de Kim Jong Un surgem quando o surto de covid-19 está a varrer a Coreia do Norte - a acreditar nas autoridades norte-coreanas, os primeiros casos foram descobertos na quinta-feira passada, e em poucos dias são já mais de 1,21 milhões os casos suspeitos, por todo o país. Quase 600 mil pessoas estão em isolamento.

Os últimos dados, sobre o período de 24 horas que terminou ao final da tarde deste domingo, dão conta de mais de 392.900 novos casos de febre “suspeita”, segundo a KCNA, Agência Central de Notícias da Coreia [do Norte]. São mais 90 mil casos do que no dia anterior, tendo-se registado também mais oito mortes.

Entre sexta-feira e domingo, já foi reconhecido um total de 50 mortes por “febre”, que se crê ser provocada pela covid. O país tem pouca capacidade de testagem para confirmar todos os casos e mortes em que há suspeitas de covid.

A alegação norte-coreana de que o primeiro caso foi detetado apenas na quinta-feira passada é posta em causa por inúmeras organizações e investigadores internacionais, que não acreditam que o país tenha sido capaz de impedir totalmente a entrada do novo coronavírus ao longo de dois anos, apesar da Coreia do Norte ter-se fechado quase totalmente ao contacto com o exterior nos últimos dois anos.

A rapidez com que o atual surto está a progredir faz suspeitar dos timings reconhecidos por Pyongyang. Mais: as próprias autoridades norte-coreanas admitiram que em abril já haveria casos de “febre” de origem desconhecida, que poderiam, afinal, estar relacionados com o novo coronavírus. Os contágios que têm sido reportados são da variante Ómicron, altamente contagiosa.

 

Kim culpa os seus colaboradores…

 

Numa reunião de emergência do Politburo do Comité Central do Partido dos Trabalhadores da Coreia, no domingo, Kim Jong Un "criticou fortemente o Governo e o sector da saúde pública pela sua atitude irresponsável de trabalho e capacidade de organização e execução", informou a KCNA.

Segundo Kim, o problema não é a falta de medicamentos - que, segundo peritos internacionais, escasseiam na Coreia do Norte - mas o facto destes não terem chegado às pessoas através das farmácias do Estado, "correctamente a tempo". 

De acordo com relatórios internacionais, as infraestruturas de saúde e a prestação de cuidados na Coreia do Norte são muito débeis, faltando quase tudo. Porém, na versão de Kim Jong Un, o problema foram os responsáveis pelo fornecimento de medicamentos, que não estavam "a reconhecer devidamente a presente crise”. Kim criticou também a "atitude de trabalho irresponsável" e a falta de organização da sua própria gente.

Segundo a agência oficial de notícias, apesar de haver uma ordem do Politburo do Partido dos Trabalhadores para a libertação imediata e fornecimento de medicamentos da reserva estatal de forma atempada, para conter rapidamente a propagação de infeções, os medicamentos não foram devidamente fornecidos às farmácias. A ordem política também previa que as farmácias passassem a funcionar 24 horas por dia, mas Kim disse que tais medidas não estavam a ser devidamente implementadas. 

 

…e inspeciona farmácias

 

Agora, o líder norte-coreano ordenou que as unidades médicas militares se envolvessem na estabilização do fornecimento de medicamentos em Pyongyang, segundo a KCNA. Após a reunião da direção do partido, Kim e vários membros da Politburo fizeram inspeções in loco às farmácias de um distrito da capital, onde Kim lamentou as más condições das lojas e a ausência de espaços de armazenamento. Também criticou alguns farmacêuticos por não usarem batas brancas adequadas. Nenhum jornalista independente acompanhou esta visita, e todas as imagens conhecidas foram fornecidas pela agência de notícias oficial.

Não fica claro pelas notícias a que medicamentos Kim Jong Un se estaria a referir, capazes de travar a propagação das infeções, pois a Coreia do Norte não tem reserva de vacinas. Crê-se também que a sua população não está vacinada. 

A iniciativa Covax, promovida pelas Nações Unidas para fornecer vacinas aos países economicamente mais débeis, ofereceu a Pyongyang vacinas contra a covid-19, mas o regime norte-coreano recusou-as. Para além de confiar que o encerramento quase total das fronteiras seria suficiente para impedir a entrada do vírus, Kim não aceitava que os peritos ligados à Covax entrassem no país para monitorizar a administração dos fármacos, uma condição sine qua non para a entrega das vacinas.

Ofertas de vacinas da Rússia e da China, feitas no ano passado, foram igualmente recusadas.

Esta segunda-feira, o novo presidente da Coreia do Sul, Yoon Suk-yeol, disse no Parlamento que Seul está disposto a enviar vacinas, medicamentos, equipamento e pessoal de saúde para o Norte, se o vizinho aceitar. Contudo, fontes oficiais sul-coreanas dizem que Pyongyang não fez até agora nenhum pedido de ajuda a Seul.

 

A “maior perturbação”

 

Neste momento, a gravidade da situação é iniludível, e tem sido admitida pelo próprio líder supremo norte-coreano. No domingo, na mesma reunião do partido único, Kim reconheceu que "a propagação da epidemia maligna é a maior perturbação a cair sobre o nosso país desde a sua fundação". Uma confissão incomum, num regime que sempre apostou em minimizar as crises e projetar uma imagem de força e prosperidade. 

“Se não perdermos o foco na implementação da política epidémica e mantivermos um forte poder de organização ... podemos mais do que superar a crise", terá acrescentado Kim, de acordo com os relatos oficiais da reunião divulgados ontem. Hoje, a agência oficial de notícias deu mais pormenores sobre esse encontro, para dar conta de que o líder supremo responsabilizou a sua equipa pelo falhanço perante esta crise.

O país, com 26 milhões de pessoas, muitas delas mal nutridas e sem acesso a cuidados médicos, estará a realizar cerca de 1.400 testes de covid por semana, segundo Kee Park, perito da Harvard Medical School citado pelo jornal The Guardian.

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