«Foi pena ser Jesus o treinador do Benfica quando eu estava na equipa B»

14 jan 2022, 09:31
Luís Martins e Leandro Pimenta no Benfica B, na época 2012/2013

Leandro Pimenta, de regresso ao Imortal, aos 31 anos, é o protagonista do «Conto Direto» desta semana

"Conto direto" é a rubrica do Maisfutebol que dá voz a protagonistas dos escalões inferiores do futebol português. As vivências, os sonhos e as rotinas, contados na primeira pessoa.

Leandro Pimenta, 31 anos, médio do Imortal DC

«Comecei a jogar no Imortal, com oito anos. Já jogava muito futebol na rua, até porque o meu pai jogou, no Alentejo, mas depois teve um problema no joelho e teve de parar. O Imortal era o clube que ficava mais perto de casa e foi natural começar aí.

Com 12 anos era para ir para o Sporting. Estava quase tudo certo, mas eu era do Algarve e não tinha onde ficar. Aquilo atrasou o processo, e dois anos depois fui treinar ao Benfica, que acabou por chegar-se à frente.

Leandro Pimenta na formação do Imortal: é o segundo a contar da direita, em cima, de fita no cabelo (Arquivo Pessoal)

Vim para Lisboa com 15 anos. A mudança até correu bem. Muitos colegas tinham saudades e choravam. As condições não eram as atuais, até porque ainda não existia o centro de estágio do Seixal. Vivíamos nos Pupilos do Exército, e treinávamos lá também. Só no meu segundo ano é que foi inaugurado o Seixal. Tinha saudades de casa, claro, mas até estive para ir mais cedo, pelo que deu para ir preparando a mudança. Não me custou muito. Ajudou-me a crescer muito mais rápido.

A minha geração era o Romeu Ribeiro, Nélson Oliveira, André Soares, Diogo Freire, David Simão, André Carvalhas, Miguel Rosa, João Pereira, Roderick… Sempre nos demos bem, foi quase sempre a mesma equipa. Eu frequentava uma escola diferente, e por isso andava mais sozinho durante o dia. Mas o André Soares era dos mais próximos, e também o Fábio Colaço, com quem partilhava quarto. O Edu também. Depois, já no Seixal, estava mais com o Nélson Oliveira, Diogo Freire, Romeu Ribeiro, João Pereira, Abel Pereira e Pedro Eugénio.

Comecei a ir à equipa principal ainda com o Quique Flores. Os juniores eram chamados algumas vezes. Era uma alegria saber que íamos lá treinar. Hoje em dia é mais fácil chegar lá, antigamente era notícia quando isso acontecia. Agora é mais comum, há mais abertura para isso. Chegar lá era o ponto mais alto. O Aimar foi o melhor jogador que apanhei no Benfica. Havia outros com qualidade, mas ele estava um pouco acima. Até jogadores como o Di Maria e o Gaitán ficavam a olhar para ele, quando fazia assim algo mais especial.

Leandro Pimenta (à direita na foto) com Luís Martins, no Seixal

Em 2009/10 fui emprestado ao Beira-Mar. Era o primeiro ano como sénior, sabia que não ia ficar na equipa principal do Benfica. Vi que o plantel do Beira-Mar tinha qualidade. O Leonardo Jardim estava a aparecer, mas já mostrava qualidade, e confirmou isso depois. Foi dos melhores treinadores que apanhei. Foi muito importante para a transição para sénior. Não havia equipa B, na altura, e com os empréstimos perdiam-se muitos jogadores. Foi uma boa decisão.

Eu fui campeão da II Liga com o Beira Mar, e o Benfica foi campeão nacional no mesmo ano. Foi engraçado. No final da época estava a ir de férias quando recebi uma chamada do Rui Costa a avisar-me que ia fazer digressão com a equipa principal. Nem fui de férias, arranquei logo. Fiz a digressão de final de época, na América, e depois a pré-temporada seguinte.

