O avançado dividiu a formação entre o Sp. Braga e o Benfica; fez carreira na II Liga e no Campeonato de Portugal, mas foi em Vizela e Vila Verde que desatou a conseguir promoções
"Conto direto" é a rubrica do Maisfutebol que dá voz a protagonistas dos escalões inferiores do futebol português. As vivências, os sonhos e as rotinas, contados na primeira pessoa.
André Soares, avançado de 32 anos do Lank Vilaverdense
«Comecei a jogar futebol no clube da minha terra: o Vieira. Sou de uma aldeiazinha de Vieira do Minho, um bocado longe do centro. Criou-se uma equipa e eu, que até era mais novo que os outros, comecei a jogar contra a vontade da minha mãe, mas eu já tinha o bichinho. Costumava participar em jogos contra outras aldeias e o vício veio da rua.
Fizemos uma época muito boa no Vieira e o Sp. Braga teve interesse em alguns jogadores. Fui para o Sp. Braga com o Romeu Ribeiro. Gostei muito desses anos. Comecei a perceber um bocadinho o que era o futebol e que se calhar era o que queria para a minha vida. As pessoas, desde diretores a colegas, eram cinco estrelas. Guardo esses anos no meu coração.
Fui para o Benfica com 14 anos. Participei num torneio pela seleção de Braga e no final, os responsáveis do Benfica abordaram-me. Tinha também a hipótese de ir para o FC Porto, mas já que era para sair de casa, decidi que seria para o Benfica. Curiosamente, o Romeu Ribeiro também foi comigo.
O futebol deixou de ser uma brincadeira. Tinha de fazer o que fosse possível para atingir o meu sonho e os meus pais perceberam. Sofreram muito, mas não conseguiram dizer-me que não. E embarcámos todos nesse aventura.
Nos dois primeiros anos vivi nos Pupilos do Exército. Vivi com as pessoas do exército, a comida era igual para todos e cumpria os mesmos horários. Foi um choque grande. Imaginei outras coisas, mas serviu para crescer muito e rápido. Deixei uma aldeia e de repente, estava em Lisboa praticamente sozinho. Foi um desafio e não tive de medo de enfrentá-lo.
As memórias que guardo do Benfica são, sobretudo, dessa altura nos Pupilos do Exército por mais engraçdoa que seja. Recordo-me das brincadeiras que tinha e das amizades que fiz. Mais tarde, passei para o Seixal. Foi uma diferença… na altura parecia um palácio (risos). Tive pena de não ter vivido lá outros anos. Ali, todos os jogadores têm condições para melhorar qualquer coisa diariamente.
Perto do final do percurso na formação, realizei um sonho: assinei contrato profissional com o Benfica. A minha família sabia que tinha o objetivo de assinar contrato e de lutar por um lugar na equipa principal. Ainda cheguei a treinar com a equipa A várias vezes quando havia essa necessidade. Apanhei o Camacho, o Quique Flores e o mister Jesus, mas não tive oportunidade de os conhecer a fundo.
O que me ficou na memória foi a forma como o Pablo Aimar treinava. Pensei: ‘Já posso deixar de jogar futebol’. Estava a treinar com o Aimar. Era um jogador incrível. Nunca cheguei a ter oportunidades e fui emprestado para o Carregado, que tinha subido à II Liga. Estive lá seis meses até os responsáveis do Benfica decidirem que seria melhor eu ir para o Atlético.
No ano seguinte, o mister João Alves, que tinha sido meu treinador nos juniores do Benfica, ligou-me para ir para o Servette. Fui para a Suíça e considero que essa experiência foi importante na minha carreira. Havia quase a obrigação de subir e sinto que atingi outro nível de exigência. Deu-me coisas diferentes.
Fui sozinho para o Servette, com 19 ou 20 anos. Depois cabei por encontrar lá o Pedro Mendes. O Mister João Alves, por quem tenho um enorme carinho, também me ajudou nos primeiros meses assim como o seu filho. No final da temporada, o clube tinha como objetivo ir às competições europeias no ano seguinte. Deram-me a possibilidade de ficar numa outra equipa suíça porém, decidi aceitar o convite do Marítimo B.
