COP29 arranca "coxa" para chegar a um bilião de dólares em financiamento climático (e já há uma boa notícia)

Beatriz Céu , com Lusa
11 nov, 20:44

Sem Joe Biden, Xi Jinping, e até sem Luís Montenegro, cimeira deste ano, que decorre pela terceira vez consecutiva num dos países que mais produz petróleo e gás, está a ser ofuscada pelas guerras na Ucrânia e em Gaza

A 29.ª Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (COP29) arrancou esta semana com a sombra da ameaça de Donald Trump de retirar os EUA do Acordo de Paris, que estabelece que a temperatura mundial deve estar abaixo dos 2 graus Celsius. John Podesta, que lidera a comitiva norte-americana nesta conferência, garantiu, porém, que, mesmo que a promessa do republicano se concretize, os EUA vão continuar a trabalhar para "combater as alterações climáticas".

"Embora o governo federal dos EUA, sob o comando de Donald Trump, possa deixar a ação climática para segundo plano, o trabalho para combater as alterações climáticas vai continuar nos EUA", prometeu John Podesta, no arranque da COP29, que este ano reúne 198 partes (197 países mais a União Europeia) em Baku, Azerbaijão - precisamente um dos maiores produtores mundiais de petróleo e de gás (uma das principais causas do aquecimento global).

Sob o tema "Solidariedade para um mundo verde", a COP29 reúne até 22 de novembro países de todo o mundo com o objetivo de fixar o montante de ajuda climática dos países desenvolvidos aos países em desenvolvimento, para que estes possam desenvolver-se sem o petróleo e o carvão e possam enfrentar os efeitos das alterações climáticas, como secas e inundações. É o chamado "Novo Objetivo Quantificado Coletivo" (NCQC, na sigla em inglês), que determina um valor de financiamento para a ação climática. 

Atualmente em 116 mil milhões de dólares por ano (em 2022), a futura ajuda climática deve ser multiplicada por mais de dez, segundo os países pobres.

Apesar dos compromissos, será difícil chegar a um consenso entre tantos países, onde se incluem China, EUA, Reino Unido, países da União Europeia (UE) e países africanos - os mais afetados pelas cheias e pelas ondas de calor resultantes das alterações climáticas.

COP29 arranca com boas notícias

Apesar do ceticismo em torno de um consenso alargado entre as 198 partes, o primeiro dia da COP29 arrancou com a adoção das novas regras da ONU para o controverso mercado dos créditos de carbono, que são gerados por atividades que reduzem as emissões de gases com efeito de estufa responsáveis pelo aquecimento global, como a plantação de árvores, a proteção de habitats ou a substituição de carvão poluente por energia solar ou eólica. Um crédito equivale a uma tonelada de dióxido de carbono que se evita que entre ou seja eliminada da atmosfera.

 A decisão põe em marcha um mecanismo que tem sido aguardado desde o Acordo de Paris de 2015 - um tratado internacional adotado em 2015 na COP21 pela quase totalidade dos países para reduzir emissões de gases com efeitos de estufa (GEE) para a atmosfera e impedir que as temperaturas mundiais subam além de 2ºC acima dos valores da época pré-industrial, e de preferência que não aumentem além de 1,5ºC.

Até agora, o mercado dos créditos de carbono tem-se desenvolvido por si só, à margem de quaisquer regras internacionais, e tem sido utilizado principalmente por empresas que pretendem “compensar” as suas emissões e reivindicar a neutralidade do carbono. Agora, os critérios adotados em Baku regem a metodologia para calcular o número de créditos que um determinado projeto pode gerar e o que acontece se o carbono armazenado se perder, por exemplo, se a floresta em causa arder.

As normas propostas dizem principalmente respeito aos países - especialmente os poluidores ricos - que procuram compensar as suas emissões comprando créditos a nações que reduziram os gases com efeito de estufa além do que tinham prometido.

Em última análise, isto permitirá que os países utilizem os créditos de carbono adquiridos a outros para reduzir apenas no papel as suas emissões de gases com efeito de estufa.

Quem são os principais participantes?

A China é responsável por cerca de 30% das emissões de carbono de todo o mundo, sendo o maior emissor de gases com efeito de estufa. Apesar de ser a segunda maior economia do mundo, Pequim mantém a designação de país em desenvolvimento no âmbito das negociações climáticas da ONU e argumenta, por isso, que os EUA e outros países industrializados devem ser os primeiros a agir nas questões ambientas. A par disso, a China também rejeita os apelos para que contribua com financiamento climático para países em desenvolvimento, como é o caso da África do Sul.

A seguir à China, os EUA são o segundo maior emissor de gases com efeito de estufa de todo o mundo. A vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais reduziu as hipóteses de um acordo forte sobre uma nova meta financeira global, já que o republicano está a preparar-se para ordenar a saída dos Estados Unidos do acordo climático de Paris, o que pode significar um rombo brutal no objetivo mundial de controlar as emissões com gases de efeito de estufa e combater as alterações climáticas.

Embora a administração Biden tenha enviado centenas de milhares de dólares para combate às alterações climáticas, os EUA continuaram a atingir recordes como maior produtor mundial de petróleo e gás durante a sua presidência.

Os países da UE vão defender o cumprimento dos objetivos do Acordo de Paris, argumentando que os 194 países signatários devem "assegurar que os fluxos financeiros mundiais estão cada vez mais alinhados” com as metas daquele acordo (manter a temperatura mundial o mais perto possível do 1,5ºC) , nomeadamente através do NCQC, que a Comissão Europeia considera ser a principal prioridade das negociações deste ano.

