Uma "rede social" só para ex-presidiários procurarem emprego

CNN , Alessandra Freitas
19 fev 2022, 19:00
Emprego (Adobe Stock)

Plataforma deverá ter mil anúncios de emprego até este verão

Quando Andre Peart deixou a Penitenciária Bare Hill de Nova Iorque em 2018, não tinha para onde ir. Não tinha casa nem emprego, já não estava com a sua namorada de longa data. Não sabia quem contactar, nem como. Tendo passado quase seis anos preso, perdeu a maioria dos avanços da tecnologia que moldaram o mundo em que estava a entrar.

Os portões abertos não ofereceram muita liberdade - aos 23 anos, ele saiu da prisão com 40 dólares em dinheiro e um bilhete de autocarro que não podia levá-lo para muito longe. Peart viveu em abrigos locais durante cerca de um ano, ganhou dinheiro a recolher lixo e a fazer manutenção num ginásio.

"Lembrou-me a prisão", afirmou o empresário com, agora, 31 anos. "Eu queria florescer e fazer mais para poder sair." Entretanto começou a candidatar-se freneticamente a empregos, mas sem sucesso.

"A minha licenciatura não importava, a minha formação anterior em jornalismo não importava, as minhas experiências anteriores não importavam. Rejeitavam-me no momento em que ficavam a saber do tempo que passei na prisão", explicou Peart.

A necessidade de conseguir um emprego não era apenas financeira - era uma exigência da liberdade condicional, juntamente com outros mandatos, como completar um programa de gestão da raiva, que Peart não sabia onde encontrar.

Depois, descobriu o LinkedIn. Estava animado por ter encontrado uma ferramenta para criar uma rede profissional e encontrar recursos. Porém, ainda o rejeitavam nos empregos e conexões a que se candidatava, apesar de ter boas referências.

"Achei que seria muito poderoso, se houvesse uma ferramenta como esta para homens e mulheres como eu", afirmou. "E como não havia nada parecido, decidi criá-la."

Peart fundou, por isso, a ConConnect em 2020, a primeira plataforma de rede profissional para ex-presidiários.

“A minha visão é conectar estas pessoas a empregos, recursos de reinserção, cursos, organizações sem fins lucrativos, empregadores de segunda oportunidade, agências de saúde mental e abuso de drogas e toda uma comunidade que pode dar apoio, tudo num único sítio", explicou Peart. “Quero oferecer a outras pessoas o acesso imediato a recursos e oportunidades que eu não tive – ou não sabia como obter”.

Peart também espera que a empresa possa ajudar a reduzir a reincidência no crime nos Estados Unidos, que está entre os mais altos do mundo.

Mais de três quartos dos reclusos que saem em liberdade são presos novamente dentro de cinco anos, segundo um estudo de 2018 do Instituto Nacional de Justiça. Aproximadamente 44% regressam antes do primeiro ano fora da prisão e cerca de 68% dos 405 mil reclusos libertados foram presos por um novo crime no espaço de três anos.

Não demorou muito até a ideia de Peart atrair investidores interessados em financiar a empresa. Em 2021, o Center for Black Innovation aceitou-o para receber mentoria, ter acesso a executivos e recursos para dar vida ao seu conceito.

A Techstars, uma empresa de capital de risco, e a Cox Enterprises, uma empresa líder em comunicações, decidiram desde logo financiar o projeto.

Em 2021, a ConConnect foi uma das nove empresas escolhidas para o programa Techstars Social Impact Accelerator, centrado em empresas que lidam com problemas enraizados na injustiça social e no racismo sistémico.

Antes de a plataforma ser lançada oficialmente há dois meses, já tinha recebido cerca de 125 mil dólares em investimentos. Até ao final de abril, deve chegar aos dois milhões de dólares, afirma Peart.

Embora ainda esteja em versão beta, já atraiu 2700 utilizadores. Para o conseguir, Peart teve de trabalhar com agentes de liberdade condicional, organizações sem fins lucrativos e governos locais para partilhar a plataforma com ex-presidiários.

O site também inclui mais de 220 parceiros, 40 empregadores e oferece 60 serviços diferentes. Peart afirma que a ConConnect deverá ter 1000 anúncios de emprego publicados até este verão, com três a cinco anúncios publicados por semana.

Combater um sistema imperfeito

Muitas pessoas que saem da prisão não estão a par da tecnologia mais recente, por isso, Peart criou uma plataforma na web fácil de usar e simples de navegar.

Os utilizadores têm acesso gratuito e respondem a um questionário sobre os seus antecedentes criminais para criar um perfil.

Podem interagir com as pessoas da comunidade de reinserção através de um feed de rede social, criando conexões à medida que constroem uma rede. Também têm acesso a três secções: empregos, cursos e serviços. As empresas também podem iniciar sessão e publicar trabalhos e recursos através do pagamento de uma taxa de subscrição.

Christopher Mabry, que passou seis anos na prisão estadual de Nova Iorque, acha que a ConConnect é uma "plataforma muito necessária" que vai além de ajudar as pessoas a conseguir emprego.

Quando a sua sentença terminou em junho de 2020, o homem teve problemas de saúde mental e alojamento. Ele não sabia como encontrar apoio. Mabry, uma das primeiras pessoas que Peart ajudou através da ConConnect, conseguiu criar ligações com organizações sem fins lucrativos que o ajudaram a encontrar um lugar para morar, terapia e emprego.

"Ter uma plataforma onde pode obter ajuda e suporte é extremamente valioso", afirmou Mabry. "Pode partilhar a sua história e conhecer a de pessoas que passaram ou estão a passar por situações muito semelhantes."

