O Governo anunciou esta terça-feira um pacote de medidas para a comunicação social. Responsáveis pela informação dos diversos meios de comunicação reagiram - elogiam mas fazem também reparos. E há uma frase polémica de Montenegro que causou celeuma
O pacote de medidas para o setor dos media apresentado esta terça-feira pelo primeiro-ministro, Luís Montenegro, e pelo ministro dos Assuntos Parlamentares, Pedro Duarte, foi debatido pelos responsáveis de informação dos diferentes órgãos de comunicação presentes, com Ricardo Costa, diretor-geral de informação Grupo Impresa, a abrir o debate e a admitir que é uma vantagem a assunção do problema.
Ricardo Costa considera que "a assunção política de que há um tema é obviamente bom". "A ideia de que as políticas públicas neste setor eram sempre apoios políticos era uma maneira errada de olhar para esta questão. Este é um pacote de apoio como há para outros setores”, resumiu.
Ricardo Costa defende que não há uma única solução para a imprensa mas sim várias, desde logo porque há muita diversidade: há jornais que são lucrativos, há jornais que têm acionistas, outros que pertencem a fundações ou que recebem fundos.
Para o diretor-geral do grupo Impresa, a resolução dos problemas das plataformas digitais tem de ser política e tem de ser uma solução internacional - a nível europeu. "Ou há uma abordagem global, europeia, que responda a isto ou eu não acredito que seja possível."
José Eduardo Moniz, diretor-geral da TVI e da CNN Portugal, considera que, quanto mais forte for o setor, “mais independente vai ser, melhor é o jornalismo, melhor é o serviço que prestamos ao cidadão”. No painel "Media, jornalismo e democracia", José Eduardo Moniz defendeu que “é sempre bom quando vemos os decisores preocupados com o que acontece num setor determinado”, sobretudo o dos media. Mas Moniz diz-se um cético militante, dizendo que quer “ver na prática o que se vai passar, partindo do princípio de que as intenções são boas”. O responsável da TVI e da CNN Portugal questiona se “o serviço público em Portugal tem de ser prestado sobre uma entidade em Portugal” ou se outros meios também o podem fazer.
José Eduardo Moniz diz que esperava uma ação “mais musculada” por parte do Governo face ao impacto das plataformas digitais no jornalismo - e espera que o entretenimento e a ficção sejam áreas também abordadas neste debate. “Vimos focada esta intervenção no domínio do jornalismo. Mas a verdade é que gostamos de ver o conjunto da atividade e isso passa por um conjunto de matérias que nada tem que ver com o jornalismo - estou a falar de ficção, de entretenimento, de comentário. (…) Somos uma área que exporta, que cria muito valor e que não está a ter o suporte de que necessitaria para se constituir como uma área relevante na atividade económica. Isto está a falhar de uma forma clara”, vinca, dizendo que tudo o que é feito - como negociar com plataformas de streaming - é à “conta da nossa capacidade”
Sobre o pacote de medidas anunciadas pelo Governo para o setor dos media, José Eduardo Moniz defende que “pode ser o início de um caminho” mas que é preciso colocar em prática e “encontrar soluções”.
Pedro Leal, diretor de informação Grupo Renascença Multimédia, defende que é preciso perceber o que as medidas querem dizer, pedindo algumas alterações na legislação, como aquela que obriga à quota de 30% de música portuguesa na rádio: “Temos 30% da nossa atividade condicionada” por uma questão “legal”.
Quanto ao balanço que faz do pacote de medidas do Governo, Pedro Leal considera que “há transparência, isso é bom”, revelando que temia que se fosse “entregar dinheiro aos meios de comunicação social”. “Não sou a favor disso, é uma coisa que me incomoda”, destacou, vincando ainda como medida positiva a revisão das leis. Pedro Leal vincou ainda que algo de errado está a ser feito porque “37% das pessoas rejeitam informação”.
Numa questão apenas para os diretores de canais de informação, Carlos Rodrigues, diretor-geral da MediaLivre, diz que é importante esclarecer se o fim da publicidade na RTP é apenas na TV ou também no site, defendendo que deve ser “multiplataforma”. Já Ricardo Costa diz que o mercado “vai funcionar de acordo com a oferta”, defendendo que o digital não é o futuro, “é o presente”, pois há um consumo grande de vídeos em algumas plataformas, como no YouTube e Instagram, sendo natural uma parte da publicidade ir para esse espaço, cabendo aos meios de comunicação fazer por ficar com parte.