De acordo com dados de Bruxelas, a UE é atualmente o maior financiador internacional da ação climática, contribuindo com 28,6 mil milhões de euros para o financiamento público da ação climática em 2023 e mobilizando um montante adicional de 7,2 mil milhões de euros de financiamento privado para apoiar os países em desenvolvimento na redução das suas emissões de gases com efeito de estufa e na adaptação aos impactos das alterações climáticas.

O Brasil, África do Sul e China formaram um bloco para defender mais financiamento climático através do conceito de “responsabilidades comuns, mas diferenciadas”, ou seja, querem que os países ricos que mais emitiem gases com efeitos de estufa devem fazer mais para resolver o problema. 

Já o grupo de países africanos promete pressionar a COP29 para mais financiamento climático e para colocar em vigor o artigo 6 do Acordo de Paris, que visa o desenvolvimento de mercados de carbono, nos quais países, empresas e indivíduos podem negociar os chamados créditos de emissões de gases de efeito estufa.

Portugal, que pela primeira vez desde 2015 não vai contar com a participação do primeiro-ministro, vai estar representado na conferência pela ministra do Ambiente e Energia, Maria da Graça Carvalho, e tem um pavilhão próprio em Baku com mais de 50 iniciativas, entre elas "conferências, apresentações e debates, com a participação de diversos setores da sociedade, como a administração local, ONG e empresas", referiu o ministério de Maria da Graça Carvalho, em comunicado. Sob o mote "Investing in a Greener Future Together: It’s Worth it” [Investir Juntos num Futuro mais Verde: Vale a Pena], o pavilhão português foca-se em sete áreas: Ação Climática, Energia, Água, Eficiência de Recursos, Biodiversidade, Cooperação Internacional e Pessoas.

Ausências de peso

A conferência do clima deste ano está a ser marcada por ausências de peso, desde logo do presidente dos EUA, Joe Biden, e o presidente da China, Xi Jinping, arrancando assim "coxa", já que os líderes de dois dos países mais poluidores não marcam presença. Mas não são os únicos: também a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, o chanceler alemão, Olaf Scholz, e o primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, estão na lista de convidados que não participam na conferência deste ano, além do primeiro-ministro português.

O que está em jogo nesta conferência?

Apesar de estar em cima da mesa um acordo para chegar a 1 bilião de dólares em financiamento climático destinado a países em desenvolvimento, substituindo a atual meta de 100 mil milhões, as negociações para esse efeito estão a ser ofuscadas pelas guerras na Ucrânia e na Faixa de Gaza, bem como preocupações económicas dos países participantes. Segundo a Reuters, esta "competição por atenção" pode "complicar a ambição" desta conferência de chegar a um consenso em torno do NCQC.

O ativista britântico Asad Rehman, diretor da organização War on Want, assinala que a COP29 arranca numa altura em que "o mundo caminha para os 3ºC de aquecimento" e, ao mesmo tempo, se assiste "ao genocídio em tempo real na Palestina". "Não pode existir justiça climática sem direitos humanitários", defende o ativista. "Quando os governos chegam aqui e dizem que não têm qualquer financimento climático para ajudar os países em desenvolvimento, mas têm dinheiro para bombas e armamento, quando o próprio Direito Internacional e o sistema está a ser desrespeitado, (...) isso obriga toda a gente de consciência a protestar, e é isso que estamos a fazer", declarou Asad Rehman, justificando assim o protesto que está a decorrer em Baku.
 
 Activistas da Coligação para a Justiça Climática protestam em apoio ao povo palestiniano durante a Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (COP29), em Baku, Azerbaijão (EPA/ANATOLY MALTSEV)
No discurso de abertura da conferência, Simon Stiell, responsável pela Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC), apelou aos países para que acabem com "a ideia de que o financiamento climático é caridade". "Uma nova meta ambiciosa de financiamento climático é inteiramente do interesse próprio de cada nação, incluindo a maior e mais rica", defendeu, em Baku.
 

Zero e Quercus sem expectativas, Climáximo fala em "fraude"

A associação de conservação da natureza Quercus decidiu não participar na COP29, justificando a decisão com o facto de ser realizada num país onde se vive “uma crise de direitos humanos” e criticando a inação desta conferência, onde as ações climáticas são "raramente executadas com coragem" 

“A Quercus entende que realizar a Conferência das Partes (COP) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) em mais um país produtor de petróleo é um indicador de que teremos fracas perspetivas para dar resposta efetiva e atempada às necessidades para limitar o aquecimento global e combater as alterações climáticas, fazendo cumprir as reduções estabelecidas no Acordo de Paris”, lê-se num comunicado.

Além das preocupações ambientais, a Quercus considera “desconcertante” participar numa COP num país onde os direitos humanos são “sistematicamente violados e as vozes críticas silenciadas”, com “detenções arbitrárias” e repressão de jornalistas, defensores de direitos humanos e ativistas civis.

A associação ZERO, por sua vez, vai participar no evento a partir do dia 16, promovendo iniciativas no pavilhão de Portugal, nomeadamente eventos sobre justiça climática, aceleração da descarbonização e o papel da suficiência no caminho para a resiliência.

A associação admite esperar "uma conferência morna num mundo cada vez mais quente", argumentando que as recentes catástrofes naturais provam que não se está “a fazer o suficiente para travar a crise climática e que uma resposta global nunca foi tão necessária”. 

Já o movimento Climáximo descreveu esta conferência como “uma fraude”. "Nenhuma solução virá destas conferências, que são desenhadas para falhar: todos os anos os líderes globais sentam-se à mesa de negociações com milhares de lobistas dos combustíveis fósseis para decidirem como é que vão continuar a expandir a queima de petróleo, gás e carvão e a enriquecer à custa da devastação do mundo inteiro”, considera o Climáximo, em comunicado.

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