Na Madeira voltei a encontrar o Romeu Ribeiro (risos). É um amigo que encontrei no futebol e vai ficar para sempre. Já passámos muito juntos. Apanhei o Ivo Vieira como treinador na equipa B e no ano seguinte, ele foi promovido à equipa principal. Eu tinha 23 anos e achava que já não tinha idade para estar numa equipa B. O mister Ivo queria que ficasse, mas o presidente não entendeu assim e fui para o Famalicão.
Gostei muito do Famalicão. Foi uma experiência diferente. Nunca tinha vivido num contexto de exigência tão grande como a que existe no Famalicão. Os adeptos vivem o clube de forma apaixonada. Infelizmente ,tivemos três treinadores e não lutámos para subir. Conseguimos a manutenção já com o mister Daniel Ramos. Apesar de ter gostado de trabalhar com ele, não cheguei a acordo com o clube e fiz um ‘reset’ na minha carreira.
Tinha de encontrar o que me fez gostar de futebol. Recuperei a alegri pelo futebol no Vilaverdense. O plantel era impecável, o técnico de equipamentos era e é um fenómeno, enfim, senti um carinho enorme pelas pessoas que trabalham no clube. Fiquei quatro anos e estivemos quase sempre na luta pela subida. Pelo meio decidi ir para o Gil Vicente, na II Liga, mas não me identifiquei com as pessoas e regressei ao Vilaverdense, que nesse ano estava a lutar para subir. Nem pensei duas vezes.
Falhámos a subida no Vilaverdense. Perdemos com o Mafra, do mister Luís Freire, a equipa que acabou por ser promovida. Saí do Vilaverdense porque o investidor saiu também. Apesar de ter mais um ano de contrato, senti que o clube não iria ter condições para honrar o compromisso que assinámos. Decidi retirar esse peso ao clube, rescindi e fui para o Vizela.
Encontrei um clube incrível a todos os níveis. Vivi anos muito bons. No meu segundo ano em Vizela, conseguimos a subida à II Liga. Embora as competições tivessem acabado devido à pandemia de covid-19, estávamos em primeiro lugar e merecemos subir. Acompanhei o Vizela à II Liga, uma competição que já não disputava desde que tinha jogado no Gil.
Encarei esse ano como um tira-teimas. Queria provar a mim mesmo que podia fazer uma boa época. O mister Álvaro conseguiu mudar a nossa cabeça para o que ele queria e aquilo começou a andar de uma maneira… Já não pensávamos em mais nada a não ser ganhar. E voltámos a subir, o que é raro. Foi fruto da qualidade humana, desportiva e da estrutura forte que havia. Estávamos tão confiantes, fosse contra quem fosse e estivemos mais de 20 jogos invictos.
Não continuei no Vizela. É o futebol. Fiquei feliz pelo que vivi no clube e desejei a todos a melhor sorte do mundo. Não foi uma saída amarga nem triste. Saí com sentimento de dever cumprido e voltei ao Vilaverdense.
Este ano subimos na última jornada. Tínhamos de fazer o mesmo resultado que o Leça. Quem estava em campo, só se apercebeu que o Leça tinha empatado quando a bancada começou a festejar. Já tinha saído e estava no banco a acompanhar o outro jogo sem o treinador ver (risos). Não conseguia estar ali sem saber como estava o Salgueiros-Leça!
Assim que o jogo acabou, dei um abraço ao Nené, o presidente da SAD do Vilaverdense. Ele jogou comigo aquando da minha primeira passagem pelo clube. Ele sentia o mesmo que eu e descarregámos ali um bocado. Esta subida diz-me muito porque este clube ajudou-me numa altura difícil para mim em termos desportivos. Não fosse o Vilaverdense e não tinha vivido o que vivi em Vizela.
Festejámos em todo o lado. Esta equipa para festejar deve ser a melhor do Campeonato de Portugal (risos).
Foi uma semana perfeita para mim até porque fui pai na semana anterior. O meu filho nasceu a um sábado, no dia seguinte ganhámos em Leça e na semana seguinte, conseguimos subir. Nasceu há uma semana e já tem uma subida (risos). Não penso em mais nada a não ser continuar no Vilaverdense.
Esta é foi a minha terceira subida seguida. O João Faria, que é como um irmão para mim, andava aí fanfarrão a dizer que tinha quatro subidas seguidas e deu-me motivação. Também tinha de conseguir subir para não andar aí a ouvi-lo (risos).»