Assédio, casamento de menores, Abramovich, familygate: prepare-se, o país vai ser agitado em breve por estes assuntos (e mais dois ou três)

23 abr 2022, 22:00
Parlamento (Lusa)

Para que qualquer proposta siga em frente e tenha a desejada aprovação no Parlamento português tem de contar com a concordância socialista e respetiva maioria absoluta. Muitas destas propostas devem por isso cair - contrariaram as opções do partido no Governo

Um novo crime de assédio sexual e novos prazos para denunciar abusos sexuais a menores

Agora sozinha no Parlamento, Inês de Sousa Real inicia a nova etapa do PAN focada em duas alterações ao Código Penal. E, em comum, estão crimes de natureza sexual. O partido quer que seja criada a tipologia de crime de assédio sexual, considerando que o atual enquadramento “não se afigura suficiente”. Na proposta da ecologista, concretiza-se mesmo que as situações de assédio sexual no trabalho não dependem apenas da existência de subordinação jurídica, isto de forma a enquadrar as situações entre docentes e alunos/alunas, depois das polémicas que têm surgido em universidades portuguesas. A segunda alteração que o PAN quer ao Código Penal está nos prazos de prescrição dos crimes sexuais contra menores para que passe a constar o seguinte: quando o ofendido tiver menos de 14 anos, o procedimento criminal nunca se extinguiria até fazer 40 anos; quando for maior de 14 anos, há um prazo de prescrição de 20 anos.

Casamento proibido aos 16

O Chega quer elevar para os 18 anos a idade mínima para alguém se casar em Portugal, atualmente fixada nos 16 anos com autorização dos progenitores. O diploma cita dados para mostrar que em cinco anos “houve mais de 600 casamentos infantis em Portugal” e encara-o como um “fator de desigualdade de género”, aumentando os riscos de violência doméstica e sexual. Mas a proposta tem como alvo um das obsessões do Chega: a comunidade cigana. “É evidente que, quando começámos a abordar esta questão, vinha junto de uma série de apreciações críticas que tínhamos feito em relação á comunidade cigana”, admite André Ventura à CNN Portugal.

À terceira tentativa, a eutanásia

O Bloco de Esquerda espera concretizar a despenalização da morte assistida. O partido de Catarina Martins aproveitou o texto acertado entre os diferentes partidos na última legislatura e introduziu-lhe “pequeníssimas alterações” que considera poderem ultrapassar as reticências que levaram Marcelo Rebelo de Sousa a vetar o diploma. Destacada a negrito surge, em diversas ocasiões, a expressão “doença grave e incurável”.

O caso Abramovich e o fim da nacionalidade a judeus sefarditas

As regras que ditam a atribuição da nacionalidade portuguesa continuam sem deixar os partidos satisfeitos. O PSD quer que seja eliminado o artigo que define que “só a filiação estabelecida durante a menoridade produz efeitos relativamente à nacionalidade”, falando em “injustiça” perante aqueles cujos progenitores só reconhecem a sua paternidade já na idade adulta. Mas é a proposta do PCP que tem mais potencial para gerar discórdia: isto porque os comunistas querem o fim do regime de concessão da nacionalidade portuguesa por mero efeito da descendência de judeus sefarditas expulsos de Portugal em 1496. O partido recorda situações de “abuso” “a troco de dinheiro e por mera conveniência”, admitidas pelo próprio Governo. O diploma dá mesmo o exemplo de Roman Abramovich, que adquiriu a nacionalidade “sem ter qualquer ligação que se conheça à comunidade nacional” e evoca as suspeitas de corrupção por parte de responsáveis da comunidade israelita do Porto.

O fim do fim do SEF (ditado por um crime)

Há uma discussão que coloca o Chega e o PCP do mesmo lado: a extinção do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). Os dois partidos apresentaram propostas no sentido de evitar, através do Parlamento, esse passo iminente – nem que seja para fomentar a discussão pública do papel da organização. Os comunistas até elogiam a criação do Serviço de Estrangeiros e Asilo, com uma componente administrativa, mas questionam se isso “deve implicar a extinção do SEF enquanto serviço de segurança”. Na proposta, argumentam mesmo que esse passo só foi dado devido à morte de Ihor Homeniuk e que, “se esse crime não tivesse sido cometido”, o SEF se manteria. No mesmo sentido segue o Chega, que lamenta que se esteja a generalizar a culpa a toda a estrutura, avisando que “a dispersão de competências por várias entidades e pontos de contacto tem o potencial para introduzir a desconfiança na nossa relação, designadamente com os parceiros europeus”. O Governo já adiou entretanto a extinção do SEF.

