«Não tenho mágoa com o FC Porto, havia Moutinho, Belluschi, Lucho... era mais difícil»

3 mai 2023, 09:03
Leandro Silva (arquivo pessoal do jogador)

Leandro Silva começou a jogar futebol no Paivense, o clube da terra, mas não demorou muito até saltar para o FC Porto, o «grande» mais próxima de casa. Esteve vários anos ligado aos Dragões, já andou por Académica, Paços e Arouca e até no estrangeiro, onde teve a pior experiência da carreira. Regressou a Portugal para jogar na União de Leiria, com quem subiu à II Liga e onde, diz, renasceu para o futebol

"Conto direto" é a rubrica do Maisfutebol que dá voz a protagonistas dos escalões inferiores do futebol português. As vivências, os sonhos e as rotinas, contados na primeira pessoa.

Leandro Silva, médio de 28 anos da União de Leiria

«Comecei a jogar futebol no Paivense, o clube da minha terra. A minha família sempre foi ligada ao futebol, principalmente lá na terra, e daí o meu gosto. As coisas foram acontecendo de forma natural, e após dois ou três anos fui chamado para o FC Porto. Num jogo contra o Espinho, estava lá um olheiro do clube e falaram com os meus pais para as captações. As coisas correram muito bem e acabei por ficar.

A adaptação a uma nova realidade foi muito boa. A minha mãe ia sempre comigo aos treinos, o que ajudou bastante, porque sou muito ligado a família e sendo muito jovem, se tivesse ido morar para o Porto ia custar-me muito mais. Aliás, na formação nunca cheguei a mudar-me, ia e voltava todos os dias. Só na altura da equipa B é que me mudei, quando me juntei com a minha esposa. Andei nove anos a ir e vir todos os dias. Era um bocadinho duro. Quando fui estudar para o Porto, tinha de acordar muito cedo. Acordava por volta das seis da manhã, ia para a escola, depois para o treino e só chegava a casa às nove da noite.

Mas foi muito bom. Muito do que sou tenho de agradecer ao que vivi lá, foram 12 anos ligados ao FC Porto. Não só a evolução como jogador, mas como homem, os valores que me passaram. Sou o que sou hoje muito graças ao que aprendi naquela casa.

Leandro Silva foi capitão da equipa B do FC Porto (arquivo do jogador)

Foi na altura da formação que fui à Seleção Nacional diversas vezes. Acho que dos sub-15 à seleção olímpica, somei 56 internacionalizações. Representar o país é uma sensação única, mesmo sendo na formação. É um orgulho imenso, algo único e jogar com aquela quantidade de jogadores que agora estão aí a nível mundial também foi especial.

Não fica mágoa por não ter jogado na equipa principal. Claro que gostava de me ter estreado pela equipa A, mas o futebol mudou muito nestes dez anos. A aposta nos mais jovens é muito maior e fico muito feliz por isso. Significa que há qualidade em Portugal e na formação. Estou muito bem com o que tenho feito na minha carreira. Claro que gostava de me ter estreado. Mas não é uma coisa que me magoe, o futebol é mesmo assim. Se ficar a pensar no que podia ter sido, vou ficar preso a isso e a minha carreira não vai andar para a frente.

Nesses tempos, de transição para sénior, tinha o meu estatuto na equipa B, jogava sempre e o objetivo passava por ser emprestado a um clube da Liga, para depois ver a minha evolução e ver como adaptava. As coisas correram bem individualmente no empréstimo à Académica, para o clube é que infelizmente não, e quando voltei ao FC Porto renovei contrato por três anos, o que demonstra que acreditavam em mim. Nessa altura tinha muitos clubes para escolher, em Portugal e no estrangeiro, mas a ideia do FC Porto passava por continuar em Portugal, para me acompanharem com mais facilidade. Fui emprestado ao Paços de Ferreira, mas infelizmente nesse tudo correu mal. Mas é o que é.

(Arquivo do jogador)

Treinava imensas vezes com a equipa A, com jogadores que estão aí no futebol mundial. Daí também não dar para ter muita mágoa, olhando para as equipas que o FC Porto tinha. Era muito mais difícil do que nestes anos, o que não significa que agora não haja qualidade. Mas naquela altura havia Fernando, Moutinho, Guarín, Belluschi, Lucho González… eram jogadores com muita qualidade. Só o prazer de treinar com eles já era quase como jogar. Para mim já era um sonho, aprender com eles, a qualidade que eles tinham. Era quase como jogar na equipa A.

