Coreia do Norte assume que está a ensaiar o bombardeamento do Sul com armas nucleares 

10 out 2022, 05:35

Pyongyang explicou os lançamentos das últimas duas semanas: está a testar a capacidade de lançar bombas atómicas táticas sobre diversos alvos na Coreia do Sul. A fotografia divulgada esta segunda-feira mostra Kim Jong-Un a assistir aos lançamentos

Ao fim de duas semanas de intensos lançamentos de mísseis - sete rondas de lançamentos em 14 dias, contando com os dois projéteis lançados na manhã deste domingo -, a Coreia do Norte assumiu ao que vem: tem estado a simular o lançamento de bombas nucleares táticas sobre o Sul, segundo afirmou esta segunda-feira a agência noticiosa estatal norte-coreana, KCNA, e o Rondong Sinmun, jornal oficial do Partido dos Trabalhadores da Coreia (o partido único, liderado por Kim Jong-un).

Os testes, acrescentam os dois órgãos de comunicação oficial, são um aviso após os exercícios de grande escala das forças sul-coreanas e norte-americanas, envolvendo o porta-aviões nuclear USS Ronald Reagan - uma explicação que omite um pormenor importante: os exercícios a que aludem as autoridades norte-coreanas aconteceram na sequência da mais intensa campanha de lançamentos de mísseis por parte de Pyongyang, que ao longo deste ano já disparou mais de 40 projéteis de toda a espécie.

Num longo artigo ocupando oito páginas, publicado esta segunda-feira, o jornal oficial do partido único norte-coreano deu detalhes sobre as operações das últimas duas semanas, com o lançamento de uma dúzia de mísseis - incluindo um míssil balístico de alcance intermédio que sobrevoou o Japão há uma semana. O longo destaque do Rondong Sinmun inclui um editorial na primeira página louvando o facto de “o respeitado camarada Kim Jong-un” ter supervisionado pessoalmente todos os lançamentos, que atestam da capacidade e prontidão nuclear do país. São também publicadas mais de 40 fotografias dos lançamentos e de Kim no terreno a acompanhar os voos dos projéteis ou a posar com as chefias militares ou os soldados envolvidos nas operações.

Segundo a KCNA, os testes simularam o ataque a instalações de comando militar da Coreia do Sul, bem como a portos e aeroportos com armas atómicas táticas (ou seja, com um poder relativamente mais reduzido). "A eficácia e capacidade prática de combate da nossa força de combate nuclear foram plenamente demonstradas, uma vez que está completamente pronta para atingir e destruir alvos em qualquer altura e a partir de qualquer local", informou a KCNA. A agência citou ainda Kim Jong-un dizendo que "embora o inimigo continue a falar de diálogo e negociações, não temos nada para falar nem sentimos a necessidade de o fazer".

Kim Jong-un numa imagem divulgada pela agência de notícias oficial norte-coreana

Confirmar "a precisão e o poder do nosso sistema de armas"

“Em resposta inevitável à situação [dos exercícios navais conjuntos entre os EUA e a Coreia do Sul], a Comissão Militar Central do Partido dos Trabalhadores da Coreia discutiu a situação política e militar e as perspetivas na península coreana no final de Setembro, verificou e melhorou a fiabilidade e o poder de combate da dissuasão de guerra do nosso Estado, e enviou um forte aviso de resposta militar ao inimigo. Para este efeito, foi decidido organizar e prosseguir com exercícios militares práticos de vários níveis”, explica o editorial de primeira página do jornal oficial do partido comunista norte-coreano, informando que “o camarada Kim Jong-un (...) forneceu no local orientações sobre o treino militar das unidades de operações nucleares táticas”, e que “os membros da Comissão Militar Central do Partido observaram os exercícios”.

Ao contrário do habitual secretismo que rodeia estas manobras militares, o jornal detalha vários dos lançamentos das últimas semanas. Por exemplo, escreve que “na madrugada de 25 de setembro foi realizado um exercício de lançamento de mísseis balísticos simulando o lançamento de uma ogiva nuclear tática no Local de Lançamento Submarino do Reservatório, na zona noroeste do nosso país”. Mais: “O míssil balístico tático sobrevoou o alvo fixado no Mar Oriental da Coreia ao longo da trajetória programada, e a fiabilidade da detonação exata da ogiva foi verificada à altitude definida.”

De acordo com o artigo, “o objetivo do treino é confirmar a ordem de operação e manuseamento rápido e seguro de ogivas nucleares táticas, e verificar e dominar a fiabilidade do sistema global de operação, ao mesmo tempo que se torna proficiente na capacidade de lançamento de mísseis balísticos em locais de lançamento submarino, e inspecionar a postura de resposta rápida”.

A 28 de setembro, o disparo de mísseis balísticos de curto alcance simulou o lançamento de uma ogiva nuclear tática “com o objetivo de neutralizar os aeroportos na zona de operação sul-coreana. No treino de lançamento de mísseis balísticos táticos, a precisão e potência dos nossos sistemas de armas foram confirmadas atingindo os alvos definidos com uma combinação de explosão aérea, precisão direta, e ataque à bomba de dispersão.”

Em mais testes de "mísseis balísticos táticos" a 29 de setembro e 1 de outubro, "alvos fixos foram atingidos por uma combinação de explosões no ar, precisão direta e ataques com bombas pulverizadoras, confirmando a precisão e o poder do nosso sistema de armas".