Essa equipa foi das melhores que o Benfica teve. O Saviola e Aimar entendiam-se às mil maravilhas. Depois havia David Luiz, Óscar Cardozo… aprender com esses jogadores é um patamar muito acima. Essa pré-época foi muito enriquecedora. O Jorge Jesus era muito intenso, chegávamos a fazer três treinos. A seguir ao jantar ia tudo para a cama, estava tudo roto.

Já esperava essa exigência do mister Jesus. No Seixal ele chegava a parar os treinos porque os miúdos da formação estavam a ver tudo das varandas dos quartos, e ele não queria. Só que depois continuávamos a ver do lado de dentro.

Ele falava de forma diferente para os jogadores com mais moral. O Luisão e o Aimar tinham outro estatuto, naturalmente. Mas a exigência era igual para todos. A forma de falar é que talvez não. Até o Raúl José, que era então o adjunto, levava umas duras. O Ola John precisava de instruções em inglês, por exemplo, e se o Raúl José não estivesse lá ao pé dele para passar a mensagem, ainda ouvia um raspanete do Jesus.

O jogador que mais me marcou foi mesmo o Aimar. Estava mesmo um patamar acima. Fazia a diferença no balneário e no campo. Ele e o Jesus chocavam muitas vezes, mas depois o mister viu que tinha um jogador de uma qualidade superior.

Depois de integrar a pré-época fui emprestado ao Fátima. Claro que sonhei ficar na equipa principal do Benfica, mas sabia que podia sair. Tinha proposta para ir novamente para o Beira-Mar, e eu queria: já conhecia o clube, e agora era para jogar na Liga, com o mesmo treinador. Mas o Benfica não tinha equipa B e fez um protocolo com o Fátima. Fomos uns dez para lá. O Benfica obrigou-me. Eu bem insisti que queria ir para o Beira-Mar, e chegaram a dizer-me se eu queria ficar a treinar à parte ou ir para o Fátima. Tive mesmo de ir, e não foi uma época muito boa.

A época seguinte já foi boa, no Atlético. Até janeiro estávamos na luta para subir à Liga, em disputa com o Estoril. Em termos individuais foi uma época muito boa, estava votado para ser um dos melhores jogadores. Depois tivemos uma fase menos boa, saiu o mister João de Deus e alguns jogadores, e acabámos a meio da tabela. Nessa fase o Atlético ainda estava mais ou menos bem, na época seguinte é que começou a queda. É uma pena, é um emblema histórico, e com uma boa estrutura podia ser um bom clube.

Em 2012/13 fico na equipa B do Benfica. Claro que tinha a ambição de chegar à Liga, uma vez que tive essa possibilidade com o Beira-Mar, mas vi com bons olhos a integração na equipa B, pois era uma ponte para a equipa principal. Treinei muitas vezes com eles. Foi pena o treinador ser o Jesus, na altura, que não apostava muito na formação. Se fosse hoje, com outro treinador, teria oportunidades na equipa principal. Só subiu o André Almeida e o André Gomes. Tentei aproveitar da melhor forma, e fiz uma boa época. Sabemos que depende sempre do treinador que está lá em cima. Se fosse um Bruno Lage, Rui Vitória, Nélson Veríssimo ou Renato Paiva, que conhecem bem a formação… Ou mesmo um Ruben Amorim, que não tem medo de apostar nos jovens. Com outro treinador, na altura, podia ter as minhas oportunidades no Benfica. Mas é a vida. Não houve uma aposta contínua. Agora há muito mais facilidade em chegar lá. E foi o mesmo com jogadores mais jovens, como João Cancelo, Ivan Cavaleiro e o Bernardo Silva. Mas Jesus não apostava muito na formação, e houve quem saísse por alguns milhões, sem passar pela equipa principal.

Em 2014 acabei por rescindir. Foi um acumular de coisas. Em janeiro tinha proposta do Villarreal, e o Benfica também não deixou sair, como não me deixou ir para a Polónia. No final da época o Hélder Cristóvão queria que eu ficasse na equipa B, mas eu estava há quatro anos na II Liga. Queria chegar à Liga, e surgiu o convite do Gil Vicente, onde reencontrei o João de Deus.

