A Conferência dos Oceanos mudou a maré? O que saiu da Declaração de Lisboa e os compromissos dos países

Rafaela Laja , com agências
1 jul 2022, 18:01
Marcelo Rebelo de Sousa, António Guterres e Uhuru Kenyatta na Conferência dos Oceanos (Miguel A. Lopes / Lusa)

Durante uma semana, representantes de mais de 130 países e dezenas de chefes de Estado concentraram-se em formas de salvar os oceanos da degradação e da emergência climática. Eis os compromissos foram assumidos

A segunda edição da Conferência dos Oceanos das Nações Unidas (UNOC) terminou esta sexta-feira, após uma semana preenchida com eventos paralelos, diálogos interativos e sessões plenárias que culminaram na Declaração de Lisboa.

Intitulada "O nosso oceano, o nosso futuro, a nossa responsabilidade", a declaração foi aprovada exatamente nos mesmos termos em que foi previamente concertada em Nova Iorque. No documento final, os signatários admitem que é necessária "mais ambição a todos os níveis para resolver o terrível estado do oceano", manifestando-se "profundamente alarmados pela emergência global que o oceano enfrenta".

"Comprometemo-nos a implementar os compromissos voluntários assumidos no contexto desta conferência e instamos aqueles que assumiram compromissos na conferência de 2017 a garantir a revisão e o acompanhamento dos seus progressos", refere ainda o texto, que pede ao secretário-geral da ONU, António Guterres, que continue os seus esforços para a implementação do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 14, que integra a Agenda 2030, e respeita diretamente à proteção e desenvolvimento sustentável dos recursos marinhos.

"Apelamos a todas as partes interessadas para que tomem urgentemente ações ambiciosas e concertadas para acelerar a implementação do Objetivo 14, tão rápido quanto possível, sem atrasos indevidos", conclui o documento.

Sob o tema “Salvar os Oceanos, Proteger o Futuro”, a conferência da ONU, a segunda sobre os oceanos, juntou em Lisboa cerca de 6.700 pessoas, com delegações de 159 países, que se fizeram representar por 15 chefes de Estado, um vice-Presidente e 124 ministros.

Com as alterações climáticas, a perda de biodiversidade e a poluição a cobrarem um preço devastador ao Oceano, as Nações Unidas apelaram a um novo capítulo de ação oceânica, impulsionado pela ciência, tecnologia e inovação.

“Infelizmente, não damos valor ao oceano e hoje enfrentamos o que eu chamaria de “Emergência Oceânica”, disse o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, aos delegados na abertura da Conferência. “Devemos virar a maré. Um oceano saudável e produtivo é vital para o nosso futuro".

Os compromissos dos países 

  • A Comissão Europeia anunciou 50 contribuições voluntárias no valor de 7 mil milhões de euros, incluindo mil milhões de euros para proteger a biodiversidade do alto mar.
  • Portugal, pela voz do primeiro-ministro, assumiu como meta nas energias renováveis oceânicas atingir dez gigawatts de capacidade até 2030 e duplicar o número de ‘startups’ na economia azul. E assumiu também o compromisso de classificar 30% das áreas marinhas nacionais até 2030.
  • Emmanuel Macron anunciou que a França será a anfitriã de uma nova conferencia das Nações Unidas sobre os oceanos, em 2025, organizada em conjunto com a Costa Rica.
  • A Austrália anunciou que vai investir nos próximos 10 anos 1,1 mil milhões de euros na preservação da Grande Barreira de Coral. 
  • O Quénia, coorganizador da Conferência, anunciou que vai aprovar legislação que cria o crime de “ecocídio”
  • A Colômbia anunciou a aprovação da ampliação da área marítima protegida para 30%.
  • Itála convidou outros a aderirem à iniciativa Blue Leaders, partilhando o lançamento de um programa de restauração com 400 milhões de euros.
  • Os Países Baixos delinaram o Acordo do Mar do Norte de 2020 como parte das suas ambições de economia azul sustentável.
  • A Irlanda partilhou compromissos, entre outros, para expandir as áreas marinhas protegidas para atingir 30% e obter 5gW de energia renovável offshore até 2030; e prometeu 10 milhões de euros para ações oceânicas internacionais para apoiar uma parceria de pesquisa com os SIDS.
  • O Reino Unido destacou os compromissos de dobrar o financiamento climático para 11,6 mil milhões de libras, gastando um terço em soluções baseadas na natureza, com 500 milhões de libras investidos no Blue Planet Fund; e investir 154 milhões de libras no novo programa costeiro, ajudando comunidades vulneráveis ​​a se adaptarem às mudanças climáticas.

No decorrer da conferência da ONU foi também decidida a criação de uma plataforma de cooperação dos países lusófonos para promover a pesca sustentável e combater a pesca ilegal.

Portugal "deu passos na direção certa", mas "ainda ficou aquém"

Para as associações ZERO, Oikos e Sciaena, a Conferência pautou por uma cooperação estreita entre vários atores, desde representantes governamentais e das agências especializadas da Organização das Nações Unidas (ONU) até às organizações não governamentais, meio académico e cientistas. Porém, as  agências apontam "algumas falhas em termos de inclusão e representatividade, sobretudo no que respeita às comunidades indígenas e piscatórias.

"É necessário repensar a forma como se incluem todas as camadas da sociedade, sem exceção, nos processos de deliberação e discussão de medidas e ações cujos efeitos serão imediatamente sentidos por alguns dos atores menos representados em eventos de alto nível"

Considerando que a semana arrancou "com uma nota positiva" - tendo o Governo português apresentado uma breve lista de compromissos que deverá adotar - alguns deles indo de alguma forma ao encontro daquilo que estas associações têm vindo a reivindicar. 

"Contudo, falta maior clareza nas pescas", apontam, reiterando que ficam por elencar medidas específicas para concretizar o objetivo de manter 100% dos stocks da pesca nacional dentro dos limites biológicos sustentáveis e uma ligação específica à sua relação com a delimitação de Áreas Marinhas Protegidas.

"A maior falha será certamente a falta de apoio claro de Portugal a uma moratória à mineração mar profundo", que ganhou um ímpeto significativo nesta edição da UNOC, depois da comunicação da formação de uma aliança contra a atividade pelos governos do Palau, Samoa e Fiji.

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