É oficial: a covid chegou à Coreia do Norte e Kim ordenou confinamento geral

12 mai 2022, 03:28
Desfile de aniversário do nascimento de Kim Il-sung, fundador da Coreia do Norte

Kim Jong Un declarou "grande emergência nacional" e ordenou um lockdown nacional. A Coreia do Norte está ainda mais isolada, com a economia muito debilitada, e perante uma seca que ameaça a fraca produção agrícola

A Coreia do Norte anunciou esta quinta-feira as primeiras infeções por covid-19 no país, mais de dois anos depois do surgimento do novo coronavírus. Segundo a Agência Central de Notícias oficial da Coreia do Norte (KCNA), o líder Kim Jong Un ordenou que as medidas preventivas da covid-19 subam para o nível máximo. Foi declarada uma "emergência nacional grave".

Segundo a KCNA, esta manhã Kim ordenou "que todas as cidades e regiões do país entrem em lockdown", para "bloquear completamente a transmissão do virus".

De acordo com a agência de notícias, um número não especificado de pessoas com febre, na capital Pyongyang, foram sujeitas a testes que confirmaram a infeção com a variante ómicron. Segundo a comunicação social estatal, "houve o maior incidente de emergência no país, com um buraco na nossa frente de quarentena de emergência, que foi mantido em segurança durante os últimos dois anos e três meses desde Fevereiro de 2020".

O anúncio oficial por parte da Coreia do Norte surgiu depois de o site NK News - um órgão de comunicação social baseado na Coreia do Sul, e focado em informações sobre o vizinho do norte - ter noticiado que as autoridades impuseram há dois dias uma quarentena aos residentes da capital. O governo da Coreia do Sul disse que ainda não pode confirmar essa informação, baseada em fontes não identificadas. No entanto, o NK News tem demonstrado ao longo da sua existência a capacidade de acesso a informação fidedigna sobre o que se passa em território norte-coreano. De acordo com o mesmo site, "múltiplas fontes ouviram relatos de açambarcamento, devido à incerteza sobre quando o lockdown poderá terminar".

Segundo a agência oficial KCNA, Kim Jong Un convocou de imediato uma reunião do Politburo do Partido dos Trabalhadores da Coreia do Norte, que confirmou que o país ficará no nível "emergência máxima" sanitária, elevando as medidas anti-vírus, que não foram detalhadas. O líder norte-coreano apelou ao aparelho do Estado para que tudo faça para travar as transmissões e eliminar a fonte de infeção o mais rapidamente possível.

 

O estranho caso dos países com covid zero

 

A Coreia do Norte fechou-se ainda mais à entrada de visitantes no país desde o surgimento do novo coronavírus, e apresentou até agora um registo imaculado de casos de covid - uma alegação que merece sérias dúvidas por parte dos peritos de saúde estrangeiros.

Segundo a Associated Press, apenas um outro país faz uma alegação semelhante: o Turquemenistão, uma nação na Ásia Central, igualmente autoritária e envolta em secretismo, também não comunicou qualquer caso positivo à Organização Mundial de Saúde. Também neste caso os peritos internacionais duvidam da veracidade desta folha limpa.

Mesmo as pequenas ilhas do Pacífico que se fecharam para manter o vírus fora das suas fronteiras acabaram por registar surtos, apesar do isolamento, favorecido pela sua condição insular.

Tanto quanto é possível saber, num país envolto em secretismo e cujas fronteiras ficaram ainda mais fechadas nos últimos dois anos, os 26 milhões de habitantes da Coreia do Norte não estarão vacinados contra a covid-19. O projeto internacional de entrega de vacinas a países com menores recursos - o COVAX - quis incluir a Coreia do Norte no seu programa, mas Pyongyang recusou a oferta, patrocinada pela ONU. Crê-se que a recusa tem a ver com as contrapartidas do programa: a entrega de vacinas implica que o país beneficiado permita a monitorização da sua administração aos cidadãos, o que significaria que Kim teria de permitir a entrada de monitores internacionais na sua “fortaleza”.

 

Economia paralizada

 

Apesar da decisão de elevar as medidas anti-covid, Kim ordenou aos responsáveis do seu partido que avancem com os projetos económicos em curso no país, da construção civil ao desenvolvimento agrícola. Em simultâneo, conta a agência oficial, o líder norte-coreano exortou ao reforço da capacidade de defesa do país, para evitar riscos de segurança.

Kim disse que os funcionários devem também formular medidas para aliviar quaisquer inconvenientes públicos e outras situações negativas que possam surgir como resultado do reforço das medidas anti-pandémicas. Kim disse que "a unidade pública de espírito único é a garantia mais poderosa que pode vencer nesta luta anti-pandémica", disse KCNA.

As medidas draconianas tomadas por Pyongyang logo no início de 2020 - quando o vírus foi identificado na China, mas ainda antes de se ter espalhado pelo mundo - terão permitido um bom controlo da situação sanitária, mas afundaram ainda mais a frágil economia norte-coreana.

A agravar o quadro, os dois principais aliados da Coreia do Norte enfrentam sérias dificuldades: a Rússia vive com as consequências da invasão da Ucrânia, e a China enfrenta a pior vaga da covid, ao mesmo tempo que regista o pior desempenho económico dos últimos 30 anos.

 

O momento mais difícil numa década

 

Mal foi divulgada a descoberta do novo coronavírus, o governo de Kim Jong Un considerou que estava em causa a "existência nacional", colocou em quarentena pessoas com sintomas semelhantes aos da covid-19 e praticamente proibiu o tráfego e o comércio transfronteiriço ao longo destes dois anos. Em janeiro, a Coreia do Norte reabriu provisoriamente o tráfego ferroviário de mercadorias entre a sua cidade fronteiriça de Sinuiju e Dandong, na China - porém, a China anunciou uma paragem no comércio no mês passado, devido ao surto de covid-19 em Dandong.

Sob sanções internacionais decretadas pela ONU por causa do seu programa nuclear, e com fronteiras fechadas, a débil economia norte-coreana confronta-se também com uma situação de seca, reconhecida no início deste mês pelas autoridades. Funcionários de diversos organismos públicos e operários de fábricas foram mobilizados para ajudarem os trabalhadores rurais, numa tentativa de contrariar os efeitos da seca na produção agrícola.

A Coreia do Norte tem passado por vários períodos de fome, mas o atual momento parece ser um dos mais difíceis desde que Kim Jong Un chegou ao poder, em 2011.

É invulgar a Coreia do Norte admitir o surto de qualquer doença infeciosa, e a notícia desta quinta-feira pode ser o primeiro passo para um pedido de ajuda internacional. Do mesmo modo, a recente escalada armamentista do Pyongyang pode ser uma manobra de Kim para ganhar força negocial na arena internacional, com vista a entendimentos que possam aliviar as dificuldades económicas do país. Em vez disso, os Estados Unidos estão a pedir novas sanções da ONU, para penalizar os sucessivos testes de novos mísseis por parte do regime norte-coreano.

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