"Decisão histórica e inédita". Tribunal de Braga declara ilegal Ryanair cobrar aos passageiros por malas de cabine

11 set, 18:00

Sentença do Tribunal Judicial da Comarca de Braga foi conhecida esta quarta-feira. Associação responsável por este e outros sete processos em tribunal, que visam quatro operadoras lowcost, garante que o valor que estas empresas podem vir a pagar de indemnizações pode atingir os “10 mil milhões de euros”

Um tribunal português decretou pela primeira vez que é ilegal uma companhia aérea cobrar taxas adicionais aos passageiros que transportam malas de cabine. A sentença foi publicada esta quarta-feira pelo Tribunal Judicial da Comarca de Braga num processo movido por uma consumidora contra a Ryanair, um dos oito pedidos de indemnizações sobre esta prática - comum em transportadoras lowcost - que estão em vários juízos cíveis de Norte a Sul do país. 

Otávio Viana, diretor da associação de direito dos consumidores Citizen’s Voice e que tem vindo a apoiar juridicamente estes processos garante à CNN Portugal que se trata de uma “decisão histórica e inédita”. “Em Portugal, é a primeira vez que temos uma decisão deste tipo, mas que não é nova na União Europeia, aliás o Tribunal de Justiça da União Europeia já decidiu nesse sentido”. 

No centro da questão está o facto de várias empresas do setor obrigarem os seus clientes a pagar valores que podem chegar aos 66 euros para que os passageiros transportem bagagens de mão, como trolleys, mesmo que caibam na cabine do avião. 

De acordo com o acórdão obtido pela CNN Portugal, o tribunal de Braga considerou que a Ryanair “não pode aplicar um sobre preço ao preço final do serviço de transporte aéreo quando o consumidor se faz acompanhar de uma bagagem de mão, não registada, com dimensões até 55x40x20cm e que cumpra integralmente as regras aplicáveis em segurança e caiba na cabine no local próprio para esse tipo de bagagens”. O juiz acrescentou mesmo que, ao fazer isto, a companhia aérea “agiu com culpa e consciência da ilicitude”.

O tribunal refere ainda que esta prática “trata-se de uma violação dos direitos do consumidor”, já que faz com que o consumidor seja “induzido em erro quanto à formação do preço pelo serviço de transporte aéreo”. Ou seja, acrescenta o acórdão, no momento da compra do bilhete de avião, não é permitido ao passageiro “antever que o transporte de bagagem de mão se encontra submetido a uma tarifa adicional”. 

Por outro lado, o tribunal realça ainda que “o transporte de bagagem de mão serve para transportar os bens essenciais do consumidor”, sendo o mesmo “indissociável do contrato de transporte”. E, reitera o tribunal, obrigar os passageiros a pagar por uma taxa pela bagagem de mão “serve igualmente como uma forma de forçar o consumidor a adquirir um produto adicional que deveria fazer parte do contrato de transporte aéreo”.

O juiz António Oliveira Mestre que condenou a Ryanair a pagar o valor que a consumidora pagou em taxas pela bagagem de mão (56,50 €) declarou também que, neste caso, a companhia com “a totalidade ou parte dos seus comportamentos”, “lesou gravemente os interesses da autora”, “nomeadamente os seus interesses económicos e sociais, designadamente os seus direitos enquanto consumidora”.

Este acórdão já foi adaptado aos restantes processos que se encontram em tribunal neste momento, sublinha Octávio Viana, acrescentando que a decisão do tribunal constitui uma “autoridade do caso julgado”. “Nestes casos, com esta sentença, significa que a as próximas decisões têm de ser iguais a esta anterior já produzida, desde que a causa do pedido seja igual”. 

A sentença, acrescenta Octávio Viana, “vai ser muitíssimo importante para mostrar às pessoas aquilo que são os seus direitos, nomeadamente ao nível de indemnizações”. Sobre este ponto, a associação Citizen’s Voice calcula que os danos causados por esta prática relativamente a clientes que são residentes em Portugal pode chegar aos 10 mil milhões de euros. De resto, em todos os processos que estão neste momento em tribunal, já foi dirigido um pedido para que as contas das operadoras sejam auditadas por um perito externo no sentido de se calcular qual o valor total que possa vir a ser alvo de indemnizações aos clientes afetados por esta prática.

A decisão do tribunal de Braga é pioneira em Portugal, mas não na União Europeia. Recentemente, em maio deste ano, o Ministério do Consumo espanhol multou a Ryanair, a Vueling e a easyJet em 150 milhões de euros por “abusivamente” cobrarem taxas aos passageiros que transportam malas de cabine acima do definido pelo operador. 

Ao mesmo tempo várias associações de defesa de consumidores na União Europeia e no Reino Unido já avançaram com pedidos de indemnização. Entre elas a Deco Proteste que, em julho deste ano, num pedido conjunto com a associação internacional Euroconsumers, exigiu que quatro operadoras - a Ryanair, a Easyjet, a Wizz Air e a Vueling, devolvam aos seus clientes a cobrança pelas bagagens de mão. Se não o fizerem, referiu a porta-voz Soraia Leite, em entrevista à CNN Portugal, “não teremos outra alternativa senão intentar uma ação judicial”.

A CNN Portugal tentou contactar a Ryanair sobre a decisão do tribunal de Braga, mas até ao momento não obteve resposta. Em Espanha, onde a companhia foi multada pelo Ministério do Consumo, um representante da ALA, a Associação de Linhas Aéreas que representa as companhias lowcost alvo deste tipo de processos, disse há um mês que o procedimento administrativo “continua aberto” e que “as companhias aéreas não são obrigadas a alterar nenhuma das práticas adotadas até agora”. “Todas as companhias aéreas permitem que os passageiros transportem gratuitamente uma mala de mão, desde que esta caiba no lugar da frente e cumpra os requisitos razoáveis relativos ao peso e às dimensões”, acrescentou o mesmo representante à CNN Portugal.

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