Rui Pedro: da formação no FC Porto ao hat-trick 'supersónico' na Champions

17 out 2022, 23:52
Rui Pedro (Getty Images)

Internacional sub-21 português conta já com uma vasta experiência, tanto no futebol português como no estrangeiro. Atualmente ao serviço da Sanjoanense, da Liga 3, é o mais recente protagonista do Conto direto

"Conto direto" é a rubrica do Maisfutebol que dá voz a protagonistas dos escalões inferiores do futebol português. As vivências, os sonhos e as rotinas, contados na primeira pessoa.

Rui Pedro, 34 anos, Sanjoanense

«Sou natural de Gaia, mas o meu pai é de Lever e tinha lá os meus avós paternos. Sempre gostei de futebol e foi no Leverense que comecei a jogar, mas nessa altura estava longe de imaginar que ia ter a carreira que tenho. Quando comecei a jogar jogávamos com o FC Porto, levávamos sempre grandes goleadas e o meu sonho era jogar numa equipa assim, grande. Com oito ou nove anos fui fazer as captações ao FC Porto e fiquei. Passei de ser goleado para golear.

Notei uma grande diferença, o FC Porto ficava com os jogadores das captações e reunia os melhores da zona. Era imparável. Desse tempo da formação, recordo o ano em que fomos emprestados ao Padroense, equipa satélite do FC Porto, nos juvenis. Jogámos contra o FC Porto e batemo-nos de igual para igual. Percebi aí que alguns jogadores da minha geração podiam fazer carreira.

Fico com um sentimento amargo por não ter tido uma oportunidade real na equipa principal do FC Porto. Agora sinto que é mais fácil, há mais oportunidades, até devido à situação financeira do clube. Na altura, quando chegámos ao plantel sénior, subiram três da formação: eu, o Castro e o Ventura. Fiz só um jogo, até porque o treinador [Jesualdo Ferreira], que quase dependia dos resultados jogo a jogo, não apostava muito na formação. E era uma equipa cheia de craques. Era mais difícil a aposta na formação do que é agora.

«Tinha 19 anos e emprestaram-me a clube completamente destruído»

Dessa altura, recordo-me que o Quaresma era inacreditável nos treinos. O Quaresma era inacreditável. Não me recordo de nenhuma praxe, simplesmente os jovens tinham sempre de apanhar as bolas, passavam um bocado mal nos ‘meiinhos’, mas era só isso. O Postiga gostava muito de mim, mas houve outros que foram extremamente importantes: Pedro Emanuel, Raúl Meireles, Lucho González, Lisandro López… Eu acredito que treinar com os melhores pode ajudar a evoluir, dá para reparar em pormenores que nos ajudam para a vida toda. Por exemplo, gostava muito de ver o Lisandro López a treinar, aprendi muito com ele.

Mas o ponto chave foi na primeira metade da época 2007/08.  Na altura havia uma liga intercalar e eu estava muito bem, fizemos um jogo em Penafiel, com o Jesualdo Ferreira a ver, e ganhámos 3-0 ou 3-1, com um hat-trick meu. E nessa altura o FC Porto tomou a decisão de que eu não podia estar no clube sem jogar. Decidiram emprestar-me ao Estrela da Amadora e foi a pior decisão da minha carreira. Era um contexto completamente diferente, o Estrela passava dificuldades enormes. Só para contextualizar, passo de ter as melhores condições no FC Porto para chegar ao Estrela e não haver treino no meu primeiro dia por causa de uma greve dos jogadores, por salários em atraso. O FC Porto emprestou-me para jogar mais e acabou por não acontecer. Tinha 19 anos e emprestaram-me a clube completamente destruído. Foi um atraso no meu crescimento.

Ainda assim, consegui estrear-me pela equipa principal, num jogo frente ao Fátima, para a Taça da Liga. Não sabia que ia ser titular, só soube na palestra. Até então o mister Jesualdo não tinha dado oportunidades aos jogadores da formação. Mas também logo me tirou a surpresa, pois substituiu-me ao intervalo. Lembro-me que durante esse dia estava ansioso, gostava de ter marcado. Queria ter marcado um golo pelo FC Porto, mas infelizmente não tive mais oportunidades. Acabei por fazer um golo no Estádio do Dragão, mas foi pela Académica, não gostei muito.