A primeira época foi positiva, embora a Liga seja uma realidade completamente diferente. Foi um ano de aprendizagem, de crescimento. Na segunda época apanhei o José Mota e não foi o que eu desejava. Era para ter saído, mas ele não deixou, disse que ia apostar em mim, e depois não o fez. Joguei duas ou três vezes, apenas. Esse ano foi mau.

Leandro Pimenta ao serviço do Gil Vicente

Tinha mais um ano de contrato com o Gil, mas, dada a situação, acabei por sair. O José Mota ia continuar, mas depois até acabou por sair também. O Carlos Pinto desafiou-me para treinar com o Freamunde, numa altura em que esperava uma proposta da Bélgica. Essa possibilidade acabou por não se concretizar, e fiquei no Freamunde. Tive azar no primeiro ano, já que o clube esteve impedido de inscrever até janeiro. Estive praticamente um ano sem jogar. A segunda época correu bem a nível individual, mas coletivamente não.

Depois, em 2017, quando já não tinha empresário, fui para o Fafe. Era Campeonato de Portugal, mas acabou por ser dos clubes onde gostei mais de jogar, pelos adeptos apaixonados que tem. É o Benfica do Campeonato de Portugal. Fomos jogar quase a Espanha, a duas ou três horas de viagem, e o estádio estava cheio de adeptos do Fafe.

Depois voltei à II Liga, fui para o Sporting da Covilhã. Gostei também de jogar lá, embora falte esse apoio dos adeptos. Se o clube tivesse a força do Fafe, por exemplo, seria ainda melhor, pois em termos de condições está a crescer.

Quando estava na Covilhã tive de ultrapassar uma lesão no adutor, que inflamou a púbis. No Fafe tive um problema parecido. Estive muito tempo parado, e quando estava a voltar apareceu a pandemia. Vim para o Algarve e o campeonato acabou por não ser retomado.

Foi uma altura complicada, e entendi que, para deixar a família, tinha de ser uma proposta que compensasse muito. Fiquei por Albufeira e até comecei a treinar o curso de treinador. Mais tarde apareceu o Anadia, até arranquei para lá, mas o jogador que ia sair acabou por ficar, e eu voltei ao Algarve. Recusei também uma oferta de Espanha, pois não valia a pena ir para lá por dois ou três meses.

Esta época as propostas que recebi eram do Campeonato de Portugal, pelo que mais valia ficar aqui perto de casa, no Imortal. Não compensava ir para Lisboa ou para o norte. Por isso juntei as três coisas: ajudar a família, voltar a jogar no Imortal, e treinar miúdos, que é algo que quero fazer no futuro. Tem sido muito gratificante. Inicialmente estava só a fazer o estagio de II nível nos iniciados, mas depois surgiu o convite para ser treinador principal de uma equipa de infantis. Ver a evolução dos meninos é um motivo de orgulho. Mesmo que esteja cansado, ou um pouco mais em baixo, ali uma pessoa esquece tudo. A minha ideia é treinar nos seniores, e não propriamente na formação, mas tenho gostado muito desta experiência.

Mas ainda quero voltar a outros patamares como jogador. Não vim para acabar a carreira. Vim para estar perto da família, mas quero voltar a aparecer, pois ainda tenho muito para andar. As lesões têm complicado os últimos anos, mas quero dar o salto novamente.

Agora está tudo mais orientado por aqui, mas era importante ajudar a família. A minha mãe também tem um problema de saúde e precisava de apoio na mercearia, que até estava a ter mais clientela com a pandemia, pois as pessoas evitavam as grandes superfícies. No Imortal treinamos à noite, por volta das oito horas, e durante o dia ajudo na mercearia. O que faço mais é ir comprar os produtos para a mercearia, e depois descarregar e arrumar tudo, para facilitar a vida à minha mãe. Tenho também uma casa que era da minha bisavó, que queria arranjar para alugar para férias, e também me tenho dedicado a isso, com o meu pai e a minha irmã. Já aprendi a fazer um pouco de tudo, de pintar paredes a meter cimento. A casa está quase pronta, e quero ver se no verão já a conseguimos alugar.»

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