Quanto ao míssil balístico de alcance intermédio que sobrevoou o Japão a 4 de outubro (3 de outubro em Portugal), “a Comissão Militar Central do Partido dos Trabalhadores da Coreia adotou uma decisão de enviar um aviso mais forte e claro ao inimigo em resposta à situação de instabilidade contínua na península coreana”. Por isso lançou “um novo míssil balístico de médio e longo alcance terra-a-terra”, que “atravessou [o espaço aéreo do] arquipélago japonês” e voou por 4.500 quilómetros (alegação que coincide com a informação divulgada na semana passada pelas autoridades japonesas e sul-coreanas).

Uma das fotos divulgadas pelo jornal oficial mostra Kim em frente a um monitor que mostra o trajeto desse míssil balístico de alcance intermédio, que acabou por cair no Oceano Pacífico a cerca de 3 mil quilómetros da costa do Japão.

Lançamento de um silo submerso 

Há mais detalhes sobre outros ensaios, com fotos de mísseis balísticos de curto alcance incluindo os tipos KN-25 e KN-23, bem como um com uma carga útil pesada de 2,5 toneladas, e ainda um sistema de lançamento múltiplo de foguetes KN-09, de 300mm.

Tudo para reforçar a mesma mensagem: a Coreia do Norte não apenas assume que tem bombas nucleares táticas no seu arsenal, como garante que têm mísseis balísticos curto, médio e longo alcance com capacidade de os lançar e detonar sobre alvos específicos. E, mais, que têm bases de lançamento submersas.

As fotografias mostram um KN-23 "navalizado", concebido para ser lançado a partir de um submarino. A Reuters lembra que este míssil foi mostrado ao mundo num teste realizado no oceano no ano passado, mas agora o teste foi conduzido de forma a simular um lançamento do que os meios de comunicação estatais chamavam "um silo submerso num reservatório".

Ouvido pela agência Reuters, Ankit Panda, especialista do think tank Carnegie Endowment for International Peace, baseado nos EUA, "a mensagem que eles enviam é absolutamente clara: esta recente série de testes foi a sua forma de sinalizar a sua determinação perante os Estados Unidos e a Coreia do Sul, enquanto estes realizavam as suas próprias atividades militares".

O lançamento de 4 de outubro, que deixou o Japão em alerta - com sirenes de ataque aéreo a soar nalgumas regiões, e os cidadãos a serem mandados para casa ou para abrigos - é particularmente notável, segundo Ankit Panda: "É incrivelmente invulgar que eles tenham testado um míssil anteriormente não testado [lançando-o] pela primeira vez sobre o Japão; isto sugere um grau substancial de confiança no engenho".

Exercícios aéreos e de artilharia

“Através do treino de lançamento das unidades de operações nucleares táticas realizado em sete rondas, [mostrámos] a realidade e militarização da nossa força nacional de combate nuclear, que está totalmente preparada para destruir os alvos no momento e no local previstos, tanto quanto possível, atingindo o alvo. A eficácia e a capacidade prática foram plenamente demonstradas”, alega o jornal oficial norte-coreano.

Kim Jong-un é citado dizendo que “temos de enviar sinais mais definidos com vontade e ações mais poderosas e resolutas ao inimigo” e que o "agravamento contínuo, intencional e irresponsável das tensões por parte dos Estados Unidos e do regime sul-coreano irá inevitavelmente desencadear uma resposta mais séria".

Segundo o site NK News, baseado nos EUA e que se dedica em exclusivo à informação sobre a Coreia do Norte, o Rodong Sinmun desta manhã também dá conta de que Kim orientou nas últimas duas semanas vários exercícios de artilharia e de ataque aéreo. A 6 de outubro, unidades de artilharia de longo alcance e unidades da Força Aérea simularam ataques a bases militares sul-coreanas, lançando "mísseis-bomba guiados de médio alcance ar-terra e mísseis de cruzeiro". Nesse dia, recorde-se, a Coreia do Sul respondeu a este exercício. Segundo Seul, a operação envolveu oito caças e quatro bombardeiros norte-coreanos, a voar em formação a sul de Pyongyang - em resposta, a Coreia do Sul enviou 30 aviões de combate, que monitorizaram cada passo dos aparelhos norte-coreanos.

Porém, para além deste, terá acontecido outro exercício aéreo do Norte, no sábado passado, alegadamente maior do que o primeiro. Segundo os media oficiais norte-coreanos, um "exercício de ataque aéreo combinado em grande escala da Força Aérea do Exército Popular da Coreia" teve lugar a 8 de outubro, envolvendo "mais de 150 caças de todos os tipos ao mesmo tempo, pela primeira vez na história". Não há qualquer confirmação desta manobra por parte de outras fontes, e não existe informação de que a Coreia do Sul ou os EUA tenham reagido a este alegado exercício de grande escala, que teria acontecido no mesmo dia em que os dois países estavam em exercícios conjuntos com o porta-aviões USS Ronald Reagan.

Na noite deste sábado, a Coreia do Norte alega ter realizado também um "exercício de grande escala das unidades de artilharia de longo alcance" no Leste do país, simulando um ataque a um aeroporto sul-coreano. Kim Jong-un ter-se-á até encontrado com os pilotos que participaram nos simulacros - e uma foto desse encontro está publicada na imprensa desta manhã.

A divulgação de toda a esta informação pelos media estatais norte-coreanos nesta segunda-feira não é um acaso: hoje é feriado na Coreia do Norte, em celebração do 77º aniversário da fundação do Partido dos Trabalhadores da Coreia, cujo primeiro líder foi Kim Il-sung, o avô do atual líder supremo do país.

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