"Estamos a dizer a países pobres que têm de se tornar verdes porque no norte precisamos que façam a sua parte na descarbonização. Não pode ser"

12 nov, 22:43

Por estes dias, líderes de dezenas de países estão reunidos em Baku, Azerbaijão, para definir, entre outras matérias, um montante de ajuda climática dos países desenvolvidos aos países em desenvolvimento - tema que não gera de todo consensos

Só há uma forma de a 29.ª Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (COP29) terminar “com êxito”: se as 198 partes (197 países mais a União Europeia) reunidas esta semana em Baku, Azerbaijão chegarem a “um bom acordo” que permita “aumentar a solidariedade com os países do Sul de uma forma que lhes permita avançar para metas da descarbonização”, defende Jorge Moreira da Silva, subsecretário-geral da ONU e diretor executivo do Escritório das Nações Unidas para os Serviços de Projetos.

No âmbito do Acordo de Paris, quase todos os países comprometeram-se a limitar o aumento da temperatura média global a 1,5 graus, mas ainda estão longe de atingir essa meta. “Neste momento, (...) estamos numa trajetória de aumento da temperatura de 2,6 a 2,8 graus e não 1,5 graus. Portanto, é suposto, neste ano de 2025, que todos os países apresentem novas metas a tempo da cimeira daqui a um ano”, que se realiza em Belém, em Pará, no Brasil, onde é esperado que os países alterem efetivamente as suas metas para que sejam compatíveis com aquele limite, explica Jorge Moreira da Silva, em entrevista à CNN Portugal.

Só que, para chegar a essa meta, é preciso chegar a um consenso alargado entre todas as partes, havendo quem defenda que todos devem contribuir de igual forma e, por outro lado, quem defenda que os países mais ricos devem financiar os países mais pobres de forma a ajudá-los a cumprir os objetivos climáticos. É esta a discussão que está em cima da mesa nesta cimeira em Baku.

“Eu costumo sempre dizer que vale a pena colocarmo-nos no papel de primeiros-ministros ou chefes de Estado africanos. Nesses países, 700 milhões de pessoas não têm acesso à eletricidade, dois mil milhões cozinham todos os dias com madeira e com resíduos de lixo para aquecer os alimentos. Mais dois mil milhões não têm saneamento. Mais de mil milhões deitam-se todos os dias sem uma refeição decente. E estamos a dizer a estes países que têm de se tornar verdes, que têm de se descarbonizar, porque nós aqui no Norte precisamos que eles façam a sua parte na descarbonização. Ora, isso só pode acontecer”, argumenta o dirigente da ONU.

Para Jorge Moreira da Silva, esta questão não se trata “nem de caridade nem de compaixão”. “Estamos a falar de investimento na segurança global”, diz, sublinhando que chegar a 1,5ºC de temperatura média global “não é uma meta nem um objetivo” mas sim “um limite físico” para “não romper o equilíbrio planetário”.

Comparando com os tempos da pandemia, o dirigente lembra que uma das lições retiradas nesse período foi que “de pouco serve vacinarmos o norte se no sul ainda existirem focos de pandemia”. “Com as alterações climáticas é o mesmo. De pouco serve, em Portugal, ou na Europa, ou na China, descarbonizar a nossa forma de produção e consumo de energia, se no Sul, os países que enfrentam pobreza e desigualdades, não estiverem em condições de avançar para esta descarbonização”, argumenta.

“Só sairemos de Baku ou de qualquer cimeira internacional nos próximos meses com uma noção de êxito se a resposta for simultaneamente boa para a ação climática, para o combate às desigualdades e à pobreza e para a paz e para a estabilidade”, defende Jorge Moreira da Silva, lembrando que, “infelizmente, existe uma correlação entre pobreza e impactos climáticos e entre conflitos e impactos climáticos”, uma vez que “os países mais pobres, que são os que menos emitem [gases com efeitos de estufa], já têm o azar de apanhar com as consequências das alterações climáticas que não provocaram” e, além disso, “os 14 países mais afetados pelas alterações climáticas na última década são todos países em guerra”.

Neste contexto, resume, “nós precisamos de uma solução que assuma a paz, a igualdade e a sustentabilidade ambiental de uma forma abrangente e não parcelada”.

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