Havia ali muita qualidade. Estamos a falar de jogadores como Falcao, Hulk, James Rodríguez, além dos que já referi. Só de os ver tocar na bola sentia logo a diferença para os outros. Há outros que não davam tanto nas vistas, como por exemplo o Belluschi: era um craque, uma pessoa muito dada, dava muitos conselhos aos miúdos. Não era tão falado, mas tinha uma qualidade acima da média.

Leandro Silva ao serviço de Portugal, na companhia de Bernardo Silva (arquivo pessoal)

A Académica surgiu quando estava a começar a pré-época na equipa B do FC Porto. Já lá estava o Gonçalo Paciência, com quem tenho uma ligação muito forte. Quando surgiu a oportunidade de ir para lá, para um clube com história e no qual podia jogar com o Gonçalo, foi juntar o útil ao agradável.

Foi uma experiência muito boa, jogava sempre. E jogar na I Liga era um sonho que tinha, era para isso que tinha lutado tantos anos. Felizmente nesse ano consegui mostrar o meu valor, fazer uma boca época. Comecei a ser mais reconhecido.

Infelizmente apanhei a Académica numa fase complicada, volta e meia com salários em atraso. São coisas que não conseguimos controlar e tudo junto deu a descida, porque não é só dentro de campo que as coisas contam. Mexe muito com os jogadores, é a vida deles que está em questão.

(Arquivo do jogador)

Na época seguinte, em 2016/17, fui para o Paços de Ferreira, mas as coisas começaram a correr mal desde o início. A três semanas de começar o campeonato tive uma rotura e perdi grande parte da pré-época. Voltei na semana antes do primeiro jogo, e as expectativas eram muito altas, é colocada uma pressão muito grande quando os jogadores são emprestados por FC Porto, Benfica ou Sporting. Muito do insucesso pode cair em cima desses jogadores. Comecei a não sentir-me bem no clube. Apesar de ter lá pessoas de quem gosto, a ligação com adeptos desgastou-se um bocadinho.

Em 2017, fui para o AEL Limassol, do Chipre. Quando apareceu a proposta, desvalorizei um bocadinho, porque quando somos mais novos os empresários estão sempre com a conversa de que há muitos clubes interessados. Foi isso que aconteceu: o meu agente falou comigo a propósito do AEL, eu disse que aceitava a achar que seria apenas mais uma proposta e que não passaria disso. Entretanto estou em estágio com a equipa B do FC Porto e mal chego ao hotel, o meu empresário liga-me a dizer que os clubes chegaram a acordo, e que dali ia direto para o Chipre. Foi aí que a ficha me caiu, principalmente porque nunca tinha estado fora de Portugal. Tinha a minha filha e a minha esposa e ia ser uma mudança muito grande para quem era tão ligado a família e ao país. Mas não me arrependo, fui muito feliz e agradeço muito.

O médio ao serviço do AEL Limassol (arquivo do jogador)

As pessoas têm uma ideia muito errada do Chipre. Claro que há um outro atraso nos salários, mas isso também há aqui, e não se fala tanto. Mas a nível de qualidade de vida e paixão dos adeptos foi fantástico, uma experiência única. E a nível de qualidade de vida, o Chipre é muito acima da média.

Estive lá duas épocas e depois regressei a Portugal. Foi numa fase em que tinha tido o segundo filho e queria voltar a casa. Surgiu a hipótese da Académica, supostamente ia entrar um novo investidor e era para tentar a subida à Liga. Mas as coisas correram novamente muito mal, não entrou o investidor e aconteceu o normal, salários em atraso. Ainda por cima foi um ano atípico, por causa da covid-19. Foi muito estranho.

A seguir fui para a Arouca e posso dizer que não me surpreende nada o que eles têm feito este ano. Conheço grande parte das pessoas que trabalham lá e a base vem quase desde o Campeonato de Portugal. Sinto que isso é muito importante. Acolhem jogadores que vêm de fora como ninguém. Há jogadores que subiram com o clube desde o Campeonato de Portugal, como o Basso e o Pedro Moreira, são jogadores importantes. Ainda por cima o Arouca acertou nas contratações e estão a fazer uma grande época. Não me surpreende muito, conheço bem a equipa técnica e a quele núcleo, estou muito feliz por eles.