Enquanto estava na prisão, ele estudou o ramo imobiliário durante quase um ano. No entanto, ficou desanimado, quando descobriu que antigos presidiários não podem obter uma licença de consultor imobiliário no estado de Nova Iorque.

“Dedicamo-nos  a estes programas e, quando voltamos para casa, não podemos seguir o nosso sonho”, afirmou. "Parece que muitas portas estão fechadas e só se conseguem empregos como a construção civil, que é o que acabei por fazer para ganhar a vida." Peart também espera resolver este problema.

“Quero oferecer trabalhos acima do salário mínimo. Empregos de liderança, altamente qualificados e criativos. O estigma não pode ser maior do que as nossas competências e o nosso cérebro", explicou.

Embora existam leis restritivas para antigos presidiários, na maioria dos casos é o estigma que os impede de conseguir os empregos que desejam, afirma Peart.

Na ConConnect, as empresas podem filtrar candidatos com base nas suas sentenças criminais. No entanto, Peart está a trabalhar nisso para a próxima fase do negócio.

"Queremos trabalhar com as empresas para deixá-las mais à vontade para dar uma oportunidade às pessoas na plataforma, independentemente das suas sentenças", explicou.

Por enquanto, a plataforma fez parceria com empresas como a Amazon, o New York Sports Club e o Illinois Equity Staffing, especializado na indústria da canábis.

Os candidatos têm a oportunidade de se candidatar a cargos como realizador da Not Not Films, uma produtora fundada pelo realizador e fotógrafo Anthony B. Rodriguez, estrategista de pesquisa paga da Bcode, uma empresa de publicidade digital, e diretor executivo da ReEntry Columbia, uma organização sem fins lucrativos que ajuda as pessoas a reinserir-se na vida após a prisão.

Embora a carreira de Mabry não tenha tomado o rumo que ele esperava, ele encontrou alegria e sucesso no seu trabalho na LIC Builders em Long Island. E ele espera usar a plataforma para se conectar a outras pessoas que passam por uma situação semelhante.

"Quero ser um caso de sucesso e ajudar a inspirar as pessoas que estão a lutar para se adaptar", afirmou.

Requisitos da liberdade condicional: um obstáculo

Mabry também chama a atenção para a luta que é lidar com todos os requisitos da liberdade condicional durante a adaptação a uma vida após a prisão.

"Uma das coisas mais difíceis quando se sai é que é necessário completar os programas obrigatórios relacionados com as acusações. É demorado, para não dizer caro, encontrar e participar nestes programas pessoalmente enquanto se tenta obter formação e encontrar um emprego", explicou Mabry.

Muitas organizações na ConConnect oferecem recursos e ajudam as pessoas a encontrar e a concluir os programas necessários online, afirma.

O problema de Mabry é comum entre os ex-presidiários, de acordo com Jonathan Alvarez, diretor da organização sem fins lucrativos 914 United, com sede em Yonkers, Nova Iorque. Enquanto organização de mentoria, a organização sem fins lucrativos ajuda a orientar jovens em comunidades marginalizadas e oferece um sistema de apoio para aqueles que regressam da prisão.

“Estou a lidar com um participante que tenta obter uma licença de barbearia, mas como tem de concluir o programa depois de ter sido libertado, ele não pode estudar a tempo inteiro”, afirmou Alvarez. "Porém, acho que a ConConnect pode resolver este problema, pois oferece acesso fácil e conveniente a programas, onde, agora, muitas pessoas podem fazer essas aulas online e poupar tempo, dinheiro e esforço e dedicarem-se à sua formação e ao seu desenvolvimento profissional".

Organizações sem fins lucrativos como a 914 United também usam a plataforma para partilhar e vender os seus programas educacionais, que outras organizações podem usar e construir parcerias com outras agências.

A Defy Ventures, uma organização sem fins lucrativos que oferece programas empresariais e conecta indivíduos a mentores e oportunidades profissionais, já está a começar a colaborar com outras organizações sem fins lucrativos de reinserção.

"É um ótimo lugar para fortalecer a nossa organização e ajudar a comunidade a fortalecer-se, seja com o desenvolvimento de workshops em conjunto, indicando alguém para um serviço externo ou recebendo um indivíduo que beneficiaria dos nossos campos de formação de empreendedorismo", afirmou Kyle O'Connor, gerente de programas na Defy Ventures.

Para Terrell Hall, gerente de programas de carreira da Defy Ventures, a ConConnect também representa um ponto de paragem em que as pessoas podem confiar.

"A maioria das pessoas que acaba na prisão experienciou muita a desconfiança na sua vida", afirmou Hall. "Esta plataforma oferece-lhes um espaço seguro."

O mesmo se aplica aos empregadores que desejam oferecer oportunidades a ex-presidiários. Peter Harper, especialista em marketing que orienta empreendedores e professor a tempo parcial na Rutgers Business School, está a preparar-se para anunciar empregos no seu novo franchise de remodelações de casas em abril.

"Há tantos indivíduos brilhantes que foram julgados pela pior coisa que fizeram na vida. E muitos deles estão mesmo a tentar inserir-se e tornar-se cidadãos produtivos novamente, então, para mim, este é um conjunto maravilhoso de funcionários com potencial", afirmou Harper.

Harper acha que as plataformas também podem ajudar na atual escassez no mercado de trabalho. Embora comece a contratar pessoas para trabalho físico, ele espera encontrar alguém para assumir um papel maior no negócio quando decidir afastar-se.

"De certa forma, Andre representa todo o talento inexplorado que é incompreendido no nosso sistema de justiça criminal e que está adormecido, frustrado ou enterrado", afirmou. "Então, criar um LinkedIn para estes cidadãos que regressam... é absolutamente brilhante."

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