Como pôr os combustíveis mais baratos

Até à aprovação do Orçamento do Estado para 2022, onde constam medidas para responder à subida da inflação acentuada pela guerra na Ucrânia, há uma preocupação dos portugueses que os deputados não querem esquecer nesse percurso: a subida do preço dos combustíveis. Chega e PCP levam a dianteira dessa discussão, com propostas já apresentadas. O partido de André Ventura quer ver aplicado um desconto imediato sobre os combustíveis na hora de abastecer, recordando o peso dos impostos na fatura final. É ainda sugerida ao Governo uma campanha de informação para que os consumidores consigam perceber as sucessivas subidas e descidas nos preços dos combustíveis. Já os comunistas querem o fim do adicional ao ISP e da aplicação do IVA sobre o ISP, valores de referência para controlar as margens das gasolineiras e mexidas no nível de incorporação de biocombustíveis. A pressão inflacionista justifica também uma proposta da Iniciativa Liberal, com a recuperação de uma vontade antiga do partido: a redução do IVA da eletricidade e do gás para a taxa reduzida de 6%, permitindo uma folga maior aos orçamentos das famílias.

O IVA da tourada

O Chega até pode ter uma antiga deputada do PAN como nova assessora parlamentar, mas vai insistir numa bandeira antiga: a descida do IVA nas touradas para a taxa mínima - 6%. A proposta recupera o argumento de que é “parte integrante do património da cultura popular portuguesa” e procura aproveitar a maior abertura do novo ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, ao tema. Mas há uma outra proposta em sentido diametralmente oposto, vinda do PAN, que quer pôr fim à isenção de IVA das prestações de serviços efetuadas por artistas tauromáquicos, argumentando que o atual regime beneficia “atividades e profissões que premeiam a violência gratuita e os maus-tratos animais”.

Família no Governo, negócios à parte

O Chega não quer deixar morrer as polémicas da última legislatura e, por isso, numa das suas primeiras iniciativas recupera o caso “FamilyGate”. O partido de André Ventura quer mexer nas regras que orientam os contratos públicos - com um duplo objetivo: criar bloqueios e aumentar a transparência. No diploma, o Chega define que “devem ser absolutamente proibidos quaisquer contratos com empresas em que o titular do órgão seja detentor de participação” e com empresas onde ascendentes, descendentes ou cônjuges têm participação. Caso o negócio com empresas de familiares não aconteça na área tutelada mas envolva familiares de outros governantes, diz a proposta do Chega que essa informação “deve não só ser pública como deve ser proativamente publicada”.

O regresso dos debates quinzenais (para escrutinar a maioria absoluta)

Na última legislatura, PS e PSD juntaram forças para acabar com os debates quinzenais com o primeiro-ministro. Mas com a nova composição do Parlamento a vontade é que esse formato regresse porque é encarado como uma forma de escrutínio mais intensa à maioria absoluta. Chega, PAN e Iniciativa Liberal já apresentaram propostas nesse sentido. O PAN, que volta a ser um partido de deputado único, pede também mais direitos para estes parlamentares. Neste tema, pelo menos o PS diz-se disposto a “revisitar” a questão.

Como segurar professores

Em 2019, a reposição integral do tempo de serviço dos professores levou o Governo de António Costa a um ultimato aos parceiros da esquerda: ou caía essa exigência ou caía o próprio Executivo, lançando-se uma crise política. Na altura, o PSD deu a mão ao PS para impedir ambos os cenários. Vários anos volvidos, o novo Governo socialista definiu como meta acabar com o atual modelo de concurso dos professores, acelerando a vinculação dos docentes às escolas. Mas os comunistas querem que tudo avance mais rapidamente. E, para isso, apresentaram uma proposta para a abertura de concursos extraordinários para vinculação de professores a todos os docentes com 10 ou mais anos de serviço ainda em 2022. Depois, em 2023, repetir-se-ia o procedimento mas para os docentes com três ou mais anos de serviço.

Quem produziu mais em 15 dias? O PS não apresentou propostas

Para que toda e qualquer medida consiga aprovação no Parlamento precisa da concordância dos socialistas. Mas, agora com maioria absoluta, os deputados do Partido Socialista não entregaram qualquer proposta em nome próprio nos primeiros 15 dias de trabalhos.

Apesar da bancada reduzida nesta legislatura, os comunistas apresentam-se como o grupo parlamentar com mais propostas entradas nesta primeira etapa, com 26 diplomas. O terceiro lugar é ocupado por Inês de Sousa Real, que agora assina 19 propostas como deputada única do PAN.

O Chega é também dos mais produtivos, com 17 projetos. A Iniciativa Liberal conta com seis. Embora com bancadas com dimensões bem distintas, PSD, Bloco de Esquerda e Livre entregaram cinco propostas cada um.

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