Há alimentos ultraprocessados que podem encurtar a sua vida

CNN , Sandee LaMotte
13 jul 2024, 10:00
Comida processada (Anastasiia Krivenok/Moment RF/Getty Images via CNN Newsource)

"Este é mais um grande estudo de longa duração que confirma a associação entre a ingestão de alimentos ultraprocessados e a mortalidade por todas as causas, particularmente por doenças cardiovasculares e diabetes tipo 2"

O consumo de alimentos ultraprocessados pode encurtar a esperança de vida em mais de 10%, de acordo com um novo estudo, ainda não publicado, que incluiu mais de 500.000 pessoas seguidas pelos investigadores durante quase três décadas.

O risco subiu para 15% nos homens e 14% nas mulheres depois de os dados terem sido ajustados, explica a autora principal do estudo, Erikka Loftfield, investigadora do Instituto Nacional do Cancro em Bethesda, no estado norte-americano de Maryland.

Questionados sobre o consumo de 124 alimentos, as pessoas no percentil 90 do consumo de alimentos ultraprocessados garantiram que as bebidas excessivamente processadas se encontravam no topo da sua lista.

"Os refrigerantes dietéticos foram o principal fator que contribuiu para o consumo de alimentos ultraprocessados. O segundo foi o refrigerante açucarado", afirma Loftfield. "As bebidas são um componente muito importante da dieta e da contribuição para os alimentos ultraprocessados."

Os cereais refinados, como os pães ultraprocessados e os produtos de pastelaria, são, de acordo com o estudo, os que se seguem em termos de popularidade.

"Este é mais um grande estudo de longa duração que confirma a associação entre a ingestão de alimentos ultraprocessados e a mortalidade por todas as causas, particularmente por doenças cardiovasculares e diabetes tipo 2", diz Carlos Monteiro, professor emérito de nutrição e saúde pública da Universidade de São Paulo, através de um email.

Monteiro utilizou o termo "alimento ultraprocessado" e criou o sistema de classificação alimentar NOVA, que vai para além dos nutrientes e da forma como os alimentos são produzidos. Monteiro não esteve envolvido no estudo, mas vários membros do sistema de classificação NOVA foram co-autores do mesmo.

Este sistema de classificação avalia os alimentos desde os não processados ou minimamente processados - alimentos integrais, como frutas e legumes - até aos alimentos ultraprocessados, como a carne de charcutaria e as salsichas. Os alimentos ultraprocessados contêm ingredientes "nunca ou raramente utilizados nas cozinhas ou classes de aditivos cuja função é tornar o produto final saboroso ou mais apelativo", de acordo com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura.

A lista de aditivos passa por conservantes para resistir a bolores e bactérias; emulsionantes para impedir a separação de ingredientes incompatíveis; corantes e tintas artificiais; agentes antiespumantes, de volume, branqueadores, gelificantes e glaceantes; e açúcar, sal e gorduras adicionados ou alterados, com vista a tornar os alimentos apetitosos.

Riscos para a saúde associados a carnes processadas e refrigerantes

O estudo preliminar, apresentado numa reunião anual da Sociedade Americana de Nutrição, em Chicago, analisa dados alimentares recolhidos em 1995 junto de cerca de 541.000 americanos com idades compreendidas entre os 50 e os 71 anos, que participaram no Estudo sobre Dieta e Saúde dos Institutos Nacionais de Saúde dos EUA (AARP).

Os investigadores relaciona os dados dietéticos com as taxas de mortalidade nos 20 a 30 anos seguintes. Em comparação com as pessoas que se encontravam nos últimos 10% do consumo de alimentos ultraprocessados, as pessoas que comiam mais alimentos excessivamente processados tinham mais probabilidades de morrer de doenças cardíacas ou de diabetes, mostra o estudo. No entanto, ao contrário de outras pesquisas, os investigadores não encontraram um aumento das mortes relacionadas com o cancro.

Alguns alimentos ultraprocessados acarretam um risco maior do que outros, assegura Loftfield: "A carne altamente processada e os refrigerantes foram alguns dos subgrupos de alimentos ultraprocessados mais fortemente associados ao risco de mortalidade".

As bebidas dietéticas são consideradas alimentos ultraprocessados porque contêm edulcorantes artificiais, como o aspartame, o acessulfame de potássio e a stevia, bem como aditivos adicionais que não se encontram nos alimentos integrais. As bebidas dietéticas têm sido associadas a um maior risco de morte precoce por doenças cardiovasculares, tal como ao surgimento de demência, diabetes tipo 2, obesidade, AVC e síndrome metabólica, que pode levar a doenças cardíacas e diabetes.