José Eduardo Moniz, diretor-geral da TVI/CNN, volta a dizer que os meios de comunicação estão em crise há vários anos e não apenas agora à boleia da questão digital. “O que acho que devemos fazer é olhar para isto como desafios e prioridades”, dando como exemplo o lançamento da CNN Portugal, que foi um “desafio”, mas que tem de ser pensado como algo que dará “retorno”. “Investimos muito para cima de 20 milhões de euros, é muito dinheiro, quais são as entidades de pessoas em Portugal que arriscam e investem este valor?”, questiona, dizendo que “precisamos de encontrar novos modelos de negócio”, algo que, vinca, “não soubemos fazer até agora”.
A sombra do auricular
Carlos Rodrigues, diretor-geral editorial da Medialivre, considera que esta sessão esta manhã prova que "as empresas de media têm mais a ganhar em discutir os problemas em conjunto do que em separado" e criticou o primeiro-ministro por ter referido os jornalistas "que usam auriculares". “Um jornalista que tem um auricular não é necessariamente um atrasado mental. Senão todos os pivots de televisão eram atrasados mentais”, exemplificou.
A frase do primeiro-ministro na sessão de abertura da conferência sobre a prática dos jornalistas causou celeuma, com Pedro Leal, diretor de informação Grupo Renascença Multimédia, já perto do final do painel a alertar para o perigo de os jornalistas se prenderem a estes pormenores. "O que sai desta conferência? A notícia sobre a RTP já saiu de manhã e agora é o auricular. O que sai daqui é o auricular? Isso eu não posso permitir", diz, considerando que isso diminui a profissão de jornalista e o setor.
O diretor-geral editorial da Medialivre, Carlos Rodrigues, elogia o pacote de medidas agora anunciado. "Este plano está definido para atravessar um profundo presente" - enfrenta os problemas da empregabilidade, da revolução tecnológica, da atualização legislativa.
"Quero dar os parabéns por enfrentar um problema cada vez mais esquecido: há cada vez mais cidadãos em Portugal que não recebem informação. Temos terras no interior que estão cada vez mais arredadas da informação. Estamos no limiar de desistir de uma parte do território nacional. Nós, no Correio da Manhã e na CMTV, não estamos disponíveis para abdicar de nenhum português."
Carlos Rodrigues considera que "a parte mais difícil vai começar agora", referindo-se à implementação das medidas e respetiva avaliação e monitorização. “Um dos problemas principais dos media é que têm sido geridos mal” e que, se abrirem falência, levam muitos para o desemprego. E deixa o desafio para análise: “Estamos a gerir bem as nossas redações, estamos a gerir bem os nossos custos?”.
E a IA, e a IA?
Questionados sobre como imaginam daqui a dez anos os meios de comunicação que lideram, reina algum otimismo entre os responsáveis. Carlos Rodrigues fala em novos projetos, incluindo um projeto de inovação no digital e para o qual foram contratados “dezenas de jornalistas”. “Lamento, mas sob o ponto de vista do futuro o olhar da Medialivre é otimista”, vinca o diretor-geral editorial. “O nosso patrão é o leitor e espectador.”
Também “otimista” está Ricardo Costa, mas destaca que tem também de estar “realista”. Mas tem um senão: “Não sei antecipar o impacto da inteligência artificial (IA)”, seja nas redações, seja na distribuição e na procura dos leitores. Por isso, tem “dificuldades em falar a dez anos”.
Já José Eduardo Moniz, da TVI/CNN Portugal, espera fazer o que está a fazer hoje - “mas melhor” e noutras geografias, destacando que o posicionamento é “empresarial” e que importa, no futuro, olhar para novas abordagens, até mesmo no jornalismo.
David Pontes, diretor do Público, reconhece que, no futuro, o jornal tem de ser diferente e alargar os propósitos do jornal, “aumentando a capacidade de as pessoas encontrarem em nós conhecimento”.
Pedro Leal destaca que “fomos pioneiros no digital” e, por isso, nos próximos anos o objetivo é manter esse foco. “Para nós, o digital é um ponto assente”, vinca. Mas deixa o aviso: “A realidade de hoje pode não ser a de amanhã. Se não formos ágeis, morremos”.
“O que é interpelante é saber que há um jovem com 20 anos que tem mais seguidores do que o Le Monde - ao qual o primeiro-ministro dá primeiro uma entrevista”, refletiu ainda David Pontes.
O setor dos media esteve em debate esta terça-feira, na conferência O Futuro dos Media, com o ministro dos Assuntos Parlamentares, Pedro Duarte, e o primeiro-ministro, Luís Montenegro, a marcarem presença e anunciarem um conjunto de 30 medidas de apoio ao setor da comunicação social.