Rui Pedro no único jogo que fez pela equipa principal do FC Porto, aqui a disputar um lance com Nélson Veríssimo (arquivo pessoal)

Mas apesar dessa barreira na aposta da formação, gostei muito do mister Jesualdo. Notava-se que tinha pormenores táticos e técnicos que ajudavam os jogadores a crescer, mas para os jovens era difícil. Estamos a falar de uma equipa que era campeã, era complicado jogar naquela equipa.

A suspensão por causa de um controlo antidoping: «Paguei por erro que não cometi»

Nessa altura também tive um bom percurso na Seleção Nacional, passei por todos os escalões e foi sempre um orgulho representar Portugal. Obviamente que jogar nos sub-21 foi o que mais me marcou, foi quando estive mais perto dos AA. Ainda por cima partilhei balneário com jogadores como o Rui Patrício, o Fábio Coentrão ou o Daniel Carriço, entre outros. Fui sempre chamado à Seleção de sub-21, independentemente do clube onde estava. Isso revela a confiança que tinham em mim e deixa-me orgulhoso.

Rui Pedro ao serviço da Seleção Nacional de sub-21, num jogo frente à Inglaterra (Getty Images)

Tenho até uma história relacionada com a Seleção. Quando estava nos juniores do FC Porto, fomos jogar à casa do Benfica e no final do jogo tivemos controlo antidoping. Eu fui o escolhido para ir, mas o médico do clube só me avisou depois de eu ter ido ao balneário. Ainda assim, fiz o controlo normalmente. Alguns meses depois sou chamado à Seleção para o Europeu de sub-19, mas passado uns dias sai uma nota a dizer que estava suspenso por causa do controlo antidoping. Isso influenciou muito a minha projeção e com esse erro não pude fazer o meu primeiro Europeu. Ainda tive de fazer a pré-época do FC Porto, na Holanda, sem fazer nenhum particular de pré-época, pois não podia jogar, só treinar. Paguei por um erro que não cometi.

Na altura, quando passei para o plantel principal, o FC Porto assinou um contrato comigo por cinco anos, mas emprestou-me para a II Liga, nunca para a primeira. Não tinha muito voto na matéria, nunca pude decidir o meu futuro, o FC Porto é que decidia sempre. Foi sempre muito estranho. Até que chegou a uma altura em que fiquei a um ano de terminar contrato e a depender de mim. Tinha uma proposta do Trofense, para a II Liga, mas decidi ir para o Cluj, na altura campeão romeno. Foi a melhor decisão que tomei na carreira.

«Os meus colegas só me perguntavam: ‘Sabes o que fizeste?’ Nem tinha noção»

Foi incrível, apesar de ser um clube de um país de leste, tinha oito portugueses. Só se falava português no balneário, a adaptação foi instantânea. Cheguei e no primeiro ano fomos campeões, apesar de eu, pessoalmente, não ter grandes números. No segundo ano é quando rebento, com o Paulo Sérgio a treinador. Entre Champions, Liga Europa e campeonato, fiz uma época extraordinária.

E há aquele jogo com o Sp. Braga para a Liga dos Campeões. Lembro-me que já vinha a atravessar uma boa fase no campeonato, já tinha cinco ou seis golos, isto no início de novembro. E esse jogo com o Sp. Braga é difícil de descrever, fiz três golos em três remates no espaço de 25 minutos. Ao intervalo, no balneário, os meus colegas só me perguntavam: ‘Sabes o que fizeste?’ Mas eu estava tão focado no jogo que nem tinha noção. E se tivesse mais uma oportunidade de rematar à baliza, ia fazer mais um golo e pulverizar os recordes. Até hoje sou o único estrangeiro a marcar um hat-trick na Roménia para a Champions. E ser frente a uma equipa portuguesa claro que foi especial. Se fosse uma equipa de outro país, não ia passar nas notícias. Claro que assim passou e na altura até se chegou a falar de uma ida à Seleção. Estava a atravessar um momento extraordinário.

Rui Pedro no duelo frente ao Sp. Braga em que fez um hat-trick (Getty Images)

Gostei muito dessa experiência na Roménia. É um futebol competitivo, há jogadores de muita qualidade. Nessa altura jogávamos na Champions e batíamo-nos muito bem. Fomos ganhar ao terreno do Manchester United. Nenhuma equipa, se não estiver bem, ganha a este tipo de equipas. Gostei muito de ter jogado na Roménia.