(Arquivo do jogador)

Nessa altura do Arouca tenho até uma história curiosa. Tenho as minhas convicções e essas coisas, e houve uma fase em que ganhámos dez jogos consecutivos. Após a primeira vitória, fui a Fátima e comentei com alguns colegas que lá tinha ido e que se ganhássemos o jogo seguinte, íamos todos. Acabámos por ir a Fátima dez jogos seguidos: eu, o Pedro Moreira, o Basso e o Arsénio íamos lá todas as semanas. É um bocadinho invulgar, felizmente ganhámos os dez jogos e subimos de divisão. No fim voltámos a ir.

O Hapoel Haifa, de Israel, foi a minha segunda experiência no estrangeiro. Tinha mais um ano de contrato com o Arouca e as pessoas queriam muito que ficasse. Mas não vou mentir, o que pesou na minha ida para o Hapoel foi o aspeto financeiro. Não quero dizer que foi uma má decisão, porque se não tivesse tomado essa decisão hoje não estaria no Leiria, mas acabou por correr muito mal. Não teve nada a ver com o que esperava. Nesses países quando as coisas não correm bem, a culpa é do jogador estrangeiro. A culpa cai sempre em nós e eu não estava lá a sentir-me bem. A maneira como as pessoas do clube olhavam já não era a melhor, acima de tudo quero estar feliz e não estava a feliz. Até eu próprio meti muita coisa em causa e preferi estar quatro meses parado, sem jogar, do que estar naquela situação.

Leandro Silva no Hapoel Haifa, do Israel (arquivo do jogador)

Para dar um exemplo concreto, basicamente sempre que perdíamos eu era chamado ao balneário do treinador e a culpa era sempre minha. Como vinha da I Liga Portuguesa, queriam que jogasse sozinho. Foi um acumulado de situações e quis voltar para Portugal.

Por incrível que pareça, e não tenho problema nenhum em admitir, quando saí de Israel passou-me muitas vezes pela cabeça em desistir do futebol. Principalmente porque estava muito desacreditado das pessoas do meio e comecei a duvidar de mim mesmo. Como disse, em Israel foram três quatro meses muito difíceis. Acima de tudo queria voltar a ser feliz. Estava a receber abordagens da II Liga, do Chipre e da Polónia, por exemplo. Foi quando a União de Leiria me contactou. O presidente, Armando Marques, e o diretor, Carlos Delgado, foram ter comigo ao Porto. No início não vou negar que não queria aceitar a proposta. Há cinco meses estava na Liga, a jogar sempre, e agora estava a assinar por um clube da Liga 3. Mas nessa conversa no Porto apresentaram-me o projeto, fizeram-me acreditar e não tenho nenhum problema em dizer: foi a melhor decisão que tomei desde que jogo futebol, não só por causa da subida à II Liga.

Foi quase como um ressuscitar, acabei por voltar a sentir aquela alegria que tinha perdido. É que muita gente acha que o futebol é só dar chutos na bola e ganhar dinheiro. O que encontrei na União de Leiria, um clube de Liga 3 que nada tem de Liga 3, surpreendeu-me muito. Agradeço muito clube pela oportunidade que me deu.

E vou ser sincero: estou muito por dentro de clubes da Liga e tenho muitas dúvidas que existam clubes a trabalhar como a União, com exceção de Benfica, Sporting, FC Porto, Sporting e Vitória de Guimarães. A ligação entre o clube e a cidade, as condições de trabalho que oferecem aos jogadores... Tudo o que a direção tem feito é de louvar.

Leandro Silva chegou à União de Leiria a meio da presente temporada (arquivo do jogador)

Sem dúvida que o futuro passa por continuar aqui. Quando aceitei a proposta, uma das partes do projeto era eu fazer parte deste crescimento, e foi por isso que aceitei. Quero continuar a fazer historia no clube, a época ainda não acabou, queremos trazer a Taça. Sinto que ainda tenho muito a fazer neste clube em forma de agradecimento, neste caso por ter renascido para o futebol.

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