As diretrizes dietéticas para os norte-americanos já recomendam a restrição das bebidas açucaradas, que têm sido associadas à morte prematura e ao desenvolvimento de doenças crónicas. Um estudo de março de 2019 já tinha revelado que as mulheres que bebiam mais de duas porções por dia de bebidas açucaradas - definidas como um copo, garrafa ou lata normal - tinham um risco 63% maior de morte prematura em comparação com as que as bebiam menos de uma vez por mês. Os homens que fizeram o mesmo tiveram um aumento de 29% no risco.

As carnes processadas, como o bacon, os cachorros quentes, as salsichas, o fiambre, a carne enlatada, a carne seca e a charcutaria também não são recomendadas; investigações relacionaram as carnes vermelhas e processadas aos cancros do intestino e do estômago, doenças cardíacas, diabetes e morte precoce por qualquer causa.

"Os dados deste novo estudo indicam que a carne processada pode ser um dos alimentos mais prejudiciais para a saúde, mas as pessoas não tendem a considerar o fiambre ou os nuggets de frango como alimentos ultraprocessados", constata Rosie Green, professora de ambiente, alimentação e saúde na London School of Hygiene & Tropical Medicine, em comunicado. Green não participou do estudo.

A investigação conclui que as pessoas que consumiam mais alimentos ultraprocessados eram mais jovens e mais pesadas, tendo uma dieta de pior qualidade do que aquelas que consumiam menos alimentos ultraprocessados. No entanto, o aumento do risco para a saúde não pode ser explicado por estas diferenças, porque mesmo as pessoas com peso normal e com dietas mais saudáveis também corriam algum risco de morte precoce, devido aos alimentos ultraprocessados, mostra a pesquisa.

"Os estudos que utilizam sistemas de classificação de alimentos como o NOVA, que se concentram no grau de processamento, em oposição à composição nutricional, devem ser considerados com cautela", avisa Carla Saunders, presidente do Conselho de Controlo de Calorias norte-americano, uma associação industrial, através de um email.

"Sugerir a eliminação de alimentos dietéticos como as bebidas sem ou com baixas calorias, com benefícios comprovados no tratamento de doenças como a obesidade e a diabetes, é prejudicial e irresponsável", sublinha Saunders.

Os resultados podem subestimar o risco

Uma das principais limitações do estudo reside no facto de os dados sobre a alimentação terem sido recolhidos apenas uma vez, há cerca de 30 anos, lamenta Green: "É difícil dizer como os hábitos alimentares podem ter mudado entre essa altura e agora".
O fabrico de alimentos ultraprocessados explodiu, contudo, desde meados dos anos 90, estimando-se que cerca de 60% das calorias diárias do americano médio provêm de alimentos ultraprocessados. Este facto não é surpreendente, tendo em conta que 70% dos alimentos presentes em qualquer mercearia podem ser ultraprocessados.

"Em qualquer caso, provavelmente estamos a subestimar o consumo de alimentos ultraprocessados no nosso estudo, porque estamos a ser muito conservadores", diz Loftfield. "É provável que a ingestão só tenha aumentado ao longo dos anos".

De facto, um estudo publicado em maio que encontrou resultados semelhantes - um risco mais elevado de morte prematura e morte por doença cardiovascular em mais de 100.000 profissionais de saúde que consumiam alimentos ultraprocessados - teve acesso à ingestão de alimentos ultraprocessados de quatro em quatro anos e descobriu que o consumo duplicou entre meados da década de 1980 e 2018.

"Por exemplo, a ingestão diária de snacks salgados embalados e de sobremesas à base de lacticínios, como o gelado, duplicou essencialmente desde os anos 90", conta o autor principal do estudo de maio, Mingyang Song, professor associado de epidemiologia clínica e nutrição na Escola de Saúde Pública TH Chan da Universidade de Harvard.

"No nosso estudo, tal como neste novo, a associação positiva foi impulsionada principalmente por alguns subgrupos, incluindo a carne processada e as bebidas açucaradas ou artificialmente adoçadas", explica Song. "No entanto, todas as categorias de alimentos ultraprocessados foram associadas a um risco acrescido".

Escolher mais alimentos minimamente processados é uma forma de limitar os alimentos ultraprocessados na dieta de uma pessoa, sugere Loftfield.

"Devíamos concentrar-nos em seguir dietas ricas em alimentos integrais", acrescenta. "E se os alimentos forem ultraprocessados, então procurar ver os níveis de sódio e açúcares adicionados e tentar tomar a melhor decisão possível, utilizando o rótulo de informação nutricional."

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