Rui Pedro disputa um lance com Wayne Rooney, no Manchester United-Cluj (Getty Images)

Em 2014 dá-se o meu regresso a Portugal, para a Académica. No meu último ano de Cluj o clube atravessava problemas financeiros, algo que é normal na Roménia. Parece que quando recebem muito dinheiro, devido a uma grande transferência ou a uma boa prestação na Europa, os clubes passam por dificuldades. Já estava com sete meses de salários em atraso e o mister Paulo Sérgio convidou-me para ir para a Académica. Precisava de alguma estabilidade emocional e familiar e decidi aceitar o convite.

«Rever algumas pessoas da Académica deu-me uma mágoa tremenda»

A primeira temporada correu bem, fui o melhor marcador da equipa. Depois no segundo, quando descemos… Estar presente na descida da Académica foi o pior ano da minha vida. E descemos apesar de termos um plantel recheado de bons valores. Mas a política de termos muitos emprestados não ajudou nada. No final da época eles regressavam às equipas de origem e o clube ficava desamparado. Além disso, havia muitos futebolistas que estavam em final de contrato. Também não ajudou nada. Este conjunto de fatores, aliados aos salários em atraso e à própria instabilidade do clube e pressão dos adeptos, fez com que andássemos sempre a correr atrás do prejuízo. No início da temporada já se temia o pior.

Rui Pedro festeja um golo com o amigo Rafa Lopes, ao serviço da Académica

Esta época fizemos [Sanjoanense] o jogo de apresentação frente à Académica e rever algumas pessoas do clube deu-me uma mágoa tremenda. Ver aquelas pessoas, que estavam na I Liga e agora trabalham com a mesma dedicação no clube na Liga 3 só mostra a paixão que têm pela Académica. Estou eternamente grato, adorei jogar lá. Durante o jogo na pré-época, sempre que passava por algum jogador adversário, dizia para ajudarem a colocar a Académica no lugar onde merece.

Depois da Académica, acabei por ir para o CSKA Sofia, da Bulgária. Fiz uma época muito boa, ficámos em segundo, e isso abriu-me as portas para o campeonato húngaro. Só estive um ano no CSKA e depois assinei pela melhor equipa húngara, o Ferencvaros.

São clubes esquisitos. Apesar de serem os melhores dos respetivos países, são muito instáveis, se não apresentas rendimento imediato trocam-te, é pressão constante. Os estrangeiros têm de fazer a diferença, caso contrário mandam-te embora e vem outro. Basta ver que o CSKA Sofia troca de 15 jogadores por época, são clubes super instáveis. Recordo-me também dos jogos com o Levski, o dérbi. Eram sempre ambientes incríveis com 30 mil pessoas nas bancadas.

Rui Pedro no Ferencvaros

O regresso a Portugal, para a Sanjoanense, dá-se em 2021. Estive quatro anos na Hungria e na parte final, com a pandemia da covid-19, foi muito difícil, como acredito que tenha sido para todos os portugueses fora do país. Estava com a minha mulher e as minhas filhas, mas estive dois anos sem vir a casa, inclusivamente uma das minhas filhas nasceu lá. Foram momentos um bocado complicados. Desejava regressar a Portugal, dar alguma estabilidade à minha família. Sou honesto, aguentei ao máximo para ver se apareciam propostas melhores, mas devido a ter estado muitos anos fora do país acho que entrei um pouco no esquecimento. Tive de voltar a fazer o meu percurso. A Sanjoanense abriu-me as portas e acredito que foi a melhor decisão, estou feliz.

A Liga 3 está super competitiva e as diferenças para os campeonatos profissionais estão a ser encurtadas, cada vez mais. Este campeonato é super competitivo, é difícil jogar contra equipas da Liga 3. Basta ver que as equipas da II Liga têm dificuldades em ganhar às da Liga 3.

Neste momento ainda me sinto bem fisicamente e emocionalmente. Enquanto me sentir assim, vou estar focado no futebol. Ainda tenho algumas ambições no presente, ajudar a Sanjoanense. É mesmo nisso que estou focado. No futuro pós-carreira profissional, vou querer continuar ligado ao futebol, apesar de ainda ser cedo para pensar nisso.

Para terminar, fiz alguns bons amigos no futebol. Destaco o Castro, é o meu melhor amigo. Temos uma amizade incrível, ficámos amigos desde o primeiro dia na formação do FC Porto. Somos vizinhos, sou padrinho do filho dele e ele é padrinho da minha filha. Tenho outros bons amigos, como o David Simão ou o Rafael Lopes.»

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